Há coisas
estranhas…
Tadeu e
Vinicius, dois jovens brasileiros e irmãos por parte da mãe. O primeiro é o
mais velho, com cerca de trinta anos e o segundo mais novo. A mãe, uma
brasileira de quarenta e cinco anos, vive em Portugal há já muitos anos, no que
está mais do que adaptada e onde gosta de viver, inclusive, casada com um
português.
Tadeu e Vini
vivem no Brasil, mas estão sempre em contacto com a mãe, através de mensagens
de WhatsApp e chamadas de vídeo, onde têm acesso ao quotidiano uns dos outros,
podendo aliviar as saudades. Tadeu é casado, trabalha por conta própria no seu
negócio e a mulher idem. Segundo a mãe, Josy, têm uma vida muito boa em todos
os aspectos, porque conseguem fazer muito dinheiro. Têm uma menina com sete
anos, filha de um primeiro namorado da mãe e agora um menino com seis meses,
filho de ambos.
Josy é minha
vizinha, porque ela e o marido vivem no mesmo prédio que eu e não raras vezes
estamos juntos. Pela nossa diferença de idades eu poderia perfeitamente ser mãe,
tanto dela, como do marido, o que não impede que nos demos muito bem. Eles
fazem muitos programas tando dentro de casa como fora, no qual me incluem, o
que para mim é sempre muito agradável. E Josy tem sempre coisas para me contar
da vida dela, seja daqui, seja do Brasil, ou da sua vida particular, enfim,
conta-me muita coisa. Eu diria mesmo que me conta tudo da sua vida, para a qual
eu sou sua fiel confidente, pois respeito tudo o que ela me fala e muito embora
me atreva a dar a minha opinião, é apenas a minha opinião, sendo que as
decisões que toma, por sua livre e espontânea vontade, são um direito seu.
A companhia
deles é sempre muito bem-vinda, por se contrapor à minha solidão. O marido tem
dois filhos ainda adolescentes, fruto do seu casamento anterior, que muitas
vezes estão com eles. E embora se deem muito bem, como qualquer casal normal,
às vezes há problemas. Aí, Josy desabafa sempre comigo, expondo o seu ponto de
vista, em relação ao qual posso concordar ou não, mas são problemas deles e não
tenho nada com isso, limitando-me simplesmente a ouvi-la.
Há tempos, início
de Verão, uma vez mais me convidaram para ir com eles para a casa do Algarve,
onde vão com frequência passar alguns dias, quando o trabalho de ambos o
permitia. E nesses dias, além de algumas horas na praia, não havia o que fazer,
pois as refeições eram sempre fora ou pedidas a casa, passando o tempo a
assistir a qualquer coisa na televisão, mas muito mais conversando e jogando
conversa fora.
E nas nossas
longas horas de conversa eu já tinha na minha cabeça a visão de tudo o que ela
me contava sobre a vida dos filhos no Brasil. Ela descrevia tantas vezes e com
tanta minuciosidade que não dava para ignorar. Mesmo sem querer eu visualizava
tudo, tal qual ela relatava. Já conhecia por dentro e por fora a casa de um e
do outro filho e até o ambiente familiar no qual estavam inseridos. Visualizava
as crianças, a rotina de todos, etc. E até já sabia tudo de cor e salteado, o
que era engraçado, porque tudo isto era apenas de ouvir.
Estando, no
Algarve, uma vez mais, ela começa a falar dos filhos e recebe um telefonema do
mais velho, que lhe fala de um assunto que a deixa de certa forma encantada e
esperançosa. Terminado o telefonema, imediatamente me põe a par e passo da
situação. Tadeu trabalha em casa, num negócio de vendas online e tenciona
chamar o irmão, Vini, para começar a trabalhar com ele.
Isto deixou Josy
encantada, porque sempre dizia que tinha pena do filho mais novo, por conta do
trabalho que fazia. Era um trabalho muito duro e ao ar livre, embora ele
gostasse do que fazia. Além de que não era muito bem remunerado. Então, este
convite do irmão mais velho para trabalhar com ele vinha a calhar, porque era
em casa, sem o desgaste físico que o outro trabalho lhe dava. Ela falando,
quando de repente me lembrei de um pormenor que imediatamente lhe contei. Nunca
lhe tinha falado nisso, achando que era uma confusão qualquer minha e não fazia
o menor sentido. Contudo, depois deste telefonema, a minha cabeça deu sinal e
percebi que afinal, parecia que as coisas sempre encaixavam. Talvez não lhe
devesse ter dito nada, mas foi mais forte do que eu.
Josy, disse-lhe,
então é por isso que sempre que me falas do negócio do teu filho eu vejo o Vini
lá, trabalhando, andando de lá para cá, com embalagens na mão, e nunca o Tadeu.
