quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Manias - 106

 

“Meditamos sobre a Luz Divina do adorável Sol da Consciência Universal,

que estimula nosso poder de percepção espiritual”

Om Svah

 

Cada um tem as suas manias e eu também tenho as minhas, algumas delas, devidamente assumidas, porque sobejamente intrínsecas à minha pessoa. Afirmo que é uma mania, apenas, porque acho que mais ninguém o faz, ou se o faz, não fala nisso, pelo menos sistematicamente, ou com a intensidade ou necessidade com que o faço. Por isso, é uma mania, sim, pelo menos, no meu caso.

Também não sei porque o faço, mas faço-o constantemente. Olho para uma pessoa, umas que conheço, outras que não, tanto faz crianças como adultos e até mesmo idosos, e ponho-me a observar cuidadosamente, nos mínimos detalhes, com quem ela ou ele se parecerá, tentando perceber, por exemplo, se os olhos são uma herança materna ou paterna, a boca, o nariz, o seu perfil, etc… etc… etc… E não se trata de querer "adivinhar". É ler nos seus traços, na sua fisionomia, nas suas características, no aspecto. Isso sim.

Porque o faço, não sei. É uma mania. É quase um vício. O facto é que gosto de perceber essa coisa que é o que trazemos de trás, das gerações passadas, a genética daqueles que nos trouxeram a este mundo. Afinal, somos todos um, sendo que, nessa fusão de ADN, não há ninguém igual a ninguém. Ninguém se repete, porque não somos clones. Pelo menos por enquanto. Assim, cada um guarda, religiosamente, o seu completo historial, que está marcado na totalidade do seu ser e se repercute, de maneira mais ou menos acentuada, em todo o seu físico, ou seja, em toda a matéria da qual somos um composto.

A beleza, ou a falta dela, é, de certa forma, uma convenção, e todo o registo dos nossos traços, falam, dizem de onde vêm, e têm as suas próprias características, as suas “qualidades”, quaisquer que elas sejam, bem como o seu significado. Mas não só. O porte, o modo de ser, mais feminino ou masculino, esse equilíbrio ou desequilíbrio, que leva muitas vezes a que uma coisa pareça outra completamente diferente.

É daí que vem o meu especial interesse por essa matéria, embora o faça um pouco intuitivamente. Já tenho lido alguma coisa sobre isso, precisamente porque é um assunto que tem o meu especial interesse, caso contrário, certamente não me daria ao trabalho de procurar informação a esse respeito. E por tudo isto, aconteceu um episódio, há relativamente pouco tempo, que achei interessante e chamou a minha atenção.

Moro num prédio com nove andares. Dado que cada patamar tem seis apartamentos, é bastante gente, sempre a entrar e a sair. Por isso, cruzo-me frequentemente, com os vizinhos. Uns de longa data, outros mais recentes, porque há sempre uns que vão, para dar a vez a outros.

Há um casal que já conheço há algum tempo, embora sem grandes intimidades. Bom dia, boa tarde, como vão, e pouco mais. Têm um filho, o Pedro, de trinta e dois anos, que vejo com mais frequência, porque sai várias vezes ao dia para passear o cão. E sempre que o vejo, associo-o imediatamente aos pais. Só que, desde sempre, nunca consegui encontrar nele, traços que reflictam parecenças com o pai ou com a mãe.

Parvoíces minhas. Manias. Talvez outras pessoas consigam encontrar as parecenças que eu não consigo. Os próprios pais, certamente. O facto, é que, não há vez nenhuma que, ao vê-lo, não faça, repetida e insistentemente, esta relação parental, buscando qualquer coisa que os assemelhe ou que os junte. Tenho alguma necessidade disso? Claro que não. Mas não faço isso só com ele. Como já referi, de um modo geral, faço-o com toda a gente. Daí, que considere isso uma verdadeira mania.

