Fazia tempo que
não via a minha amiga. Bastante tempo, por sinal, o que era estranho.
Praticamente, todos os dias nos cruzávamos na universidade sénior, ela por uns
motivos, eu por outros, mas sempre acabávamos por nos encontrar.
Durante alguns
anos, ela andava sempre à boleia comigo, para cima e para baixo. A certa
altura, as atividades dela começaram a divergir das minhas e deixei de tê-la
como companhia. E não é que não sentisse a sua falta, mas a vida é feita de
mudança e cada um tem o direito às suas opções.
De qualquer
modo, era frequente vermo-nos na universidade, assim como acontecia com quase
todos os outros colegas. Porém, a dada altura, deixei de vê-la por completo.
Liguei-lhe uma outra vez, mas ela não atendeu nem respondeu. Isso não era muito
estranho, porque Flora anda sempre super ocupada, sem grande ou nenhum tempo
para tagarelices. Em todo o caso, eu sentia no ar a falta dela.
Um dia de manhã,
ao acordar, tinha tido um sonho. Um sonho do qual me lembrava perfeitamente. Era
simples e curto, mas muito agradável. Estava num lugar que identifiquei como
sendo a universidade, num espaço à entrada do edifício, onde todos nos cruzamos
uns com os outros, nos vários sentidos, e de repente ela apareceu do nada,
vindo na minha direcção, cumprimentando-me como de costume, com um forte abraço
e beijos, perguntando se estava tudo bem. Olhei para ela surpresa por há muito
não a ver, respondi que sim, tudo bem e ali, durante alguns minutos, ficámos
olhando uma para a outra, em jeito de contemplação, duma maneira amistosa e
agradável como sempre.
Ela estava
bonita, com o bom astral de sempre, os olhos azuis que lhe iluminam o rosto
emoldurado de cabelos louros e um sorriso meigo, tranquilo, bem ao seu jeito.
Era a minha amiga Florinha de sempre e como eu tinha saudades!
Flora é uma
presença muita activa na universidade sénior, muito participativa, sempre
envolvida em mais projectos, sempre prestativa com os outros, ajudando em tudo
o que pode, para que tudo seja mais e melhor. Nesse domínio é a figura número
um, sem dúvida alguma e eu, pessoalmente, tenho uma grande admiração por quem
ela é. Ela sabe abordar cada um, sabe como chegar-se à frente e tem sempre as
palavras certas na hora certa.
Com ela aprendi
muita coisa e uma delas foi precisamente melhorar a minha comunicação com os
outros, deitando abaixo as barreiras, vencendo a timidez e outras coisas mais
com que eu ainda lutava. A ela devo isso.
Naquela manhã,
ao acordar, relembrando o sonho, senti-me muito bem, com uma sensação muito
agradável. E pensei que aquilo era sinal de que naquele mesmo dia iria
finalmente encontrá-la. Sim, porque um sonho nunca mente. Eu sei quando um
sonho traduz uma realidade e quando é pura fantasia. Este, eu sabia que era uma
antecipação do que iria acontecer – premonição. Tinha a certeza absoluta.
Levantei-me,
tratei de mim, fiz o que tinha a fazer e saí de casa em direcção à
universidade, agora acompanhada de outra colega que é minha vizinha e anda
sempre comigo. Lá fomos as duas para as aulas da manhã. E logo que chegámos,
lembrando o sonho, achei que ia encontrá-la logo por ali, como costumava ser.
Mas enganei-me. Flora não estava, pelo menos, não que a pudesse ver. Talvez
estivesse numa sala a fazer as suas coisas habituais, mas não nos conseguimos
encontrar.
Fomos à primeira
aula e, no final, no intervalo entre a primeira e a segunda, saímos. Estava um
dia lindo, digno de um excelente início de Primavera abençoada, porque de
Inverno estávamos todos fartos. Cansados do frio, da chuva, dos dias tristes e
desagradáveis, mas que fazem parte da vida.
Naquele dia
dávamos graças pelo sol que nos abraçava, pelo calor que nos chegava e pela luz
que nos iluminava e tudo tornava mais leve, mais colorido. Novamente me lembrei
da Flora, olhando em volta, mas nenhum vislumbre dela. Perguntava a mim mesma
por onde andaria, porque eu estava certa de que nos iríamos encontrar. Não!?
