Todas
as noites na hora de me deitar para dormir, sinto um fardo pesado em cima de
mim, que não tem que ver propriamente com o dia ter sido bom ou mau, mas por
todo o tempo que durou e por tudo o que passou por ele. Talvez pela intensidade
com que vivo todos os momentos, que é como se um dia fosse muito mais do que as
quinze horas habituais da minha jornada diária.
E enquanto
estou a tirar a roupa para me deitar, tenho a sensação de que com ela algo mais
se está a ir de vez. De repente, passa o filme pela minha memória, um filme
rápido, mas onde está tudo pormenorizado e gravado, sem a mais pequena
possibilidade de alteração. Penso sempre que já passou e que foi mais um, e
cada um que passa é mais um que já não volta. Não há retrocesso para isso.
Quando
finalmente deito a cabeça na almofada, passa na minha cabeça mais uma página do
livro da minha vida, para dar lugar a outra, a seguinte - porque também não é
possível saltar -, que vem em branco, pelo menos na minha consciência, para ser
preenchida no dia que se segue, desde o abrir dos olhos até novamente os fechar
para voltar a adormecer. E essas páginas têm uma carga enorme, porque são as
páginas dos nossos registos akáshicos, devidamente elaboradas e trabalhadas
pelo cosmos, onde apenas lhes damos a nossa vida, o que não é pouco.
Entre
essas duas páginas, a que passou e a que vem a seguir, escolho sempre a que vem
em branco. Porque é a que representa o futuro e porque é aquela que ainda não
tem peso, sendo por isso, a mais leve, a que me ajuda a ir ao encontro do
sonho. Porque é a que vai abrir o meu próximo dia, o dia seguinte, aquele em
que as portas se podem sempre abrir para uma nova paisagem ou um novo cenário,
uma boa decisão ou uma boa escolha. Um caminho diferente, mais construtivo,
mais edificante e em que sempre nos podemos tornar melhores, maiores e assumir
novas oportunidades, que nunca deveriam ser desaproveitadas.
E com
esses pensamentos começo a aliviar a minha carga do dia que passou. É como se a
minha pele, aquela pele, estivesse a sair para dar lugar a uma nova. Começo a
soltar-me, a desprender-me do já passado, para poder dar lugar ao que vem, ao
que se segue, porque a vida é, ou deveria ser, sempre para a frente e nunca
para trás.
A
nossa vinda a este mundo é exatamente uma enorme oportunidade da mudança para
melhor e nunca para pior. Infelizmente, a verdade é que alguns de nós fazem o
percurso inverso, o que é lastimável. Mas também, se o fazem, é porque é
necessário. Contudo, dependendo do nosso ajuste espiritual, podemos sempre dar
o salto quântico, tomar consciência e alterar esse padrão. E então, já terá
valido muito a pena.
Mas a
hora de adormecer é sempre uma hora de introversão. Uns fazem orações, preces,
outros simplesmente interiorizam, fazendo um exame de consciência,
projetando-se nos acontecimentos que passaram… enfim. Eu prefiro, sem dúvida,
deixar ir o que foi e focar-me no que está por vir, no que vai ser ou não, sem
tentar adivinhar, para não correr o risco de errar, mas desejar que o amanhã me
traga seja o que for, diferente, único, o que tiver que ser, para o qual, nesse
preciso momento, me comprometo comigo mesma a enfrentar da melhor maneira
possível, com a bênção e a ajuda do universo, que tudo e todos rege.
E um
dia, na hora de me deitar, no meio destes pensamentos, lembrei-me que tinha
tido um acontecimento um pouco estranho. Estava sentada no sofá, durante a
tarde, a fazer qualquer coisa que não me lembro o que era e ao mesmo tempo com
a televisão ligada. De repente, senti algo que vinha do meu lado esquerdo, do
fundo da sala, para onde o meu olhar foi imediatamente atraído. Senti então a presença
de uma energia, mas uma energia que eu não conseguia identificar. Até pensei
que era impressão minha. Mas não, não era. Ali havia alguma coisa. Uma energia
envolta num vulto escuro e completamente esfumada. Contudo, ainda que sem
identificação, eu conseguia perceber que se tratava de uma energia masculina. Porém,
não conseguia reconhecer, nem perceber o que queria e o que estava ali a fazer.
Prossegui
com os meus afazeres, mergulhada nos pensamentos em que estava. E naquele dia
quando me deitei, logo me veio à ideia aquele acontecimento inusitado, porque
eu não via ligação daquilo com nada da minha vida. A coisa parecia que não
encaixava. Foi o que mais uma vez pensei, mas ao mesmo tempo, não descartando a
hipótese de haver algo de mais concreto por de trás daquilo. Nada feito, porque
continuava sem resposta. E adormeci, esquecendo de vez aquele incidente.
No
outro dia ao acordar, já não me lembrava daquele assunto e na verdade o dia foi
decorrendo normalmente, sem pensar naquilo, até que ao final da tarde, uma
colega e amiga da universidade sénior me telefonou, como muitas vezes o faz, falando
de projetos e de decisões a tomar sobre a universidade. Estivemos cerca de uma
hora a trocar informação e já no final do telefonema, surgiu uma novidade sobre
uma outra colega, que veio esclarecer tudo. Essa outra colega era a Fátima.
