terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A avó - 14


A minha avó materna fez a sua passagem com noventa e seis anos, vítima de um acidente doméstico. Era uma mulher vibrante, possuidora de uma saúde de ferro e uma presença notável. Tinha uma personalidade exuberante e dificilmente passava despercebida. Tinha também uma energia inesgotável.

 

Após o seu falecimento os meus tios providenciaram obras de melhoramento na casa, obras que levaram bastante tempo, porque se tratava de uma casa muito antiga. Mas não só, quando os operários iam comprar material deparavam-se com problemas como não haver o que precisavam e ficava tudo parado à espera. Depois, o que faziam não rendia, o trabalho não ficava bem, era preciso desmanchar e voltar a fazer de outra maneira, etc.

 

As coisas não andavam, parecia que estava sempre tudo na mesma, não havendo como chegar ao fim, o que durou uns largos meses. Quando finalmente deram por finalizada a obra, a casa estava completamente diferente, sem comparação possível. Mas foi uma luta, parecia que estávamos todos cansados, sem que tivéssemos feito parte do trabalho. A casa foi limpa, redecorada e de novo habitável.

 

Um fim-de-semana fomos todos para lá, numa espécie de boas vindas ao novo espaço. Quando cheguei já lá estavam os meus tios e primos. Pus-me a apreciar o aspecto e a sentir a nova atmosfera. Estava muito mais leve, sem dúvida. Será que a minha avó ia preferir a casa assim? Sempre achei que aquelas obras deveriam ter sido feitas com ela em vida, mas o facto é que não foram. Aprovaria ela? Interrogação. Estava eu nas minhas conjecturas, com os sentidos todos apurados, quando de repente sinto por trás de mim uma presença, ou melhor, uma fonte de energia. Não me lembrava de estar ninguém ali! Virei-me e aparece o vulto dela completamente materializado.

 

Mentalmente perguntei-lhe o que fazia ali, mas não obtive resposta. Ignorou-me, como provavelmente o teria feito se estivesse viva. Disse-lhe que não deveria estar ali, que aquele lugar já não lhe pertencia, que deveria voltar para a luz, mas ela continuou indiferente e começou a expressar-se como se estive fisicamente presente. Transmitiu-me que quando as obras começaram não queria e tinha feito de tudo para impedir que continuassem, mas agora que estava feito não lhe desagradava.

 

Eu estava apalermada. Podia vê-la dos pés è cabeça. A roupa que vestia não era dela, nunca lhe tinha visto aquilo. Um conjunto de saia e casaco preto, que rematava nas bordas da saia e do casaco, bem como nas mangas, com uma listinha branca da largura de um dedo, ao estilo "chanel". Fiquei a pensar o que queria aquilo dizer, mas logo a minha intuição falou mais alto e se fez luz. Aquilo queria dizer que ela tinha iniciado o seu processo de luz, o equivalente à porção do branco que mostrava o fato. Era, portanto uma coisa ainda muito ténue, mas já dera início o que era bom sinal. Fiz-lhe mais uma pergunta pessoal ao que ela respondeu, já de costas para mim e saiu, esfumando-se pela rede de protecção da janela, até que se extinguiu completamente, após ter passado para o lado de fora.

 

Fiquei parada, com a sensação de que tinha estado a falar sozinha. Não foi uma coisa muito agradável mas também não foi intolerável. Gostava de a ter visto numa outra perspectiva, num estado de luz mais avançado, mas foi assim.

 

Fui para a cozinha e contei à minha tia o sucedido. Ela olhou para mim, por uns instantes fixou-me nos olhos e com uma certa indignação inquiriu porque é que ela não tinha aparecido para ela? Quanto a isso eu não sabia responder, mas percebi que ela achava que tinha a preferência, talvez por ser a filha, o que não me incomodava.

 

Eu já tinha tido outras experiências a este nível, mas muito bonitas, que mais adiante descreverei. Esta foi um pouco insípida, não teve o brilho nem a beleza indescritível das outras, não deixando, contudo, de ser algo especial, porque são dois mundos que se misturam. O mundo extra sensorial não tem limites. Manifesta-se das mais diversas formas. É preciso dizer que nunca procurei nada disto, pelo que tudo acontece da forma mais natural possível.

 

Há pessoas que se intitulam "médiuns" e dizem que incorporam... isso é possível, eu sei, mas o que não entendo é que essas coisas, esses pontos de encontro, por assim dizer, tenham hora marcada e mais, sejam pagos. Se se tem essa faculdade, deixá-la estar. Ela se manifestará se necessário for e fluirá com a naturalidade possível. Toda a estranheza a este respeito deve simplesmente ser posta de parte. A sensibilidade e o correcto discernimento farão o seu trabalho e encarregar-se-ão de ir ao encontro da luz.