Oh!... Azar.
Pior do que isso. Que teria acontecido? Como foi que aconteceu?! Onde?... Não
me lembrava de quando teria sido a última vez que estava com os dois. A lua
estava lá. A estrela (o sol), fora-se. E com isso, uma nuvem um pouco pesada e
um pouco escura, abatera-se sobre mim. Não que fosse uma coisa de valor, porque
de valor não tinha nada. Mas eu gostava tanto deles, apenas por serem pequenos,
discretos e pelo que representavam. Uma lua e uma estrela. Eu adorava aquele
conjunto e ainda por cima dava com quase todas as minhas indumentárias. Eram
perfeitos para todos os dias, todas as ocasiões e na fase em que me encontrava,
deprimida e sem ânimo para nada, pelo menos, não tinha que pensar todo o santo
dia nos brincos que iria usar.
Pronto. Agora
não havia nada a fazer. Não adiantava pensar mais naquilo, porque a minha
estrela não ia aparecer… apenas e somente por um grande acaso que, para ser bem
realista, era certo que seria impossível. Mesmo sabendo onde e quando, já assim
seria difícil, quanto mais não tendo a menor ideia. Tanto podia ter ficado
presa numa qualquer peça de roupa, como podia simplesmente ter caído, num toque
de cabelo, num cumprimentar alguém... enfim, fora-se. Até podia estar no chão
do carro, enfiada em qualquer lado, debaixo dum tapete. Impossível reaver.
Ultimamente a
vida não estava fácil. Nada de muito grave, mas muitas coisas, umas pequenas,
outras nem por isso, eu só sabia que me sentia ir por água a baixo. Tinha plena
noção disso e não sabia o que fazer para alterar o padrão. Os setenta anos
tinham-me trazido uma certa angústia. A angústia do tempo. Do tempo passado e
do que eventualmente estivesse ainda por vir. Parecia que o presente não
existia.
Sobre o futuro
ninguém sabe. Desde que nascemos, ninguém sabe o tempo que tem pela frente. E
se às vezes eu pensava, pelo menos setenta já cá cantam, por outro lado,
pensava também, que a cada dia, o tempo encurtava, encurtava… mas isso é assim
para todo o ser. Humanos, animais, plantas… todos estamos sob a mesma condição
universal.
Parecia que a
vida não tinha mais nada de “bom” para me oferecer. Parecia que já tinha cumprido
todas as missões, vivido todos os amores. Sentia que todos os dias me afastava
mais de todos os que me rodeavam, por minha própria vontade, porque da mesma
maneira que não encontrava em mim nada mais que me encantasse, o mesmo via nos
outros, isto é, nada. Tudo tinha a mesma repercussão, a mesma falta de
interesse, a mesma desilusão e a sensação de que já não andava cá a fazer nada
era muito forte.
É. Quando a
cabeça começa a bater mal, não é fácil dar a volta. E o pior é que eu tinha a
consciência de me ter deixado apanhar na armadilha e não ter feito nada por
isso, no tempo certo. Estava bastante arrependida, o que não é normal em mim.
Arrependimento é coisa que nunca combinou com a minha pessoa. Mas chega sempre
uma primeira vez. Porque eu reconhecia que estava bem arrependida de não ter
tomada as devidas providências. Agora parecia que era tarde demais. Parecia que
não havia solução para sair do pesadelo em que me tinha metido. Nada me dava
alento e só me apetecia desistir, desistir.
E agora, mais um
pequeno aborrecimento que, não tendo a dimensão que eu lhe estava a dar, não
deixava de me chatear de mais. Eu gostava muito daquele par de brincos. Eles
combinavam bem demais comigo. A lua e o sol. Os dois lados da moeda. A noite e
o dia. O negro e o branco. O céu e a terra. Masculino e feminino. Que chato!
Não me conformava. Parecia uma criança. Mas eu queria o meu querido brinco. E
usar só um, não fazia sentido. Eu queria a minha estrela. Paciência. Ela não
voltaria, porque não tinha como. E eu estava a ser simplesmente parva e tinha
que me libertar daquilo.
Os dias foram
passando, passando e como não gosto de andar sem brincos, lá fui à minha caixa,
escolher uns bem simples, para substituírem a lua e o sol, aceitando que
aqueles já eram. E aos poucos fui fingindo não me importar com o facto, apenas
porque não tinha outra solução. E ficava espantada comigo mesma, por me sentir
tão chateada com uma coisa daquelas. Eu percebia que aquilo tinha um
significado para mim e que era aí que residia o problema, mas, ainda assim, não
podia ser uma justificação para me causar tanto pesar. Era um pouco ridículo.
