Ponta Negra, Brasil,
Janeiro de 2001, Meditação guiada (I).
Olhos suavemente fechados,
Inajá e eu sentadas lado a lado com um pequeno intervalo para que as auras não interfiram
uma na outra e Irene começa descrevendo no espaço imagens de tanta beleza que
não esquecerei jamais.
A concentração é grande.
Presa por um fio de respiração à vida real, a única coisa que me interessa a
partir deste momento, é a voz de Irene que fez a minha mente viajar no seu
pensamento com a velocidade da luz.
Irene manda inspirar e
expirar três vezes, devagar, para afastar as tensões e as preocupações,
liberando a mente e preparando-a para a meditação. Esse momento é para mim de
grande expectativa e tem um encanto todo especial, como o de uma criança numa noite
de Natal, cheia de mistério. Tudo depende da concentração da mente, do que ela
é capaz de nos proporcionar e da capacidade de aderirmos ou não à viagem
astral, onde a criatividade do espírito é soberana.
Inspirando e expirando, vamos
ficando cada vez mais leves, deixando o nosso eu mais superficial de fora e
mergulhando no eu mais profundo, que passa pelo subconsciente até atingir o
inconsciente. Agora entramos num estado de transe e a minha comunhão com Irene
é perfeita.
Primeiro, a luz verde que vem
da terra, entrando pelos pés, percorrendo todo o corpo até atingir a cabeça,
mais precisamente o chacra da coroa. Depois, a luz dourada que vem fazer o
percurso contrário, vinda do céu, entra pelo chacra da coroa, sai pelos pés e
entra na terra. Ambas se misturam no nosso corpo. É a energia reicky a fluir
dentro de nós. De seguida, uma luz branca que vem do alto, entrando pelo chacra
da coroa, percorre todos os chacras através do tronco, saindo pelo “sacro”, o
primeiro chacra, limpando todo o nosso ser, indo para a terra mãe, a fim de ser
purificada. Novamente uma luz dourada lá do alto, que se dirige ao prana, o
terceiro chacra, começando a circular à minha volta, em ondas de mar e terra, formando
um círculo cada vez maior. Eu sou o centro e as ondas continuam alargando-se
por toda a terra, mais e mais, até atingirem o limite do horizonte. Já não é
possível alargar mais o círculo. A energia preencheu completamente todo o globo
terrestre atingindo a linha do horizonte e já não tem por onde crescer, porém,
continua rodopiando à minha volta, alternando o verde com a terra. Aguardo
directrizes de Irene, porque não sei para onde expandir toda a energia que
transborda de mim. Parece que vou sair do planeta e projectar-me no espaço. E surge,
algures no espaço, um lugar onde estou realmente, onde me vejo. É como se fosse
um duplicado de mim mesma, porque continuo na terra, mas estou a ver-me num plasma,
instalado no espaço. Nesse instante, Irene intervém, pedindo para tomarmos
consciência do lugar onde estamos.
O chacra da terceira visão abre-se
e o filme surge nesse écran da minha alma. Só eu posso vê-lo. Inajá verá o dela,
sendo, contudo, Irene quem nos fornecerá a chave deste ecran panorâmico,
atingido pela nossa mente, mais precisamente pelo nosso espírito, predisposto
para esta extraordinária sintonia telepática.
Aí estou eu correndo graciosamente,
em “slow motion”, sem idade, não sei onde nem quando, com tanta leveza, por
entre árvores repletas de luz, num lugar fresco e arborizado, sem tocar o chão
coberto de relva, onde passa como “laser”, entre o verde e os meus pés, uma
energia muito definida, muito bonita, muito fina, numa mistura de água e vapor,
absolutamente indescritível. Essa sou eu e quão maravilhosa foi essa
descoberta. Aquela era o meu eu mais verdadeiro, a minha essência mais
profunda. A que existia na terra era outra, disfarçada de tudo o que era
negativo, carregada de preconceitos, completamente distorcida da verdade,
assustada, encerrada em medos sem sentido, enfim… uma sombra nula e escura do
que afinal eu era realmente. Então decidi que voltaria a vestir a minha pele original.
Prometi a mim mesma trabalhar para recuperar a minha essência. Isso valia a pena.
Com a sua voz de comando,
Irene pede-nos para olharmos para trás, o que eu já havia feito, tendo avistado
umas árvores que se deixavam atravessar por raios de sol, tal qual ela acabara
de mencionar e que chegavam até mim trazendo-me uma luz impossível de descrever,
de tão especial, que me deixava no rosto e na alma um sorriso delicioso,
fazendo-me sentir feliz e abençoada, naquele cenário transcendente, sem tempo e
sem lugar.
