Pouco depois das minhas férias na Grécia o
Riaz decidiu regressar a Portugal, o que não era fácil, uma vez que não tinha
visto de saída. Portanto, tinha que viajar clandestino e estas viagens
clandestinas são extremamente caras, além de que envolvem inúmeros riscos. Ele
sairia de barco, num camião tire. Quando? Ninguém podia responder a isso. Ia
telefonando e sempre que telefonava eu tinha a esperança de que já estivesse em
viagem, mas continuava na Grécia. Eu estava em convalescença de uma cirurgia um
tanto delicada, de modo que a vinda dele era muito bom. Ele cuidaria de mim e o
Henrique poderia regressar a casa.
Uma noite tive um sonho e no meu sonho
estava a dormir quando fui acordada pelo telemóvel que tocava, apesar de estar
desligado. É que, de facto, desligava-o sempre na hora de dormir, para garantir
um sono mais tranquilo, a bem da minha recuperação física. Ao toque do
telemóvel acordei, sentando-me na cama, completamente atordoada e estupefacta
pelo facto do telemóvel estar a tocar, ainda que desligado. No meu sonho,
pensava que aquilo não era possível, mas ele tocava. Olhei para o relógio e vi
que eram quatro horas da manhã. Só podia ser o Riaz, provavelmente avisando da
sua partida. Ele mesmo. E o sonho acabava ali, seguido do meu acordar.
Ao acordar, atordoada porque ainda era noite, a minha primeira atenção foi para
o telemóvel e conscientemente, certifiquei-me de que estava realmente
desligado, tal qual o sonho. E de facto estava. Como o telemóvel estava junto
ao relógio, mesmo sem intenção, vi as horas e logo aí me apercebi da
"coincidência" de serem quatro horas da manhã. O sono era muito, pelo
que voltei a adormecer.
De manhã quando despertei, imediatamente
me lembrei do sonho e mais uma vez olhei para o telemóvel que, evidentemente,
estava desligado. Liguei-o e percebi o que o sonho me dizia. Durante todo o dia
fiquei de sobreaviso, olhando para o telemóvel e estranhando a ausência de
notícias, porque eu tinha a certeza de que ele iniciara a viagem. O facto de
não ter dito nada poderia significar que talvez me quisesse fazer uma
surpresa!?
Finalmente, a meio da tarde, o telemóvel
tocou. Atendi, mas não era a voz dele. Contudo, pela pronúncia e tom de voz,
percebi que era relacionado com ele. Um indivíduo que disse ser seu amigo e a
quem ele pediu para me avisar da sua partida, porque saíra às quatro da manhã e
não lhe tinha sido possível contactar-me. Entendi e agradeci. O meu sonho
estava certíssimo. Claro que isto foi muito mais do que um sonho. Como já
referi antes, a minha empatia com ele era fortíssima. Havia uma corrente
invisível que nos unia de uma maneira extraordinária.
Entretanto, havia já dois dias que eu não
tinha notícias do Riaz e não podia fazer nada a não ser esperar. Mas era uma
grande inquietação. Podia acontecer tanta coisa...
Ao terceiro dia finalmente deu notícias,
ligando de uma cabine pública. Estava em Itália. Rapidamente, contou-me que
tinha vindo por mar, dentro de um camião tire, durante dois dias e duas noites,
um tempo interminável, em que não tinha nada para comer nem beber, nem como
fazer as necessidades fisiológicas, pois não podia sair dali para não ser
apanhado. Apenas o cigarro o mantinha vivo e mesmo isso, tinha que ser muito
discretamente, com todo o cuidado. Fiquei horrorizada, mas agora que estava
fora do camião, já se sentia aliviado e pronto para continuar a jornada.
Estava exausto, mas muito animado, como era seu costume. Passei para ele toda a
minha angústia e preocupação, mas ele garantiu que, em menos de vinte e quatro
horas, estaríamos juntos e provavelmente não seria necessário nem oportuno
telefonar mais. No meio daquela emoção toda, eu só pensava que eram apenas mais
umas horas de espera. Mas não foi bem assim. Quando parecia que tudo, enfim,
corria sobre rodas, o inesperado aconteceu. Eu sabia que mil e uma coisas
podiam atrapalhar o sucesso de um "corta-mato" daquela natureza, mas
o que aconteceu, jamais passara pela minha cabeça. Jamais.
