terça-feira, 12 de junho de 2012

A carta do médico - 36


A Joana veio ter comigo e começou a falar da amiga, de quem gostava muito. O filho sofria de epilepsia e tinha crises com frequência, nuns períodos mais do que noutros. A amiga sofria por causa do filho, como aconteceria com qualquer mãe e ela sofria por causa da amiga. O garoto tinha feito uns exames recentes e aguardava-se o resultado, que seria anunciado pelo médico, numa próxima consulta e resultante de dados laboratoriais. 

A Joana levou a semana toda a falar-me do mesmo assunto. Vivia o drama da amiga como se fosse dela. Quando percebi isso, pensei que talvez pudesse ajudá-las de alguma maneira. E faltavam ainda alguns dias para terem o resultado dos exames médicos. A epilepsia estava controlada. O problema é que podiam surgir outras coisas que alterassem o quadro clínico. 

Nesse dia fui para casa a pensar no assunto e à noite, antes de dormir, concentrei-me. Mal fechei os olhos comecei a visualizar a figura do médico por detrás da secretária, de bata branca e de pé. Com os óculos na ponta do nariz ele segurou o envelope que abriu com um objecto metálico cortante e com os dedos tirou de lá a carta que desdobrou. Aqui, a minha mente parou. Eu não sabia o que lá estava escrito. Mas logo de seguida, o médico pousou a carta sobre a secretária e olhando para a Cidaliza, a mãe do garoto, com um ar bem tranquilo e também sem surpresa, disse: "para além do que já se sabe, não há mais novidade nenhuma". E com esta resposta, finalizei a minha visualização. 

No outro dia quando nos encontrámos, perguntei-lhe quando era a consulta. Ela disse que era dali a dois dias e que a amiga estava cada vez mais ansiosa. Então, disse-lhe que, se quisesse ajudá-la, podia dizer-lhe que estava tudo bem. Ela não entendeu e disse-me que não estava tudo bem. Aliás, não estava nada bem. O garoto podia começar a ter crises novamente e não se sabia o que mais teria.  

Insisti com ela e disse-lhe que tinha entendido tudo e percebia o que se estava a passar, por isso mesmo, queria dizer-lhe que podia tranquilizar a amiga, dizendo-lhe que não estivesse tão preocupada, que não precisava. E repeti-lhe o que o médico havia dito na minha visualização. Mas ela parecia que não ouvia sequer o que lhe estava a dizer. 

Uns dias depois encontrámo-nos, começamos a falar disto e daquilo, mas ela já não falava do assunto. Então, perguntei-lhe se já havia notícias do filho da Cidaliza. Com uma enorme desenvoltura e como se nunca tivesse ouvido aquilo antes, respondeu que ela estava muito aliviada, porque o médico tinha dito que "para além do que já se sabia, não havia novidade nenhuma"(!)... 

 

A visualização através da concentração é uma coisa que toda a gente deveria exercitar e perceber o que é. É claro que para isso é preciso uma abstracção total do "ego". Mas não é nada de tão transcendente. O passado, o presente e o futuro são um só. Nesse encontro, encontramos a resposta.

 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

A Sara - 35


A Sara era minha colega, minha amiga e minha vizinha. Por isso, quase todos os dias, no regresso a casa, ao fim do dia de trabalho, apanhava boleia comigo e enquanto eu conduzia, vínhamos conversando. 

Um dia, disse-me que estava muito nervosa por conta de um exame escolar que estava muito próximo. Ia enfrentar um júri composto por várias pessoas e sentia-se muito insegura. Perguntei-lhe se sabia a matéria e ela respondeu que sim, mas tinha medo de ficar bloqueada e ser traída pela memória. 

Percebi no seu rosto a inquietação, o nervosismo, o mal estar que a estava a impedir de se descontrair e confiar em si mesma. A Sara era muito jovem, casada e com um filho ainda pequeno e ainda tinha que conciliar o trabalho com o estudo. Não era fácil. Pensei que, de alguma maneira, tinha de a ajudar. 

Ela tinha um conjunto de duas peças, casaco e calção em linho branco, que tinha ganho de uma colega como presente de aniversário.  A Sara era muito bonita, mas esse conjunto ficava-lhe especialmente bem. O casaco tinha um bolsinho na parte superior, onde ela colocava um lencinho ora preto, ora vermelho. Ambos lhe ficavam muito bem, mas dando-lhe uma aura diferente. 

Pode não parecer, mas muito pouca gente sabe que a roupa que se veste tem muita influência na nossa "performance" e vice-versa. Por isso, perguntei-lhe o que ela vestiria para a ocasião. Eu tinha em mente o dito conjunto, com o lenço vermelho e ela respondeu precisamente que estava a pensar nesse conjunto, mas com o lenço preto, que achava mais formal. Disse-lhe que levasse o conjunto, sim, mas com o lenço vermelho e expliquei-lhe a história da aura que ela, embora insegura e nervosa, desvalorizou. 

À noite, quando me deitei, pensei nela, abstraindo-me de tudo o resto. Eu queria mesmo ajudá-la. Comecei a entrar no seu universo interior e percebi que ela não levaria o lenço que lhe indiquei, mas sim o preto. Vi-a perante o júri, tentando o seu melhor, mas as coisas não estavam a correr como desejado. Algo sombrio continuava a perturbá-la e a traí-la: o medo que ela temia. Pensei que a situação tinha que ser revertida. E no quadro que eu via, mentalmente, mudei o lenço para o vermelho.  

Parece ridículo acreditar nisso, mas o mundo holístico é de uma capacidade criativa infinita. E a projecção desse efeito, dessa coisa aparentemente tão insignificante, alterou completamente a situação. 

Comecei a visualizar a sua aura através da força do pequeno lenço vermelho que lá não estava, mas que a minha mente fazia com que se sobrepusesse. Trabalhava apenas na expansão dessa aura mentalizada para o efeito e como por magia, a Sara aguentava-se, a insegurança começava a desaparecer, as ideias ficavam mais claras, as suas respostas mais precisas e a confiança voltava. À sua volta havia agora um ambiente de perfeito equilíbrio, que atraiu a simpatia dos que a interrogavam e em vez de a dificultarem, facilitavam-lhe a tarefa, sendo menos exigentes nas perguntas que lhe faziam. 

O dia do exame chegou. A Sara foi ao exame e mais tarde veio ter comigo. Sentia-se calma e aliviada. Tinha passado. Perguntei-lhe como tinha corrido. Respondeu que no início estava muito perturbada e nervosa. Que até lhe parecia que não tinham simpatizado com ela. Que as respostas não lhe estavam a sair, mas que, de repente, as coisas mudaram e à medida que o tempo foi passando a situação melhorando consideravelmente, a ponto de se esquecer que estava num exame(?!). 

Perguntei-lhe, afinal, qual o lenço que tinha escolhido. Respondeu, o preto, conforme já tinha dito. 

Enfim, estava tudo sob controle e eu tinha feito a minha parte. Mas isso eu não lhe disse.  

Às vezes, é mais fácil as pessoas acreditarem em "bruxas" e "feiticeiros" do que acreditarem na sua própria sintonia com o mundo, de acordo com as necessidades do momento.