Irene diz-nos que vamos
chegar a um sítio que tem um lago. De facto, antes mesmo de ela o dizer, eu já
o avistara, por isso paro, até porque ele não me deixa passar. Talvez haja um
caminho em volta, mas algo me diz que é por ali que tenho que seguir, sendo que
o lago constitui uma barreira. Que faço então? Irene pede para pararmos junto
ao lago onde eu já me encontrava. De repente, começo a sentir uma energia do
meu lado direito. Irene pede-nos para olharmos para o nosso lado direito e nos
esforçarmos por ver quem lá está. De facto, eu o reconheci. Era o Dr. X. Lá
estava ele, de óculos e com livros debaixo do braço, com um fato escuro. Era
ele. Não tinha dúvidas. Logo em seguida apercebo-me de uma segunda energia,
muito mais forte, quando Irene nos pede para olharmos para o nosso lado
esquerdo. Fiquei ligeiramente confusa, tive que olhar bem para cima, abrir mais
o chacra e prestar muito mais atenção, porquanto aquela energia era demasiado
portentosa para ser reconhecida imediatamente. Agora, porém, ela já preenchia
todo o meu ser, banhando-me com a sua luz e deixando-me ver o seu rosto, para
que não restassem dúvidas... era Jesus. Senti-me tão pequena e ao mesmo tempo
tão importante. Como podia Ele estar ali ao pé de mim, sem mais nem menos...
era uma sensação que tinha tanto estranhamento bom como fascínio… e de repente
senti-me protegida. Nada, absolutamente nada de mal me podia acontecer naquele
momento que parecia eterno. A minha alma planava, leve como uma pluma, ao sabor
destes acontecimentos tão deliciosos e inesperados.
O lago continuava lá e fui
arrancada a este delírio pela voz de Irene, que nos chamava a atenção para a
chegada de um anjo, quando eu já tinha sido orientada pela energia de Jesus
para lhe ser entregue. Ele vai ajudar-me a atravessar o lago e a partir desse
momento ele é o meu anjo da guarda. Não sei quem é, mas ele estava lá e
reconhecendo-o ou não, ele tinha chegado até ali para minha guarda, que eu
julgava futura, mas que, na verdade, era muito mais do que isso, sendo o nosso
ponto de encontro no passado, presente e futuro. Todos temos uma protecção
divina que nos acompanha por todo o sempre. Essa protecção aqui é entendida
como um anjo que nos protege desde o nosso nascimento. Todos sabemos mais ou
menos isso, mas tê-lo presente, ainda que noutra dimensão, torna tudo cada vez
mais estranho. Mas, enfim, é realmente outra dimensão. Ao vê-lo e não sabendo
quem ele era, fiquei confusa. Um anjo para mim! Desde o falecimento da minha
mãe, apenas com 32 anos de idade, eu sempre contara com a sua protecção para
mim e mais tarde, muito especialmente, para o meu filho. Eu tinha dez anos
quando ela fez a sua passagem. Nesta cena, com os meus quarenta e nove anos, há
uma relutância quase infantil da minha parte em aceitar o anjo, uma entidade que
não me era familiar e, no entanto, tão próxima de mim, o meu anjo da guarda.
Por outro lado, eu não podia aceitar tal reacção da minha parte. Seria como
negar a minha ligação ao divino. Que fazer? Eis se não quando do meu lado
esquerdo surge, com grande evidência, uma outra energia que logo identifico, não
sem espanto, como sendo a minha mãe, como sempre, um ser de luz, descrevendo
uma meia lua de cima para baixo e elevando a minha mão, sem a tocar, entregando-me
ao anjo. E vai-se toda a minha relutância. Sou entregue ao anjo pela minha
própria mãe. Percebo então que, provavelmente, ela vai deixar aquele estado, o
estado de luz e entrar numa outra dimensão, ou seja, parece chegada a hora de uma
vez mais, reencarnar (?!) … Por isso tem de me deixar à guarda do anjo. É
espantoso o decorrer do tempo noutra dimensão. Não tem nada que ver com o tempo
que nós conhecemos, o tempo de que nos servimos como padrão que nos rege. E
conforme veio, foi, descrevendo uma meia lua no caminho inverso. Dou então um
passo em direcção ao anjo e sou-lhe entregue com alegria, respirando fundo. Sei
agora das razões porque tal aconteceu. Tudo isto aconteceu à margem das
directrizes de Irene, num breve piscar de olhos. Irene prossegue, depois de ter
dito que o anjo ficaria então sempre connosco, por toda a nossa caminhada na
terra, auxiliando-nos em tudo, não nos deixando nunca sós.
E estou do outro lado do
lago.