Algumas horas depois do telefonema dele, o
telemóvel tocou novamente. Era ele. Fiquei surpresa e ansiosa por saber o que
se passava, onde estava agora, etc. A voz estava muito aflita e embaraçada.
Percebi que havia problema. Quando ele estava em apuros, falava alto e um pouco
apressado, tornando-se difícil entendê-lo, como se já não bastasse o facto de
falarmos três línguas ao mesmo tempo: Português, Inglês e Urdo. Então pedi-lhe
que se acalmasse e falasse mais devagar para o entender.
Ainda estava em Itália. A viagem até
àquela altura tinha sido compartilhada com dois jovens Indianos, rapaz e rapariga,
que viajaram com ele nas mesmas condições. E, apesar do Riaz ser Paquistanês, o
facto é que, as condições em que os três se encontravam, fez com que se
tornassem unidos e de certo modo, amigos. Terão partilhado conversas,
desabafos, enfim, alguma intimidade os teria fatalmente ligado, durante aquele
penoso percurso. Era inevitável. Por outro lado, é sabido que o Paquistão e a
Índia vivem em guerra permanente. Mas, como já disse, numa circunstância
daquelas, esquece-se tudo isso e tornam-se irmãos do infortúnio... ou não!?
Esse é que foi o problema. A história dos
jovens Indianos era que, ao chegarem a Itália, iriam ter com um tio rico, que
lhes daria tudo o que necessitavam. Abrigo, comida e dinheiro suficiente. Mas
para irem ter com esse tio, precisavam de um dinheiro de que não dispunham.
Eles sabiam que o Riaz tinha dinheiro bastante para não ter que passar
necessidades de espécie alguma. Os jovens Indianos aproveitaram-se das
circunstâncias e fizeram a cabeça do Riaz, que se comoveu o bastante, para pôr
nas mãos deles o dinheiro que diziam precisar. Com toda a sua esperteza e
experiência de vida, caiu direitinho na armadilha. O objectivo era encontrarem
o tio e voltarem a encontrar-se. Devolveriam o dinheiro ao Riaz e então o tio,
com os seus conhecimentos, arranjaria uma maneira de pô-lo em Portugal são e
salvo e sem custos, por conta da boa acção que fizera com eles(!?)...
Agora, estava desesperado, sem dinheiro e
sem saber o que fazer. Precisava que eu lhe mandasse dinheiro. Fiquei furiosa,
exasperada e tudo o mais que não tenho como descrever. Era-me difícil acreditar
que ele tinha caído na conversa dos outros mas, conhecendo o Riaz como o
conhecia, também sabia que era possível. Era esperto mas porque, no fundo,
tinha um coração grande, o que naquele momento não facilitava as coisas, às
vezes era ingénuo e descuidado e eu não conseguia aceitar.
Ralhei tanto com ele, tanto, que fiquei cansada, muito cansada e muito doente,
o que não convinha nada. Desliguei-lhe o telefone e ficámos num impasse. Não
queria chatear-me com ele mas o que ele tinha feito era absolutamente
inaceitável. Não me apetecia falar mais com ele e não queria pensar naquilo. A
minha cabeça estava a milhas e sentia-me encurralada. Por um lado, não
conseguia perdoá-lo pela estupidez que tinha feito; por outro lado,
partia-se-me o coração pensar que ele estava num país estrangeiro, sem dinheiro
para nada, apenas com alguns trocados no bolso.
E não parava de pensar, nem conseguia ter
sossego. Era invadida por pensamentos, perguntas sem respostas plausíveis, tudo
numa enorme contradição. Tudo aquilo não ajudava em nada a minha convalescença.
Mas não conseguia chegar a um consenso. Os caminhos dividiam-se. Mais uma vez
ele estava em apuros e a quem é que recorria? A mim. A situação era cada vez
mais catastrófica, inaceitável e intolerante. Voltou a ligar, mesmo depois de
eu o ter deixado a falar sozinho e novamente lhe demonstrei todo o meu
desagrado.