Mas devo dizer que, da minha análise, resulta sempre um conjunto de parecenças, que fazem sentido e que têm a sua razão de ser. Algumas são mais do que evidentes e qualquer pessoa pode constatar. Outras, nem por isso, passando despercebido para muitos, mas não para mim.

No caso do Pedro, sendo totalmente franca e honesta comigo, sem estar a inventar, nunca consegui encontrar o mínimo sinal de parecença, o menor detalhe de afinidade, deduzindo que as minhas faculdades intuitivas não estavam a funcionar com ele. Paciência. Isto não é relevante, nem tem interesse nenhum para ninguém. Se me desse ao trabalho de falar com os pais a este respeito, o que não faria muito sentido, talvez eles me revelassem semelhanças que eu nunca consegui encontrar.

Um dia, cruzando-me com o casal, ela ficou pendurada a conversar comigo, dizendo que às vezes tem necessidade de falar e o marido não é muito conversador. E, então, começou a desabafar um pouco da sua vida, das suas coisas. Coisas de nada, sem importância, mas tendo percebido que ela precisava mesmo disso, deixei-a falar e fui ouvindo, simplesmente. De repente a conversa rumou aos filhos e fiquei sabendo que eles só têm aquele filho, coisa que eu já tinha desconfiado.

O curioso, é que, sempre que penso que a minha intuição não está a responder ou não está certa, alguma coisa tem por trás, alguma coisa se esconde, impedindo-me de compreender seja o que for, pelo que acabo por concluir que o problema é meu. É falha minha, porque não encontro outra explicação. Foi o caso.

A conversa fluía e com a maior naturalidade, sem mais nem menos, começou a falar dos irmãos do Pedro. De repente fiquei perdida, sem perceber nada do assunto, pensando que tinha perdido alguma parte, que por qualquer razão me teria escapado e por isso, ingenuamente, perguntei, “mas não disse que só tem um filho?” E com toda a tranquilidade, ela respondeu: “sim, o Pedro, mas nós não conseguíamos ter filhos, de modo que o Pedro é adoptado”.

Ah?!... Estava explicado o mistério. Agora sim, eu entendia e fazia todo o sentido. Estava tudo certo. A única coisa errada nisto tudo, foi, simplesmente, e uma vez mais, ter duvidado da minha intuição. Mas como também não sou dona da verdade! Nem eu nem ninguém. 

Contudo, quer se aceite ou não, quer se queira ou não, existe uma coisa que se chama intuição, o equivalente a percepção espiritual e que, apesar de não ser muito valorizada, fala sempre mais alto do que tudo, para nos revelar apenas e somente a Verdade.


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Tadeu e Vinicius - 105

 

Há coisas estranhas…

Tadeu e Vinicius, dois jovens brasileiros e irmãos por parte da mãe. O primeiro é o mais velho, com cerca de trinta anos e o segundo mais novo. A mãe, uma brasileira de quarenta e cinco anos, vive em Portugal há já muitos anos, no que está mais do que adaptada e onde gosta de viver, inclusive, casada com um português.

Tadeu e Vini vivem no Brasil, mas estão sempre em contacto com a mãe, através de mensagens de WhatsApp e chamadas de vídeo, onde têm acesso ao quotidiano uns dos outros, podendo aliviar as saudades. Tadeu é casado, trabalha por conta própria no seu negócio e a mulher idem. Segundo a mãe, Josy, têm uma vida muito boa em todos os aspectos, porque conseguem fazer muito dinheiro. Têm uma menina com sete anos, filha de um primeiro namorado da mãe e agora um menino com seis meses, filho de ambos.

Josy é minha vizinha, porque ela e o marido vivem no mesmo prédio que eu e não raras vezes estamos juntos. Pela nossa diferença de idades eu poderia perfeitamente ser mãe, tanto dela, como do marido, o que não impede que nos demos muito bem. Eles fazem muitos programas tando dentro de casa como fora, no qual me incluem, o que para mim é sempre muito agradável. E Josy tem sempre coisas para me contar da vida dela, seja daqui, seja do Brasil, ou da sua vida particular, enfim, conta-me muita coisa. Eu diria mesmo que me conta tudo da sua vida, para a qual eu sou sua fiel confidente, pois respeito tudo o que ela me fala e muito embora me atreva a dar a minha opinião, é apenas a minha opinião, sendo que as decisões que toma, por sua livre e espontânea vontade, são um direito seu.

