segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A casa assombrada - 37


Quando eu era criança, falar em assombração era coisa corrente. Hoje em dia já ninguém fala desses assuntos. Em todo o caso, existem documentários que passam em certos canais da televisão que dissecam esses assuntos, com todos os pormenores, relatando casos com toda a exactidão. 

Quando me divorciei tive que comprar um apartamento para mim e para o meu filho. E um dia, uma amiga falou-me de um, que ela sabia estar à venda, na zona que eu lhe tinha indicado e com as condições que eu pretendia. Porém, tinha um problema: a casa estava assombrada.  

Não dei importância ao assunto, antes pelo contrário, fiquei muito interessada e pedi-lhe que fosse comigo ver. Mas ela não gostou da ideia e respondeu que não. Dava-me os contactos, mas ir comigo nem pensar. Morria de medo. Assim, lá fui eu sozinha. 

Surpreendentemente, assim que entrei, senti-me em casa e à medida que ia vendo, reconhecia ser exactamente aquilo que tinha imaginado. Um terceiro andar num prédio de dez andares, sendo que a construção era boa e o lugar muito agradável, com pequenos ajardinados em volta, fora das ruas principais, com espaço para o Henrique andar de bicicleta e jogar à bola e ainda tinha perto tudo o que era necessário. Enfim, era agradável, com imensa luz, janelas e portas amplas e uma varanda que era um espectáculo. Porém, estava um lixo, porque há sete anos que não era habitado. E aqui começa a confusão. 

Tinham havido algumas tentativas de compra, mas as pessoas acabavam desistindo. Razões? Várias. O antigo proprietário suicidara-se lá dentro, na casa de banho, que tinha ainda intactas as marcas de sangue. Duas vizinhas contaram-me que já tinham visto o fantasma do falecido à porta de casa e até tinha falado com elas. E eram pessoas de toda a credibilidade, educadas e com formação académica de nível superior, sendo que uma delas era psicóloga clínica. 

Que fazer!? Para ser franca eu tinha gostado do apartamento. Estava de bom tamanho para as minhas necessidades e também para a minha bolsa. O preço era significativamente mais baixo do que os equivalentes naquela zona, por conta da história que corria da assombração. Mas aquela diferença de preço era significativa para mim. 

Que fazer!? Eu até tinha gostado da sensação agradável que tinha tido ao entrar lá! Qual assombração? Não senti nada que me incomodasse. O que é isso de assombração? De onde vinham aquelas histórias e como proliferavam e passavam de uns para os outros!? Estranho!... 

Bom, depois de pensar muito bem em tudo, decidi que o apartamento seria meu e ponto final. E como a escritura demorou quase dois anos para se efectuar, por conta dos herdeiros que eram dois menores e filhos de mães diferentes, consegui que me concedessem uma autorização para habitar a casa uns meses antes, para ir adiantando o que tinha que fazer por lá. E a casa foi pintada e limpa. Mas havia coisas que pertenciam ao falecido, ex-proprietário, e que ninguém tinha retirado: uma mesa redonda com tampo de vidro, um candeeiro, livros, vários livros encadernados em pele, com desenhos, estudos matemáticos e esquemas de trabalho, porque ele era arquitecto. Em todo o caso, eu andava aliviada porque já me sentia na minha casa nova. Mas o facto, é que começaram a acontecer uma série de coisas pouco comuns. 

Os moradores do prédio, alguns, olhavam para mim com ar desconfiado, como que me achando "doida" por me enfiar numa casa assombrada. Mas eu não dava importância, pois tinha mais que fazer e pensava que aquilo havia de lhes passar. Contudo, às vezes tinha a sensação de que havia uma presença ao pé de mim e pensava "disparate"... mas era tão forte que eu tinha que parar e virar-me para todos os lados, a fim de confirmar o que já sabia. Não havia ninguém presente. E continuava nas minhas tarefas. Mas aquilo acontecia e voltava a acontecer. Eu sabia que não tinha nada que ver com a casa "assombrada", porque esse não era o meu território. Mas sentia uma presença perto de mim. Uma presença muda, que não interferia comigo, nem poderia... era o que eu pensava. E não sentia medo, apenas curiosidade. 

E aquilo continuava, até que percebi que era sempre no mesmo sítio. Porquê só naquele sítio? Porque era ali que estavam as coisas mais importantes dele. Os trabalhos encadernados da licenciatura e fruto do seu empenho. Ele era muito novo. À data do triste acontecimento estava apenas na casa dos trinta anos. Depois de ter percebido isso, passei a limpar e a tocar naqueles livros cuidadosamente, para tranquilizar o seu espírito, ao mesmo tempo que me comprometi a guardá-los religiosamente até que aparecesse um sinal do que fazer com eles. O facto é que, aquela sensação de que alguém andava atrás de mim sempre que chegava àquele sítio e tocava nos livros dele, desapareceu completamente. 

Um dia em que estava muito, muito apreensiva, com os papéis da escritura sempre a trazerem problemas e não conseguia dormir a pensar que na manhã do dia seguinte tinha que estar bem cedo na conservatória para resolver mais um "impossível", aí aconteceu outra coisa estranhíssima. 