Naquele momento a minha tolerância era zero. Desde que nos conhecemos, o
sentido de responsabilidade dele ia diminuindo e em vez de trabalhar no sentido
de amadurecer, tornava-se cada vez mais desleixado, deixando tudo por minha
conta e risco. Depositava em mim todas as responsabilidades e fazia com que
fosse eu a conduzir tudo e a tomar todas as decisões dele. Achava que eu
educava muito bem o meu filho e queria mandar vir o filho dele para eu o
educar. O Amar tinha dez anos e vivia com a mãe no Paquistão. Eu disse-lhe que
nem pensasse nisso, porque a mãe tinha o direito de ter o filho com ela. Mas
até com a mulher dele as coisas tomaram esse rumo. Quando havia problemas entre
eles, ligava-me à revelia dele e falava de sua justiça. Eu mandava-lhe coisas
de cá, que ele não queria que ela tivesse. Debati-me junto com ela e as irmãs,
quando um dos irmãos resolveu ter uma segunda esposa e fiquei do lado delas,
mulheres. Ela dizia que na família dela os homens já não tinham mais do que uma
mulher na mesma casa e o irmão estava a romper aquilo que já haviam conseguido
banir - a bigamia. Ele dizia que não era problema dele e que não podia mandar
no irmão porque o irmão era mais velho do que ele, sendo que a liderança cabe
ao irmão mais velho e ponto final.
Enfim, aquela família, arrasava-me. Mas
depois, eles eram todos tão educados comigo, tão cheios de
"salamalecos" como diria a minha falecida avó, que eu acabava não
resistindo e sempre embrenhada nos seus problemas.
E mais uma vez estávamos perante uma
situação delicada e difícil, com grandes hipóteses de ser a derradeira. O ponto
final de tudo. Eu não queria ouvi-lo mais, nem vê-lo. Havia de me aguentar
sozinha e ele que fosse à vida dele e fizesse o que entendesse. Que crescesse e
tomasse juízo, que já tinha idade para isso.
Telefonou-me três vezes, num curto espaço
de tempo em que fui drástica e lhe disse que não me telefonasse mais, porque
não queria saber mais dele. No último telefonema disse-lhe, inclusivamente, que
me sentia muito mal, física e emocionalmente e que, se ele continuasse a
telefonar-me e a pressionar-me, não ia aguentar e ia morrer, de tão mal que me
sentia. Ele respondeu que se eu não o ajudasse, sem mim e sem dinheiro, quem ia
morrer era ele. Pior. Não quis ouvir mais nada e desliguei o telefone aos
gritos, dizendo-lhe que não atenderia mais telefonemas. Precisava de me
libertar de toda aquela confusão e não queria mais nada com ele.
E assim ficámos. Mal, um e outro. Pronto,
agora eu tinha a certeza de que ele não voltaria a telefonar, até porque o seu
lado orgulhoso não iria permitir. Estava encerrado mais um capítulo da minha
vida.
Estaria mesmo?...
Apesar da minha decisão eu continuava mal.
Continuava a culpá-lo e achava que merecia assumir as consequências dos seus
actos. Era assim que eu pensava, mas no fundo também me sentia culpada pela
situação que ele agora enfrentava. Que se virasse sozinho, sim, mas não sem que
isso me afectasse, porque me doía e muito.
As horas foram passando, os acontecimentos
ganhando distância, mas as dúvidas persistiam com toda a força, ganhando
terreno e quanto mais eu tentava distanciar-me, mais a minha consciência
trabalhava.
Passou um dia e uma noite. Dormi mal, num
enorme desassossego. Tudo em mim estava desequilibrado e não tinha paz. Que
fazer? Mas agora também não havia nada a fazer. Não tinha como falar com ele,
porque estava sem telemóvel. Só se ele me telefonasse, o que não ia acontecer,
pois eu tinha sido bem clara e ele não o faria, de certeza. Devia estar tão
chateado comigo como eu com ele. Não havia volta a dar ao assunto. E eu cada
vez pior. Até febre tive.