O tempo
continuou a passar e como tudo passa, passa mesmo, de uma maneira ou de outra…
de repente, quando nada faria supor, sem entrar em pormenores, posso dizer com
toda a verdade, que uma estrela de verdade, apareceu na minha vida. E não só
apareceu, como foi entrando, entrando no meu dia a dia, de uma forma tão
natural, que começou a preencher os meus pensamentos e até os meus projectos de
vida.
Poderia dizer
que foi um virar da página. Mas não. Foi muito mais do que isso. Foi o final de
um interminável capítulo. Uma lufada de ar fresco, que não sabendo como, tinha
chegado até mim, vinda lá das alturas, daquele lugar que ninguém sabe onde fica,
nem como se chama, nem o que é, e onde ninguém chega. Mas veio e chegou até
mim, à minha triste vida, iluminando o meu caminho, fazendo tudo ir ao seu
lugar, abrindo janelas, portas, por onde o sol entrar. O sol! E foi então que
uma vez mais me lembrei da minha estrela perdida para sempre.
Mas a estrela
que tinha acabado de penetrar no meu conteúdo existencial era bem mais
importante do que a outra, a do brinco, mas sem comparação, levando-me a pensar
que agora já podia viver bem sem ela. A pessoa que tinha chegado e cruzado o
meu destino era muito, mas muito importante. A cada momento que passava eu
reconhecia isso e mais certeza disso eu tinha. Contudo… contudo, era um
acontecimento tão inesperado e tão improvável que, ao mesmo tempo que era tão
bom, me fazia ter dúvidas, dúvidas de todas as espécies. Chegou uma altura em
que, se fosse possível ter dois pratos de balança, um com dúvidas, outro com
certezas, estou certa de que eles se equilibrariam na perfeição. E então?
Os dias foram
passando e dando espaço para as certezas, o que fez as dúvidas irem perdendo o
seu potencial e a sua força. E mais uma vez me lembrei dos meus brincos, pois
eles combinariam na perfeição com esta situação. Onde estaria a minha estrela?
Que raio! Como era possível ter sumido sem eu ter dado por isso? Lamentei a
minha teimosia em continuar a pensar naquilo. Apenas porque não me conformava
em me ter separado, por assim dizer, da minha estrela, porque isso representava
a invalidade da lua, que ficara sozinha, sem o seu sol.
Em contrapartida
eu tinha encontrado uma estrela de verdade, uma estrela humana, o meu sol, de
um brilho intenso, e não contava nada com isso, especialmente nesta fase da
vida. No entanto, assim do nada, apareceu. E foi uma coisa muito louca,
verdadeiramente surpreendente. Quase um milagre! A vida é uma caixinha de
surpresas e não havia palavras para descrever a surpresa que foi ter encontrado
a minha alma gémea. Algo que parecia impossível de todo.
Foi então que
pensei que, se isto tinha sido possível, também o meu brinco poderia “ainda”
aparecer, porque nalgum lado ele estaria. Perdido, sim, mas não desfeito, nem
evaporado. E do campo holístico uma mensagem chegou até mim, dizendo, a tua
pequena estrela vai aparecer. É certo. Fiquei nas nuvens! Como poderia? Onde? Quando?
Já tinham passado umas boas semanas. A casa já tinha sido limpa tantas vezes.
Talvez não fosse em casa. Mas onde poderia ser?!...
Dois dias
depois, ao sentar-me no sofá, levantei-me para ajeitar a almofada. Quando me
virei e puxei por ela, dei por algo que estava sorrateiramente a escorregar
para o interior do sofá. Intrigada, meti a mão e com os dedos segui qualquer
coisa que não percebia o que era.
A minha estrela
não estivera perdida, nem por um instante. Ela estivera ali todo o tempo,
silenciosa, mas bem pertinho, bem juntinho a mim. Era impensável. E o campo
holístico continuava a enviar mensagem, dizendo: agora não tens mais por que
duvidar da tua estrela maior, aquela que é e será o teu verdadeiro sol, porque
te retornou tudo o que tinhas perdido de verdade e muito mais. Agora está tudo
bem. A vida está de volta. E como, deus meu!...