A companhia deles é sempre muito bem-vinda, por se contrapor à minha solidão. O marido tem dois filhos ainda adolescentes, fruto do seu casamento anterior, que muitas vezes estão com eles. E embora se deem muito bem, como qualquer casal normal, às vezes há problemas. Aí, Josy desabafa sempre comigo, expondo o seu ponto de vista, em relação ao qual posso concordar ou não, mas são problemas deles e não tenho nada com isso, limitando-me simplesmente a ouvi-la.

Há tempos, início de Verão, uma vez mais me convidaram para ir com eles para a casa do Algarve, onde vão com frequência passar alguns dias, quando o trabalho de ambos o permitia. E nesses dias, além de algumas horas na praia, não havia o que fazer, pois as refeições eram sempre fora ou pedidas a casa, passando o tempo a assistir a qualquer coisa na televisão, mas muito mais conversando e jogando conversa fora.

E nas nossas longas horas de conversa eu já tinha na minha cabeça a visão de tudo o que ela me contava sobre a vida dos filhos no Brasil. Ela descrevia tantas vezes e com tanta minuciosidade que não dava para ignorar. Mesmo sem querer eu visualizava tudo, tal qual ela relatava. Já conhecia por dentro e por fora a casa de um e do outro filho e até o ambiente familiar no qual estavam inseridos. Visualizava as crianças, a rotina de todos, etc. E até já sabia tudo de cor e salteado, o que era engraçado, porque tudo isto era apenas de ouvir.

Estando, no Algarve, uma vez mais, ela começa a falar dos filhos e recebe um telefonema do mais velho, que lhe fala de um assunto que a deixa de certa forma encantada e esperançosa. Terminado o telefonema, imediatamente me põe a par e passo da situação. Tadeu trabalha em casa, num negócio de vendas online e tenciona chamar o irmão, Vini, para começar a trabalhar com ele.

Isto deixou Josy encantada, porque sempre dizia que tinha pena do filho mais novo, por conta do trabalho que fazia. Era um trabalho muito duro e ao ar livre, embora ele gostasse do que fazia. Além de que não era muito bem remunerado. Então, este convite do irmão mais velho para trabalhar com ele vinha a calhar, porque era em casa, sem o desgaste físico que o outro trabalho lhe dava. Ela falando, quando de repente me lembrei de um pormenor que imediatamente lhe contei. Nunca lhe tinha falado nisso, achando que era uma confusão qualquer minha e não fazia o menor sentido. Contudo, depois deste telefonema, a minha cabeça deu sinal e percebi que afinal, parecia que as coisas sempre encaixavam. Talvez não lhe devesse ter dito nada, mas foi mais forte do que eu.

Josy, disse-lhe, então é por isso que sempre que me falas do negócio do teu filho eu vejo o Vini lá, trabalhando, andando de lá para cá, com embalagens na mão, e nunca o Tadeu. Nem nunca me lembro de ter visualizado o Tadeu a não ser ao computador. É sempre, sempre o Vini. E nunca falei nada porque achei não fazer o menor sentido. Josy, que já está mais do que habituada às minhas estranhezas, que considera uma dádiva, imediatamente se expressou encantada e deliciada, dizendo, verdade? Não me digas isso! É tudo o que eu mais quero, é tirar o Vini daquele trabalho porque é muito duro. E se ele fosse trabalhar com o irmão era outro descanso em todos os aspectos. E continuou dizendo que queria, porque queria muito e, portanto, o que eu acabava de lhe dizer, dava-lhe uma imensa esperança de que as coisas seguissem esse rumo. Posso mesmo dizer que estava feliz, tanto com a novidade do telefonema do filho, como com aquilo que eu tinha acabado de dizer que via sempre, mesmo sem compreender, o que para ela era quase uma certeza.