Decidi então falar com a família. Não queria expor-me a um ridículo daqueles,
mas tinha que ser. Era preciso. Primeiro, porque precisava de desabafar;
segundo, porque precisava de ouvir a opinião dos outros. Arriscava-me a ser
crucificada por qualquer das situações, mas precisava desabafar. Toda a gente
na minha família gostava muito dele, por isso ele falava aos amigos e à família
no Paquistão, da família dele na Europa e os amigos tinham uma certa inveja.
Mas, perante esta situação, não fazia ideia nenhuma da reacção da minha
família.
Decidi falar. Reuni conselho de família e
deixei sair tudo o que me ia na alma. E com grande espanto meu, todos ficaram
condoídos pela situação desfavorável do Riaz e todos mostraram o seu desagrado
pela minha acção negligente. Fiquei perplexa. Achei que ia levar bronca, sermão
e missa cantada, enfim, mas as coisas tomaram um rumo muito diferente, talvez
por eu estar como estava. Coitado do rapaz, que pouca sorte, ele não faz mal a
ninguém, é uma boa pessoa, não pode ficar assim. Onde estará agora, que
necessidades estará a passar, é preciso dinheiro(?), mandamos-lhe o que for
preciso, também não é nenhuma fortuna, isso é o menos, o que importa é trazê-lo
são e salvo. Deus!...
Mandar-lhe dinheiro não era problema. Eu
sabia como fazê-lo e também sabia que rapidamente ele o reembolsaria. Quantas
vezes o acompanhei, aquando das remessas que despachava para os quatro cantos
do mundo! E como eu não podia sair de casa, uma das minhas irmãs prontificou-se
a tratar do assunto, segundo as minhas indicações e rapidamente o dinheiro
estava disponível para ele o levantar em Itália, na cidade onde estava.
A minha alma estava leve. O primeiro passo
tinha sido dado. Desabafei, partilhei o meu problema e a minha angústia com a
família - as pessoas certas - e Deus (Alá) estava presente. Por dentro, as
lágrimas lavavam a minha agonia. A tensão começava a baixar. Os caminhos
abriam-se. Com isto, a minha tolerância de zero, carregou baterias e ficou
novamente a cem por cento. A palavra "perdão" soava, soava e como
sabia bem! "Volta, estás perdoado". Volta... mas como?...
Um problema tinha sido ultrapassado, logo
outro se contrapunha. As coisas nunca mais tinham concerto. Tudo não passava
duma fantasia. O que começava em forma de sonho, acabava em pesadelo. Como é
que eu ia agora comunicar com ele? Era impossível! Não tinha como. Ele não me
ia telefonar mais, pois tinha boas razões para isso. Eu mesma lhe tinha dito
que não atenderia mais chamadas e não queria mais nada com ele. Era
possível que ele me voltasse a ligar, sim, mas não naqueles tempos mais
próximos. Se o voltasse a fazer, levaria umas quantas semanas ou meses, com
certeza. Talvez três, seis meses, quem sabe. De repente, nunca mais. Tudo era
possível.
Ah, mas eu precisava! Deus/Alá, tinha que
me ajudar. Não tinha contactos dele. Todos os amigos a quem poderia recorrer
não me serviam para nada nesta altura do campeonato. Ele estava incontactável,
vagueando sabe Deus por onde e não ia dar notícias, pois era certo que estava
muito chateado comigo e tão desiludido que não me ia querer ver mais. Era para
esquecer.
E agora... Fazer o quê? Só um milagre...
mas o impossível tinha que acontecer.
O dia avançava e eu pensava, pensava, sem
sucesso. Dava voltas à minha cabeça para encontrar uma solução. Depois disto
tudo, as coisas não podiam ficar assim. Tinha que haver uma saída. E mais uma
noite o Riaz ia dormir sabia-se lá onde e comer sabia-se lá o quê. Era duro
pensar nisso. Castiguei-o demasiado e agora sofria as consequências.
E ainda havia o Henrique que, por minha causa, estava em casa do pai e muito bem.
Mas eu sabia que era importante ele ir para a minha casa, porque sempre que
tinha que ficar sem mim e fora da sua base, ficava desconfortável e ansioso.