Estava super angustiada e com um medo terrível de perder a casa e mais o sinal que já tinha dado e enfim, era a minha vida e a do meu filho, tudo a andar para trás, o que não podia acontecer de maneira nenhuma, caso contrário iríamos morar para debaixo da ponte. Mas tinha um problema para resolver, muito complicado e precisava de mais um tempo na conservatória e também sabia que não estavam para aí virados. Toda a gente me dizia que aquela era a conservatória mais rigorosa com os prazos e não abriam excepções e eu estava num estado de nervos absolutamente deplorável. Achava até que no dia seguinte nem iria ter forças para me levantar e ir até lá pelo meu pé. Mas tinha que ir, porque não tinha ninguém que resolvesse aquilo por mim e ainda tinha que, por alguma forma, convencê-los a darem-me mais uns dias de prazo. E tudo aquilo me parecia absolutamente impossível. Só um milagre mesmo para eu sair daquele sarilho. Estava esgotada fisica e emocionalmente. 

E embrenhada nestes pensamentos, de repente, aconteceu uma coisa fantástica. Estava sentada de pernas cruzadas no colchão onde dormia, na sala, porque estava tudo ainda na fase do provisório. Havia um candeeiro de mesa aceso. De repente, o meu coração começou a ficar leve, sem aquele peso todo que me atormentava. A luz ficou diferente e tive a sensação de que o corpo levitava, porque deixei de senti-lo e parecia que me elevava no ar, sem eu fazer nada. 

Percebi que algo de estranho se estava a passar. Mas eu estava bem. Estava muito calma e invadida por um bem estar muito grande, contrariamente ao que antes sentia. De repente, o meu olhar foi atraído para um canto da sala onde estava a mesa que lhe tinha pertencido e que ele próprio construíra. Através do tampo da mesa todo em vidro, transparente, trespassava uma figura completa, dos pés à cabeça. 

O facto é que ao olhar para aquela materialização, soube imediatamente que era ele. Fiquei maravilhada com aquele acontecimento e ainda mais porque, sem perceber como, soube imediatamente que era ele. Em pensamento perguntei-lhe o que fazia ali. Respondeu-me, em pensamento, que viera para me tranquilizar em relação aos papéis e à compra da casa. Que antes não tinha consentido que ninguém comprasse o apartamento. Sabia que eu ia precisar dele e tudo o que queria era ajudar-me. Assegurou-me de que no dia seguinte tudo se resolveria da melhor maneira possível, sem esforço nenhum da minha parte, porque ele estaria lá, em espírito, para resolver tudo por mim. Perguntei-lhe, porquê eu(?). Respondeu em pensamento que em troca, um dia, mais tarde, eu estaria em condições de ajudar os filhos, caso viesse a ser necessário. Perguntei-lhe se alguma vez na vida eu iria ter essa possibilidade. Respondeu-me que sim e que confiava plenamente em mim. Com esta resposta telepática desapareceu.

A luz voltou ao normal. Aquele ambiente estranho de "magia" e encantamento desapareceu. Não sabia como explicar aquilo, mas sabia que não estava a sonhar porque estava bem acordada. O bem estar e a tranquilidade ficaram. Um peso enorme saíra da minha alma. Sim, estava em paz. Agradeci a Deus aquela comunicação que me tinha trazido de volta o sossego e até a felicidade. Fui ver o meu filho, que dormia tranquilamente. Deitei-me e dormi tranquila.

No outro dia acordei em pânico porque tinha que ir resolver o assunto. Tremia dos pés à cabeça. Lembrava-me de tudo o que tinha acontecido, mas tinha que cair na real. Ainda hoje não sei como tive a coragem de entrar no carro e conduzir até à conservatória, dado o meu estado de desgaste emocional. Cheguei lá, fui atendida de modo quase invisível, porque não olhei de frente para ninguém, nem ninguém o fez comigo. Limitei-me a pôr os papéis sobre o balcão e achar que ia desmaiar. Alguém levou os papéis para dentro. Poucos minutos depois, alguém me devolvia os papéis, dizendo que me haviam concedido, a título excepcional, um prazo bastante alargado, para garantir que dava tempo de tratar de tudo até à data da escritura. 

Eu ouvia o que me diziam e mal podia acreditar. O milagre tinha acontecido. Todos os meus problemas estavam resolvidos. Não havia mais motivo para preocupação. A minha tensão descia agora em ondas galopantes por todo o corpo e eu nem sentia as pernas. 

Não sei nada de assombrações. Este foi apenas mais um contacto com o mundo espiritual e na verdade não tem nada de extraordinário. Há mais de vinte anos que estou na mesma casa e nela corre uma energia muito boa, conforme o testemunham as pessoas minhas amigas e familiares que me visitam. 

Há todo um intercâmbio de ajuda mútua que se faz sentir ao nível físico. É normal e necessário. Para isso estamos cá. Quando essa ajuda ultrapassa as limitações humanas, de algum lado do universo ela virá. Mas para isso temos de estar atentos e, primeiro, acreditar;  depois aceitar e finalmente agradecer. 

Só isso.