Chegou o
professor e fomos à segunda aula. Terminada esta, fui chamada à secretaria para
esclarecer uma questão. A minha amiga, entretanto, ficou lá fora com os
colegas, falando, descontraindo, rindo uns com os outros disto e daquilo. Lá
estive na secretaria em conversa com a colega que trabalha lá e outras que
depois apareceram para resolver assuntos e o tempo foi passando.
Quando terminei
o que tinha ido ali fazer, despedi-me e fui lá para fora juntar-me ao grupo
para aproveitar uns minutos de descontração e convívio. No meio de tudo isto,
continuei a farejar, no intuito de dar voz ao meu sonho. Eu tinha sonhado com a
Flora. Ela tinha aparecido e foi tão real como bom, muito bom, tê-la visto. Mas
nem rasto dela.
E assim, deduzi que, afinal, contra todas as expectativas estava enganada, sentindo-me idiota, porque atraiçoada exactamente pela minha pessoa. Porque tenho sempre que acreditar em coisas em que ninguém se lembra de acreditar? Mas também os outros acreditam em coisas que eu não acredito. Contudo, devo acrescentar que aquele assunto dos sonhos, é um assunto que para mim é “sagrado”, digamos.
Eu sempre
soube quando um sonho é premonição e quando não significa nada. A minha intuição
nunca falha a esse nível. Muitas vezes estive em situações que parecia que ia
falhar e depois, no último instante, quando tudo parecia que não ia dar certo e
que era a coisa mais absurda, a situação revertia-se, acabando por dar tudo mais
que certo. E na verdade sempre penso que é desta vez que vai falhar e depois lá
vem a resposta, fazendo-me ver que afinal não falhei.
Pois é, mas para
tudo há sempre uma primeira vez. E esta seria mesmo a primeira vez, custasse o
que custasse, era para admitir. Ninguém é perfeito. Ali não havia volta a dar e
eu tinha-me enganado. As minhas faculdades estavam a falhar. Que tristeza!
A conversa
estava muito boa, mas cada um começou a despedir-se para ir à sua vida. Estava
na hora do almoço e disse à minha amiga para irmos andando porque ainda tinha coisas
para fazer, por isso também nos despedimos e fomos em direção ao carro.
Em casa,
enquanto preparava o que ia comer e mesmo depois enquanto almoçava, ia pensando
nisto e naquilo, mas não me saía da cabeça o sonho e a estranheza de não ter
visto a Flora, que não dava certo. Depois da refeição ainda tinha uns minutos
para descansar e a seguir voltava para a universidade, porque tínhamos uma aula
à tarde.
Na hora certa,
saí de casa, encontrei novamente a minha amiga e colega, que entrou no carro para
seguirmos uma vez para a universidade. A aula de Jogos dura hora e meia e é
sempre uma aula muito divertida, animada, em que todos sem excepção aproveitam
para desopilar ao máximo pela natureza da própria aula. Dizem-se e fazem-se
todos os disparates e mais alguns, com que todos se riem até mais não poder.
Aproveitam-se as asneiras uns dos outros, segue-se o caminho e a brincadeira
nunca mais acaba. E mais uma vez não fugiu à regra. Às vezes chega a doer o
estômago de tanto rir.
Era fim do dia
de aulas e fim de semana, também. Na semana seguinte mais haveria para nos
preencher o tempo com uma certa qualidade e em comunidade. Mas a risada e a
gozação continuaram. Fui novamente à secretaria para me despedir da Cristina e
mais uma vez aproveitei para dar uma olhadela em volta à procura da Flora. Mas
nem vê-la. Nada de Flora. Despedi-me da Cristina e saí da Secretaria para
chamar a minha amiga, que logo veio ao meu encontro para regressarmos a casa.
Uma vez mais
lamentei que o sonho não tivesse dado certo e não conseguia compreender e muito
menos aceitar. Era de todo muito estranho. Mas aquele assunto ia encerrar ali,
admitindo que estava errada e não queria pensar mais nisso, que me estava a
perturbar mais da conta, o que era inadmissível. Assunto encerrado.
Virei as costas
para batermos em retirada e… de repente… e mais, surpreendentemente, aos
quarenta e cinco do segundo tempo, como se costuma dizer, quase esbarro em
alguém que estava precisamente no meu caminho… cara a cara, olhos nos olhos,
que bonita que ela estava! A Flora. A Flora!?