A noite caiu. Estava a aproximar-se a hora
de me deitar. Fui à varanda ver o tempo. Estava uma excelente noite, com uma
temperatura muito agradável. O céu limpo e estrelado. Foi então que me lembrei
da minha arma secreta: a telepatia. Era a única coisa que restava. Não havia
mesmo nada em concreto que pudesse ser feito. E já me tinha sido útil em tantas
situações, já tinha tido tantas provas de que aquilo resultava, como não me
tinha lembrado antes?
E afinal era tão fácil, era só vê-lo
dirigir-se a um telefone público e discar o meu número, apenas e só e isso. E
comecei a enviar essa mensagem em ondas pensamento, visualizando-o a dirigir-se
para uma cabine telefónica, envolto em luz. Pedi às estrelas que levassem a
minha mensagem e ele a aceitasse incondicionalmente, sem se questionar. Que o
fizesse sem motivo, sem razão. Pedi ao universo que nos envolvesse no mesmo
plano divino e através do espaço conduzisse a minha missiva à sua mente ou ao
seu coração. Ele tinha que me telefonar, tinha que vir ao meu encontro. E via-o
dirigir-se ao telefone. Firmei esse pensamento com todas as forças do meu ser,
até não ter mais dúvidas de que o recado seria entregue e segurei essa energia
o quanto me era humanamente possível.
A minha mente ganhou a dimensão do espaço
e a força do tempo. Eu sabia que estava a chegar e a atingir o pensamento dele.
Eu sabia e via. Identificando-me com o universo, fiz da minha energia luz, que
brilhou e ficou poderosa, podendo naquele momento tudo, tudo, porque a minha
alma estava ali por inteiro, na sua totalidade e naquele momento que era
eterno, estava com o infinito e o meu espírito, em plena liberdade, num transe
de delírio absoluto.
Foi lindo. Foi divinamente belo,
transcendente e único.
Agora eu sabia que ele ia telefonar.
Estava tranquila, emocionada e feliz. No outro dia acordei bem e consciente do
que tinha acontecido na noite anterior. Estava a mensagem dada.
Depois da minha higiene diária tomei o
pequeno almoço, como habitualmente e comecei a arrumar o quarto. Por volta das
dez horas da manhã o telemóvel tocou. Nem olhei. Sabia que era ele e corri. Sem
perder tempo, pois talvez fosse a sua última moeda, gritei "Riaz,
escreve". Ele percebeu imediatamente o que aquilo queria dizer e respondeu
"espera". Percebi que estava à procura de papel e algo para anotar.
Voltou ao telefone e disse "fala". Ditei o número do código e disse
"vai rápido". Não era necessário ir rápido, porque agora estava tudo
resolvido. Mas ele entendia.
Agora sim, em algumas horas ele estaria de
volta são e salvo. A serenidade voltava. Outras batalhas surgiriam, mas aquela
estava ganha.
Mais tarde, contou como aquilo tinha
acontecido. Depois da segunda noite dormindo num banco da estação de comboio,
vendo os comboios chegar e partir e as pessoas para lá e para cá e entre um
café e um cigarro que já tinha pedido a alguém, o dia amanheceu e o sol
despontou. Mais um dia em que não sabia o que fazer com a vida. Com a moeda que
tinha no bolso poderia beber um último café. Mas se bebesse o café, não teria
mais cigarros. Não sabendo por qual das coisas se decidir, pois ambas lhe eram
necessárias, dadas as circunstâncias, bem mais do que comida, olhou à sua volta
e prestou atenção num rapaz que caminhava em direcção a um telefone público.
Depois viu-o começar a falar e pelo jeito, devia ser com a mulher ou namorada.
Completamente perdido, levantou-se e sem pensar, dirigiu-se ao outro telefone.
Pegou na moeda que não sabia se seria para café ou cigarros e decidiu metê-la
na ranhura da máquina. Sem convicção de nada, limitou-se a marcar o número para
apenas ouvir uma vez mais e uma última vez, talvez, a minha voz, pois não havia
mais nada para dizer. E de repente, a solução estava na sua última moeda que
lhe rendeu, mais do que o café e os cigarros, refeição e transporte de
regresso.
A vida estava de volta.