Está escuro. A princípio não
consigo ver nada. Talvez uma montanha. Maior concentração, maior abertura do
chacra. É uma montanha muito escura. Não consigo ver mais nada. Porquê uma
montanha? Irene pergunta-nos se conseguimos ver o que está na nossa frente.
Respondo para mim própria que na minha frente tenho uma montanha e está tudo
escuro. Irene adianta que devemos encontrar um Templo. Não vejo templo nenhum. Estou
esforçadíssima, numa concentração a cem por cento, mas onde está esse templo?
Ela deve ter observado a minha expressão de perplexidade, porque continuou
insistindo para observarmos bem, que nalgum sítio da montanha avistaríamos um
templo. Afinal sempre havia uma montanha, portanto, eu estava certa. Talvez
isso me tivesse deixado confusa. Então, se havia uma montanha e eu a vi, se ela
diz que há um templo, porque é que eu não o vejo?! Gera-se a impaciência. Será
que vou ficar por aqui? Será que terminha aqui a minha caminhada? Será que as
minhas capacidades não me permitem ir mais longe? Fico muito impaciente. Tempo
demais no escuro. Nada acontece. Eu não o vejo e Irene não fala, provavelmente
dando-nos tempo. Onde será que anda a Inajá? Provavalmente já o avistou. Dentro
de mim há um sentimento de desânimo, mas volto a concentrar-me tentando reunir
uma maior concentração e faço um esforço grande, grande mesmo, como se
estivesse a parir um filho mentalmente, provocando uma ainda maior abertura do
chacra. A montanha está lá. O templo não. Fico à espera dos efeitos da abertura
do chacra. Ouço um barulho estrondoso que parece um enorme terramoto. Simultaneamente,
o chacra funciona como um “zoom” e a montanha vai-se aproximando de mim e vai
chegando perto, mais perto, sacudindo-se toda de cima a baixo e de todos os
lados e eis que se abrem dois gigantes portões de madeira, com ferrolhos fortes
em ferro, assombrosamente grandes, saindo de dentro da montanha, abrindo-se de
par em par. O templo está soterrado, completamente coberto pela montanha. Como
é grande! As portas abrem-se sacudindo terra e pó por todos os lados e eu ali,
de frente para aquela coisa tamanha, pasma, enfeitiçada, sem saber o que fazer.
De repente, aquela escuridão no interior do templo começa a tomar forma de
gente e não é pouca. Irene diz para olharmos para o seu interior. É o que já
estou fazendo. Irene pede para vermos se encontramos lá alguém conhecido.
Continua uma escuridão de arrepiar, mas cheia de gente que nunca mais acaba.
Pergunto-me, o que faz toda aquela gente ali. Olho atentamente para aquela
amálgama de gente sufocante, é uma verdadeira massa, não sei se gritam, não
entendo o que querem, parece que apelam não sei a quê, parece que imploram e de
repente alguém se eleva, deixando-se reconhecer. Surpresa das surpresas, não
estou enganada, é Seu António, pai da Inajá, ali na minha frente. É ele, que parece
levitar para que eu o veja. Será que ela também o vê? Porque será que ele me
aparece? Muito curioso, muito estranho, mas é ele, não tenho dúvidas. Irene diz
para tentarmos comunicar, caso encontremos alguém conhecido. Espero na
retaguarda, imóvel, que ele me contacte, mas ele não o faz. Apenas se
apresenta. Tem um ar meio apático, meio desiludido e uma expressão séria, que
me constrange. Faz-me sentir culpada, mas não sei de quê. Porque não reage?
Tenho a certeza de que quer ver a filha. Porque apareceu para mim? Sinto-me
como peixe fora de água. Que situação embaraçosa e delicada!?
E conforme veio, foi,
engolido pela multidão e pela escuridão, também. Então, Irene, pede-nos para
entrarmos no templo. E da escuridão faz-se luz. Todo aquele cenário lúgubre e
deprimente desapareceu, dando lugar a um estadium muito mais agradável e
compensatório. Quanta luz! Um clarão branco invadindo o átrio do templo é um
convite para entrar. Eu estava ansiosa por saber o rumo de Inajá. Quem dera que
ela andasse por um caminho bonito como o meu! Mas só no fim poderíamos saber.
Era preciso esperar. Por outro lado, tudo aquilo era tão fascinante que não me
apetecia que tivesse fim. Mas a nossa dimensão é a dimensão dos limites, das
fronteiras e bermas e de tudo o que começa e termina, portanto, a única coisa
que me interessava era insistir na concentração a qualquer custo, para não me dispersar.