Josy nunca escondeu o facto de achar que eu sou uma pessoa “especial”, muito à frente, segundo palavras dela, etc… etc… apenas porque teve alguns percalços, que acha que fui eu que os resolvi. Por exemplo, a máquina do café um dia deixou de trabalhar. Lamentou-se dizendo que agora não tinha café em casa e porque não sabia se a máquina tinha arranjo ou se tinha que comprar outra, o que era uma chatice. Estávamos ao telefone e disse-lhe para desligar e voltar a ligar. Horas depois ligou-me muito contente, feliz da vida porque tinha feito o que eu lhe tinha dito e a máquina imediatamente começou a trabalhar(!?). Rimos as duas, claro. Se calhar era apenas um mau contacto, só isso. Mas ela achou que foram as minhas boas energias. Outra vez foi a máquina de lavar do salão, que não fez a centrifugação. Disse-lhe para mudar de programa e experimentar. Ela rindo, disse, já sei, a máquina vai funcionar. O facto é que funcionou. Não tenho explicação, são apenas mudanças de atitude. Se calhar estava cansada daquele programa!

De modo que, quando lhe contei que via sempre o filho mais novo e nunca o mais velho, ela ficou maravilhada, porque era mesmo o que ela queria. Mas eu estava a ser muito franca com ela, ou seja, não estava a inventar nada para lhe ser simpática, que isso não faz o meu feitio. Agora só havia um handicap, ele aceitar ou não. Dependia apenas dele. E aí sim, percebi a sua forte apreensão.

De regresso a casa, os dias voltaram à sua rotina e novamente estamos juntas. Nas conversas habituais, lá vêm os filhos. E de repente, pergunto-lhe como está o assunto entre os dois, convencida de que o mais novo tinha aceitado o trabalho com o irmão. Mas para minha surpresa, ela respondeu que não, ou seja, o Vini tinha recusado, explicando que trabalho era trabalho e não queria de forma alguma pôr em risco a sua relação com o irmão. Por isso achava prudente não aceitar, continuando tudo como estava.

Eu mesma fiquei desiludida, mas compreendia a situação e no fundo achava que tinha alguma razão de ser. Em todo o caso, posso dizer com toda a verdade, que fiquei um pouco espantada e perdida, por ter saído completamente fora da verdade, isto é, por ter dito uma coisa que não correu como a minha intuição previa. Quase que me senti derrotada. Mas as coisas são como são e, então, talvez fosse mesmo apenas e somente alguma confusão da minha cabeça, como eu sempre tinha achado. Mas volta e meia pensava naquilo, sempre com um certo pesar, sempre com dificuldade em admitir que tinha falhado e que se calhar era preferível não ter dito nada. Se calhar estava mesmo a inventar. Mas porquê? Porque todas estas coisas saem do nosso controle e não são muito ou nada perceptíveis.

O tempo foi passando, passando, outros problemas apareceram e não foram poucos, tanto para eles como para mim e a vida acontecendo, com coisas que a única saída é aceitar, simplesmente. Já lá iam uns dois meses, desde aquele incidente que me tinha deixado sem palavras. Agora, Josy estava falando do netinho que já vai ao jardim escola para a mãe poder trabalhar, mostrando-me vídeos dele com muita graça. E na conversa que está a decorrer, de repente, a minha frustração esfuma-se naquele preciso momento, deixando-me bem mais tranquila e sem o arrependimento de ter falado no assunto ao ouvi-la dizer que o Vini estava a trabalhar com o Mateus. Perguntei, espantada, o quê? Pensei que ele tinha recusado a proposta do irmão!? Ah, mas pouco tempo depois acabou por voltar atrás e por sinal está a correr tudo muito bem para os dois.

E, afinal, tudo encaixou no sítio certo. Mas há coisas estranhas…