sábado, 15 de dezembro de 2012

O doutoramento da Tânia - 39


Faltavam apenas uns dias para a tese de doutoramento da Tânia e eu nunca a tinha visto tão nervosa. Ela é sempre muito equilibrada e encara tudo com muita tranquilidade, mas nesses dias estava visivelmente afectada pela prova de fogo a que ia ser submetida. Isso fazia com que eu me focasse no assunto, quase permanentemente e levava-me a antecipar os acontecimentos, porque via com facilidade toda a cena. E a minha inquietação não era pelo resultado, porque esse estava mais que garantido. Era pelo facto de ela estar muito ansiosa, a ponto de o transparecer com bastante facilidade. Ela mesma o admitia e falava nisso, o que não deixava de ser normal. 

E eu ocupava a minha mente pensando numa forma de a ajudar. Não bastava tranquilizá-la, nem outras atitudes do género, porque aquilo estava dentro dela e eu sabia e todos sabíamos que só passaria quando acabasse. Mas eu tinha que fazer alguma coisa. E via constantemente a cena, o excelente desempenho dela, a brilhante nota que arrancaria do júri e tudo o mais. Mas não bastava. Em meditação, visualizava a sala, o ambiente e enviava ondas de energia positiva e a maior tranquilidade possível, para que se reflectissem nela. Naquelas visualizações apercebi-me de que uma energia muito forte estava e estaria presente em todo este processo que, apesar de ser só dela, era também um pouco de todos que estavam e estão à volta dela. Essa energia era a do seu ainda recente falecido pai, que estava muito presente, muito próximo dela e estaria com toda a sua luz, conduzindo a energia da filha muito querida e amada, a quem desejava o melhor e a quem protegia para além da vida. 

Fiquei feliz, muito feliz com este facto e muito aliviada. E pensei que essa seria a maneira certa de a ajudar, porque de certeza que ela ia ficar felicíssima. Mas... aí, veio a dúvida. Será que ela vai entender, vai aceitar ou ficará ainda mais nervosa? Qual o efeito que isso pode causar nela? Pensando bem, era um risco! Por mais que ela fosse tudo de bom e o meu entendimento com ela fosse perfeito, não deixava de ser um risco. Isso, tanto podia deixá-la bem, como ainda mais nervosa. E eu estava sempre naquela eminência de arriscar dizer, mas o meu bom senso acabava por travar. Era demasiado perigoso. Eu nem sequer cheguei a conhecer o pai dela, que tinha recentemente falecido quando as nossas famílias se cruzaram. Quem me garantia, então, que ela, formada em psicologia social, não ia pôr em dúvida a minha palavra e achar estranha a minha conversa!?  

Há coisas que não podem ser ditas de ânimo leve, nem podem ser ditas na hora errada e muito menos à pessoa errada. Quando são assuntos que não estão relacionados com a matéria e portanto, com o mundo visível, é preciso ter toda a cautela. Conhecer bem o outro, falar com cuidado, escolher o momento e as palavras certas. Ninguém é obrigado a acreditar naquilo que os outros querem, nem ninguém pode ser confrontado com o acreditar naquilo que não vê. O mundo espiritual pertence à alma, única e simplesmente e a alma tem uma evolução muito pessoal, muito individual. Cada um está no patamar que lhe compete, de acordo com o que já viveu, de acordo com a experiência que tem e o aprendizado que já fez. E isso não tem que ver com idade, nem com nenhum outro factor. É uma coisa da alma. Cada um é um ser único. 

Deixei passar os dias, na inquietação pela minha querida norinha, porque queria que chegasse logo a hora de ela passar por aquele tormento e voltar à sua peculiar estabilidade emocional, embora com grande pena minha, por ter decidido que seria melhor para ela não lhe falar na presença espiritual do pai junto dela. E para me consolar e me sentir mais tranquila, pensei, ela há-de sentir os efeitos benéficos da presença dele, de certeza. 

O dia chegou e a nossa Tânia defendeu a sua tese de doutoramento com a nota máxima, sem grande surpresa para a família. Foi coroada de êxito pelo júri e de todos nós recebeu os elogios, o carinho e o afecto merecidos. 

Uns dias depois, de rosto sereno e o seu sorriso lindo brilhando nos olhos e espelhado na alma, com ar de menina, ela dirigiu-se a mim e disse numa voz velada e num tom cheio de certeza do que estava a dizer, quase ao meu ouvido, "o meu pai estava lá. Eu senti. Eu vi". 

Fiquei absolutamente maravilhada. No meio de tanta pressão, a sensibilidade dela não tinha ficado de fora. Ela tinha tido a capacidade de conciliar as duas coisas de uma maneira espantosa. E num momento que exigiu dela toda a sua maior atenção e concentração no mundo racional, com toda a sua presença de espírito, inteira, da cabeça aos pés, ainda assim, havia nela espaço para o seu momento mais sublime. A canalização da frequência com o pai. E mais, a consciência disso. 

Eu não tinha falado nada com ela, nem antes, nem depois. Nós não falámos, não trocámos uma palavra. Era um assunto em suspenso absoluto.  

Mas as nossas almas falaram aquilo que as palavras calaram.