Há
uns anos atrás, numa determinada altura da minha vida em que me sentia muito
sozinha, comecei a frequentar o centro Hare Krishna em Lisboa, mais
precisamente junto ao Saldanha. Andava à procura de um restaurante onde se
comesse comida indiana e por mero acaso ou não, encontrei aquela referência.
Como
o sítio era bem acessível, decidi ir lá para almoçar e acabei por descobrir um
lugar em plena cidade de Lisboa, diferente de tudo o que eu podia imaginar, com
gente um pouco “estranha”, com rituais interessantes, com toda uma série de
comportamentos e filosofias de vida intrigantes.
Aquilo
era bom para desanuviar o meu fim de semana, já que quase sempre ficava sem o
meu filho que nessa altura saía com o pai. Assim, aos domingos lá ia eu para o
Hare Krishna onde passava a tarde inteira e vinha para casa já de noite, um
pouco antes dele chegar. Além disso, comecei a ir lá almoçar com amigos/amigas
e colegas e toda a gente que levava achava aquilo uma coisa espectacular em
todos os aspectos. Adoravam a comida e adoravam o lugar. Se o tempo estivesse
bom podíamos comer ao ar livre, se preferíssemos comíamos lá dentro.
Com
isto tornei-me assídua e íntima de todo o pessoal interno, os devotos e
iniciados de Krisnha. O cozinheiro era um jovem indiano que cozinhava
maravilhosamente bem. Aquilo era mesmo um manjar dos “deuses”. Absolutamente
delicioso. E as minhas amigas que iam lá comigo só me perguntavam onde é que eu
tinha descoberto aquilo, mesmo ali à mão de semear, no centro da cidade, um lugar
sensacional.
Aos
domingos havia festa, que é mais ou menos o equivalente à missa dos católicos,
mas não tem nada a ver. São uns rituais diferentes. Claro que também tem um
altar todo enfeitado de flores por todo o lado, incenso, panos bonitos cheios
de cor e figuras consideradas da mitologia hindu, a quem os devotos prestam a
sua homenagem através de danças e cânticos e aos quais se vão juntando todos os
que estão a assistir e o grupo vai crescendo, crescendo, aumentando o volume
dos cânticos, acentuando o estado vibratório até ao máximo possível de uma
energia muito contagiante, de muita alegria e felicidade, uma espécie de transe
que acaba por envolver todos os presentes. É interessante, mas eu ficava sempre
de fora, apenas como espectadora, para tentar compreender tudo e todos.
Depois
há o arroz que é atirado e espalhado, como símbolo de fertilidade e muitas
outras coisas que já nem me lembro. Fora disto, os devotos juntavam-se
discutindo sobre coisas existenciais, sobre coisas inerentes aos seus princípios,
lembrando passagens dos Vedas, os livros sagrados do hinduísmo e por aí fora.
Às vezes faziam-se verdadeiros colóquios. Para uns fazia todo o sentido, para
outros nem tanto. E nessas alturas eu estava lá, porque era esse o aspecto que
mais me interessava, tirando as refeições, claro. Ouvir, aprofundar, entrar no
espírito do hinduísmo, porque há coisas que não são de nada nem de ninguém em
especial, ou seja, não são unicamente de uma religião. O princípio em que todas
ou quase todas se baseiam são simplesmente um valor universal e portanto, por
outras palavras, por outras vias, a base de todos os princípios, o início em
que tudo se baseia. Posso dizer com toda a verdade que todos em geral gostavam
de mim, porque eles diziam que quem não era devoto tinha dificuldade em
entender, por mais explicações que lhes dessem, e não entendiam porque não
conheciam nada da doutrina dos Deva, mas segundo eles eu chegava lá, e isso era
intrigante para eles porque sabiam que eu nunca tinha lido os livros sagrados,
nem nunca antes tinha estado ou convivido no ambiente deles. Mas como eles
próprios diziam, não sabiam como, mas eu chegava lá. Tanto assim, que queriam
que eu me tornasse devota de Krisnha, o que para mim estava absolutamente fora
de questão. Religião, para mim, não. Eu tinha a minha própria religião.
Bastava-me a ligação pessoal e intransmissível com o Divino. Era a minha única
religião.
Ananda,
de seu nome Ana, estava sentada numa mesa com outros devotos e conversavam
entre si. Eu estava relativamente perto e não estava a prestar atenção. Mas, a
páginas tantas apercebi-me de que ela estava a falar do seu estado de gravidez
e contava às outras que tinha sonhado com o parto e no sonho, logo após dar à
luz o menino que estava à espera quase no fim do tempo, simplesmente
desencarnava. E isto incomodava-a, falando com uma certa inquietude e tristeza.
Eu não a conhecia especialmente. Todos eles me eram relativamente pouco
familiares, apenas isso. Mas ela era jovem e tinha um ar delicado, doce. Sem
querer ouvi a conversa e fiquei tocada. Qual é a mãe que não fica incomodada
com a hipótese de morrer depois de dar à luz?!
E num
impulso levantei-me e fui até ela. Baixei-me e falei-lhe quase ao ouvido
dizendo-lhe que ficasse calma, tranquila que tudo ia dar certo, pelo que não
havia motivo algum para recear fosse o que fosse.
Ananda
olhou-me nos olhos e sem se fazer esperar, segurou as minhas mãos, e num gesto
carinhoso de profundo agradecimento, com um sorriso delicioso em todo o rosto,
deixando-me verdadeiramente tocada e um pouco espantada, mas que tornou a nossa
relação a partir daí uma coisa realmente muito especial, respondeu: “Krishna
falou por si. Obrigada”.
Ananda
acreditara piamente nas minhas palavras, tinha um ar tranquilo e feliz e nunca
mais me largou. Sempre que me via o seu rosto iluminava-se de forma espantosa e
agarrava-se a mim com todo o carinho.
O
menino nasceu e tudo correu muito bem.
“Hare
Krishna”!...