sábado, 10 de novembro de 2012

Uma leve brisa - 38


Um monte de gente à minha volta do lado de fora do portão da escola com as crianças prestes a sair. Tudo isto porque era o primeiro dia de aulas com o Henrique no quinto ano. 

Eu tinha passado a manhã toda ali, depois dele ter entrado. Prometera-lhe que ficaria, para o caso de não haver aulas e estaria dentro do carro ou por perto. A mesquita ficava mesmo em frente e eu tinha passado por lá e ficado algum tempo no meu silêncio. 

Era uma mudança grande na vida dele. Escola nova, alteração de regime escolar, enfim, a coisa começava a ser séria. Isso não me preocupava, porque ele era uma criança que sabia levar as coisas a sério. Sabia encarar as responsabilidades com maturidade de mais para a sua idade. Mas estava apreensiva com a distância. Deixá-lo-ia todas as manhãs ao início das aulas, mas à saída não podia levá-lo. Teria que fazer o percurso a pé e sozinho, para ir até casa da ama, onde esperaria pelo fim da tarde, a hora a que eu saía, para então o apanhar e seguirmos os dois para casa, dado que ele ia e vinha sempre comigo. 

A minha cabeça martelava e o meu coração não estava tranquilo. Sabia que ele não era um bebé e daria bem conta de recado. Mas eu continuava preocupada. Era um troço razoável com muito, muito trânsito e no inverno, com o mau tempo, até chegar a casa da ama, estaria exposto ao frio, vento, chuva, coisa a que ele não estava nada habituado. Eu sabia que não seria o primeiro, nem o único a passar por estas coisas, mas nem por isso ficava mais tranquila. Não ia ter sossego e não tinha como resolver o problema. Era assim que as coisas se apresentavam. 

Enfim, infeliz e ansiosa por causa de todos estes pensamentos, invoquei o nome de Deus e pedi aos céus que cuidassem do meu filho querido. Pedi toda a protecção possível, entregando nas mãos do Divino tudo o que tinha de melhor nesta vida, para que nada de mal lhe acontecesse e para que eu pudesse ter sossego. E na expectativa de que o meu pedido seria atendido, sinto alguém chegar perto de mim. Era uma mulher, talvez da minha idade, que eu não conhecia e que me disse com toda a clareza "eu posso levar o Henrique todos os dias, já que os dois estão na mesma turma". 

Olhei de frente para ela que continuou "eu sou a mãe do João". Neste instante os garotos chegaram, um pouco agitados, atropelando-se uns aos outros. A mãe do garoto olhou para o Henrique, falaram-se e de seguida ela disse-lhe "sais com o Joãozinho e eu levo-te todos os dias, está bem?" O Henrique acenou afirmativamente com a cabeça, ao mesmo tempo que se apressava a dizer que o amiguinho era colega da outra escola e morava mesmo ao pé da ama. Meio atónita, agradeci à mãe do garoto o inesperado acolhimento por parte dela. Agradeci-lhe muito e agradeci a Deus tê-la colocado no nosso caminho. Parecia que ela tinha ouvido o meu pensamento. 

Fomos para casa, o Henrique falando, muito bem disposto, coisas da nova escola, da nova vida e eu com o coração leve, leve que nem uma pluma. Tive que parar para ir fazer uma compra e quando voltava de novo para o carro, com ele, aquela cena passou toda de novo pela minha cabeça. Só não compreendia como aquela mulher tinha captado a minha angústia, a minha aflição de mãe e inconscientemente, tinha vindo ao meu encontro, como que um autómato, sem me dirigir palavra nenhuma especial, falando directamente do assunto que tanto me preocupava e as coisas se tinham resolvido como que por milagre. Ela nem sabia se eu queria que o levasse, além de que eu nunca a tinha visto. Como é que ela me conhecia? Tudo aquilo não me saia da cabeça. Era tão estranho! Estranho mas bom demais. O meu pedido tinha sido atendido da melhor maneira possível. Parecia que alguém tinha sussurrado ao ouvido dela e lhe tinha dito "leva o Henrique"... 

Então, já a chegar ao carro, algo se revelou. Eu já estava tranquila e corria em mim um sentimento de paz que me fazia estar muito grata à vida por isso. Mas de repente, senti uma leve brisa morna que se deslocou do meu lado esquerdo, vinda de trás de mim, passou à minha frente e seguiu, desaparecendo no próprio ar.  

O dia estava quente, não corria uma aragem. Mas aquilo também não tinha sido propriamente uma aragem. Era uma deslocação de ar, parecido com o movimento de alguém a correr, porque passou mais rápido do que o meu andamento. E ao passar, interferiu na minha aura, manifestando-se como um raio de luz adicional que iluminou o meu espírito e me fez perceber que o espírito da minha falecida jovem mãe estava presente. Era ela. Era inconfundível.

Aquela leve brisa anunciava-me que ela estivera presente para resolver a minha aflição e mais uma vez ela tinha acorrido para ajudar o neto muito querido. Essa revelação, como de costume, encheu o meu coração de uma alegria a nada igual às alegrias desta vida. Era uma alegria transcendente, que só a alma pode entender e viver. A manifestação daquela leve brisa era o sinal da presença do amor mais puro e incondicional, vindo do outro lado da vida, manifestando-se da forma mais subtil possível, porque ela sabia que eu a reconheceria imediatamente. Era o seu cheiro, o seu perfume, toda a energia da sua identidade única e inconfundível, que só uma filha amada podia reconhecer.
 

E nesse momento senti-me a criatura mais feliz e abençoada deste muito. Em nome de Deus, agradeci-lhe infinitamente.