A
Fátima foi alguém com quem, desde o início, tive uma ligação muito forte e
muito boa. Desde o primeiro dia percebi que sentimos uma pela outra uma
verdadeira simpatia. E logo no primeiro convívio que tivemos, o almoço de
natal, ela fez questão de me apresentar ao marido, como uma amiga muito
especial, o que muito me lisonjeou. O marido levantou-se e cumprimentou-me com um
simpático aperto de mão e um sorriso que lhe era muito peculiar, mas que eu só
com a continuação o perceberia. E aquele casal eram umas pessoas com quem
sempre mantive um excelente e especial relacionamento, pelo carinho que sempre
me dispensavam.
A
Fátima frequentava as aulas, já o marido era só sócio, mas acompanhava a mulher
em todos os eventos, por isso era conhecido de todos. E sempre que ela estava
sozinha eu fazia questão de perguntar por ele, que para a idade que tinha,
estava muito bem conservado, o que não é muito comum nos homens que, em geral,
envelhecem mais cedo que as mulheres. E eu falava muito com os dois. Dava-lhes
sempre uma especial atenção, porque eles mereciam e faziam por isso, sendo
também especialmente carinhosos comigo. E quem não gosta disso?
Um
dia a Fátima adoeceu. Foi diagnosticada com cancro na mama. Todos gostávamos
muito dela, até hoje, pelo que todos lastimámos o acontecido. Tanto assim, que
nas minhas aulas de Meditação lhe dedicámos um tempo, canalizando e enviando
energia positiva com todo o nosso amor. Nesse dia tivemos notícias ótimas.
Tinha sido operada e a cirurgia tinha corrido muito bem.
A
Fátima continuou com o seu processo de recuperação e sempre a evoluir de modo
muito positivo, para grande satisfação de todos à sua volta que muito a
estimam, por ela ser a pessoa especial que é, de facto.
Sempre
que nos encontrávamos eles eram uns queridos. E o marido, apesar de discreto e
sem muita intimidade comigo, sempre me falou muito bem, dando para perceber que
não era indiferente, pelo menos comigo, pela maneira como falava e até do que
falava.
Lembro-me
de um dia, em que a Fátima e eu estávamos em conversa, porque ela é uma pessoa
com quem é possível desenvolver um assunto. Sabe do que fala, é sensata, tem
uma opinião formada e um pensamento claro. Não é dramática, pelo contrário, é
uma pessoa muito positiva e com experiência da vida. E quando acabámos o que
estávamos a falar, mais uma vez lhe perguntei pelo Agostinho, que já não o via
há algum tempo e estava com saudades de o ver. A Fátima sorrindo, agradeceu o
cuidado e em resposta afirmou que o marido também gostava muito de mim e tinha
um grande carinho pela minha pessoa.
Achei
surpreendente, mas nem por um instante duvidei do que ela acabava de dizer,
porque isso não faz o género dela. Definitivamente, não é pessoa para estar a
ser agradável só para agradar aos outros. Nem havia porque fazê-lo, mas esse
não é o seu género.
Voltando
atrás, estava eu no final de conversa, ao telefone com a minha outra colega,
quando de repente ela se lembrou de me dar uma notícia desagradável. Sabes quem
morreu, dizia ela. Não faço ideia, respondi. O marido da Fátima. O marido da
Fátima(?!)…
Sim,
continuava ela, foi ontem, às não sei quantas horas (já não me lembro). Fui
completamente surpreendida com tal notícia, pois não estava nada à espera e
acho que ninguém estava, mas foi aí que de repente voltei algumas horas atrás
no tempo e imediatamente me lembrei da visita que tinha tido no dia anterior
durante a tarde, quando surgiu uma entidade que não reconheci.
Ao
pensar nele, senti exatamente a mesma sensação, ou seja, a mesma energia, que
não identifiquei na altura porque, apesar de tudo, nós não tínhamos intimidade
nem convivência suficiente para que eu o pudesse ter reconhecido. E, se algumas
pessoas fazem a sua passagem de uma forma, outras fazem de outra, dependendo
única e exclusivamente de si mesmos. Tem que ver com o seu estado evolutivo ou
vibracional. Não quero dizer que ele não fosse uma pessoa espiritualmente
evoluída, não é nada disso. Mas, digamos que, para haver uma identificação, as
portas têm que estar abertas de ambos os lados e provavelmente não era esse o
caso. Além disso, o facto de ele ser uma pessoa muito discreta, só isso, já
pode justificar não se ter deixado identificar por mim.
Não
deixou de ser relevante, porque a presença da sua energia tal qual ela se
apresentava, era a prova do que ela um dia me tinha dito: que o marido gostava
muito de mim. E estes acontecimentos são sempre dignos de registo, porque eles
revelam o mundo para além da matéria e confirmam a sua poderosa existência. Ele
veio anunciar a sua partida para uma outra esfera, a sua partida definitiva para
outra dimensão, querendo ser ele mesmo a dar-me conhecimento disso. E ele sabia
que eu era recetiva, embora não o tivesse reconhecido. Talvez se me tivesse
debruçado um pouco mais sobre o assunto e tivesse levado mais a sério, talvez o
tivesse reconhecido. Mas eu nem sabia que ele estava doente, por isso mesmo
estava longe de imaginar tal coisa.
Independentemente
disso, agradeço sempre esse especial encontro de almas, que mesmo em planos
diferentes se conseguem comunicar, o que considero uma coisa extraordinária e
que nem por isso deixa de ser um encontro.