A minha avó materna fez a sua passagem com noventa e seis anos, vítima de um acidente doméstico. Era uma mulher vibrante, possuidora de uma saúde de ferro e uma presença notável. Tinha uma personalidade exuberante e dificilmente passava despercebida. Tinha também uma energia inesgotável.
Após o seu falecimento os meus tios providenciaram obras de melhoramento na casa, obras que levaram bastante tempo, porque se tratava de uma casa muito antiga. Mas não só, quando os operários iam comprar material deparavam-se com problemas como não haver o que precisavam e ficava tudo parado à espera. Depois, o que faziam não rendia, o trabalho não ficava bem, era preciso desmanchar e voltar a fazer de outra maneira, etc.
As coisas não andavam, parecia que estava sempre tudo na mesma, não havendo
como chegar ao fim, o que durou uns largos meses. Quando finalmente deram por
finalizada a obra, a casa estava completamente diferente, sem comparação
possível. Mas foi uma luta, parecia que estávamos todos cansados, sem que
tivéssemos feito parte do trabalho. A casa foi limpa, redecorada e de novo
habitável.
Um fim-de-semana fomos todos para lá, numa espécie de boas vindas ao novo
espaço. Quando cheguei já lá estavam os meus tios e primos. Pus-me a apreciar o
aspecto e a sentir a nova atmosfera. Estava muito mais leve, sem dúvida. Será
que a minha avó ia preferir a casa assim? Sempre achei que aquelas obras
deveriam ter sido feitas com ela em vida, mas o facto é que não foram.
Aprovaria ela? Interrogação. Estava eu nas minhas conjecturas, com os sentidos
todos apurados, quando de repente sinto por trás de mim uma presença, ou
melhor, uma fonte de energia. Não me lembrava de estar ninguém ali! Virei-me e
aparece o vulto dela completamente materializado.
Mentalmente perguntei-lhe o que fazia ali, mas não obtive resposta.
Ignorou-me, como provavelmente o teria feito se estivesse viva. Disse-lhe que
não deveria estar ali, que aquele lugar já não lhe pertencia, que deveria
voltar para a luz, mas ela continuou indiferente e começou a expressar-se como
se estive fisicamente presente. Transmitiu-me que quando as obras começaram não
queria e tinha feito de tudo para impedir que continuassem, mas agora que
estava feito não lhe desagradava.
Eu estava apalermada. Podia vê-la dos pés è cabeça. A roupa que vestia não
era dela, nunca lhe tinha visto aquilo. Um conjunto de saia e casaco preto, que
rematava nas bordas da saia e do casaco, bem como nas mangas, com uma listinha
branca da largura de um dedo, ao estilo "chanel". Fiquei a pensar o
que queria aquilo dizer, mas logo a minha intuição falou mais alto e se fez
luz. Aquilo queria dizer que ela tinha iniciado o seu processo de luz, o
equivalente à porção do branco que mostrava o fato. Era, portanto uma coisa
ainda muito ténue, mas já dera início o que era bom sinal. Fiz-lhe mais uma
pergunta pessoal ao que ela respondeu, já de costas para mim e saiu,
esfumando-se pela rede de protecção da janela, até que se extinguiu
completamente, após ter passado para o lado de fora.
Fiquei parada, com a sensação de que tinha estado a falar sozinha. Não foi
uma coisa muito agradável mas também não foi intolerável. Gostava de a ter
visto numa outra perspectiva, num estado de luz mais avançado, mas foi assim.
Fui para a cozinha e contei à minha tia o sucedido. Ela olhou para mim, por
uns instantes fixou-me nos olhos e com uma certa indignação inquiriu porque é
que ela não tinha aparecido para ela? Quanto a isso eu não sabia responder, mas
percebi que ela achava que tinha a preferência, talvez por ser a filha, o que
não me incomodava.
Eu já tinha tido outras experiências a este nível, mas muito bonitas, que
mais adiante descreverei. Esta foi um pouco insípida, não teve o brilho nem a
beleza indescritível das outras, não deixando, contudo, de ser algo especial,
porque são dois mundos que se misturam. O mundo extra sensorial não tem
limites. Manifesta-se das mais diversas formas. É preciso dizer que nunca
procurei nada disto, pelo que tudo acontece da forma mais natural possível.
Há pessoas que se intitulam "médiuns" e dizem que incorporam...
isso é possível, eu sei, mas o que não entendo é que essas coisas, esses pontos
de encontro, por assim dizer, tenham hora marcada e mais, sejam pagos. Se se
tem essa faculdade, deixá-la estar. Ela se manifestará se necessário for e
fluirá com a naturalidade possível. Toda a estranheza a este respeito deve
simplesmente ser posta de parte. A sensibilidade e o correcto discernimento
farão o seu trabalho e encarregar-se-ão de ir ao encontro da luz.