Luz, muita luz e eu já estou no
seu interior. À medida que vou entrando no templo, vai-se abrindo o caminho
numa amplitude cada vez maior. São alas e alas. Já não me lembro muito bem, mas
naquela altura, sei que era tudo muito nítido: o chão, as paredes, o fundo, o tecto.
Mas já não me lembro exactamente dos deliciosos pormenores por que passei na
altura. Lembro-me de que havia uns pilares cilíndricos, colunas que sustentavam
a arquitectura fabulosa dos tectos trabalhados em forma de abóbada. Era tudo
inundado por uma imensa luz muito clara que, conforme eu ía passando me seguia,
focando-me sempre, iluminando-me ainda mais, assim como tudo à minha volta. E
enquanto vou penetrando por aquela imensidão, vejo que há uma passadeira
vermelha estendida pelo chão, por onde eu passo e como se isso não bastasse, de
cada lado há uma fileira de anjos suspensos no ar, corpos de luz, tocando
pequenas harpas, cítaras, violinos e entoando cânticos belíssimos que me
tocaram na alma e me encheram de tanta felicidade e tanta paz. Alados e em
fileira, vão-me conduzindo para a parede central do fundo, onde avisto um buda
que se vai ampliando à medida que me vou aproximando. Um buda de verdade,
sentado em posição de lótus. E Irene? Já quase me esquecera que fora a voz dela
a responsável por eu estar naquele lugar. E recomeça, dizendo-nos precisamente
que lá dentro está um buda à nossa espera, o que quer dizer que eu continuo no
caminho certo. Olho melhor o buda que, por sua vez, segura um embrulho muito
bonito e atraente. Irene convida-nos a aproximarmo-nos dele e vermos o que tem
para nos dar. Olho novamente para o embrulho nas suas mãos e apercebo-me de que
aquilo, o que quer que seja, é para mim. Irene diz-nos que o buda tem um
presente para nos dar. É isso mesmo, ele tem realmente uma oferta para mim.
Estupefacta, sem fazer a menor ideia do que possa conter aquela caixa
espectacular, cujo aspecto em si já é um presente, não faço a menor ideia do
que possa conter. Uma caixa quadrangular, com cerca de 20 cm de lado, em papel vermelho
acetinado e com um fiozinho dourado passado em toda a volta, que termina com um
pequeno laço de pontas caídas na parte superior; vermelho e dourado era o que
eu via nas mãos do buda que as estendia para me fazer entender que era meu. Que
estaria lá dentro? Irene incita-nos a abrir o presente. Enquanto eu faço um
gesto de receber, esticando os braços ao seu encontro, ele faz o gesto de dar,
estendendo os braços e mostrando a dádiva nas suas mãos. Sem nos tocarmos, eis
que o fio dourado insinua desatar-se sozinho e sem que o papel de embrulho
fosse retirado, num acto mágico, que fez o meu delírio completo, começou a
saltar de todos os lados do embrulho um pó dourado em estrelinhas, brilhando e
rebrilhando, era uma coisa verdadeiramente mágica, magnífica, uma coisa
inexplicável. Parecia ouro que não acabava nunca. Era um espectáculo fabuloso.
Era ouro, confirmava-o a expressão do buda. E era para mim?!... Era ouro puro
que caía continuamente sobre as minhas mãos e se espalhava pelo chão à minha
volta. Ouro, o metal mais precioso do planeta. Jamais me ocorreu receber das
mãos do buda, semelhante oferta. Era simplesmente espectacular!
E com esta visão fabulosa,
revestida de tão grande riqueza espiritual, Irene chama-nos a atenção que é
terminada a nossa meditação, trazendo-nos para a realidade da nossa dimensão,
ao nosso tão conhecido mundo tridimensional. Abrimos os olhos ao chamado de
Irene e respiramos fundo. Estamos novamente de volta à casa materna: a terra
mãe. Abro os olhos, respiro com tranquilidade. Onde foi que eu estive, que foi
que me aconteceu? Estou em estado de graça, isso sim, feliz e leve como uma
pluma.
Quando nos interrogámos em
conjunto sobre o acontecido e comentando entre nós, descobri que o pai de
Inajá, que tinha feito a sua passagem há um tempo atrás numa cama de hospital,
tinha sido conduzido por um budista que estava presente, depois de ter obtido a
concordância da família para aquela cerimónia, uma vez que eram católicos. Eu,
porém, desconhecia tal facto. Mas foi por essa razão que ele me apareceu no
templo, o que eu tanto estranhei. A Inajá não viajou. O chacra da terceira
visão não funcionou com ela. E foi também por isso que ele me apareceu, porque
não conseguiu ser visível à filha, pretendendo que eu lhe passasse esta informação.