Nem nunca me lembro de ter visualizado o Tadeu a não ser ao computador. É
sempre, sempre o Vini. E nunca falei nada porque achei não fazer o menor
sentido. Josy, que já está mais do que habituada às minhas estranhezas, que
considera uma dádiva, imediatamente se expressou encantada e deliciada,
dizendo, verdade? Não me digas isso! É tudo o que eu mais quero, é tirar o Vini
daquele trabalho porque é muito duro. E se ele fosse trabalhar com o irmão era
outro descanso em todos os aspectos. E continuou dizendo que queria, porque
queria muito e, portanto, o que eu acabava de lhe dizer, dava-lhe uma imensa
esperança de que as coisas seguissem esse rumo. Posso mesmo dizer que estava
feliz, tanto com a novidade do telefonema do filho, como com aquilo que eu
tinha acabado de dizer que via sempre, mesmo sem compreender, o que para ela
era quase uma certeza.
Josy nunca
escondeu o facto de achar que eu sou uma pessoa “especial”, muito à frente,
segundo palavras dela, etc… etc… apenas porque teve alguns percalços, que acha
que fui eu que os resolvi. Por exemplo, a máquina do café um dia deixou de
trabalhar. Lamentou-se dizendo que agora não tinha café em casa e porque não
sabia se a máquina tinha arranjo ou se tinha que comprar outra, o que era uma
chatice. Estávamos ao telefone e disse-lhe para desligar e voltar a ligar.
Horas depois ligou-me muito contente, feliz da vida porque tinha feito o que eu
lhe tinha dito e a máquina imediatamente começou a trabalhar(!?). Rimos as
duas, claro. Se calhar era apenas um mau contacto, só isso. Mas ela achou que
foram as minhas boas energias. Outra vez foi a máquina de lavar do salão, que
não fez a centrifugação. Disse-lhe para mudar de programa e experimentar. Ela
rindo, disse, já sei, a máquina vai funcionar. O facto é que funcionou. Não
tenho explicação, são apenas mudanças de atitude. Se calhar estava cansada
daquele programa!
De modo que,
quando lhe contei que via sempre o filho mais novo e nunca o mais velho, ela
ficou maravilhada, porque era mesmo o que ela queria. Mas eu estava a ser muito
franca com ela, ou seja, não estava a inventar nada para lhe ser simpática, que
isso não faz o meu feitio. Agora só havia um handicap, ele aceitar ou
não. Dependia apenas dele. E aí sim, percebi a sua forte apreensão.
De regresso a
casa, os dias voltaram à sua rotina e novamente estamos juntas. Nas conversas
habituais, lá vêm os filhos. E de repente, pergunto-lhe como está o assunto entre
os dois, convencida de que o mais novo tinha aceitado o trabalho com o irmão.
Mas para minha surpresa, ela respondeu que não, ou seja, o Vini tinha recusado,
explicando que trabalho era trabalho e não queria de forma alguma pôr em risco
a sua relação com o irmão. Por isso achava prudente não aceitar, continuando
tudo como estava.
Eu mesma fiquei
desiludida, mas compreendia a situação e no fundo achava que tinha alguma razão
de ser. Em todo o caso, posso dizer com toda a verdade, que fiquei um pouco espantada
e perdida, por ter saído completamente fora da verdade, isto é, por ter dito
uma coisa que não correu como a minha intuição previa. Quase que me senti
derrotada. Mas as coisas são como são e, então, talvez fosse mesmo apenas e
somente alguma confusão da minha cabeça, como eu sempre tinha achado. Mas volta
e meia pensava naquilo, sempre com um certo pesar, sempre com dificuldade em
admitir que tinha falhado e que se calhar era preferível não ter dito nada. Se
calhar estava mesmo a inventar. Mas porquê? Porque todas estas coisas saem do
nosso controle e não são muito ou nada perceptíveis.
O tempo foi
passando, passando, outros problemas apareceram e não foram poucos, tanto para
eles como para mim e a vida acontecendo, com coisas que a única saída é
aceitar, simplesmente. Já lá iam uns dois meses, desde aquele incidente que me
tinha deixado sem palavras. Agora, Josy estava falando do netinho que já vai ao
jardim escola para a mãe poder trabalhar, mostrando-me vídeos dele com muita
graça. E na conversa que está a decorrer, de repente, a minha frustração esfuma-se
naquele preciso momento, deixando-me bem mais tranquila e sem o arrependimento
de ter falado no assunto ao ouvi-la dizer que o Vini estava a trabalhar com o
Mateus. Perguntei, espantada, o quê? Pensei que ele tinha recusado a proposta
do irmão!? Ah, mas pouco tempo depois acabou por voltar atrás e por sinal está
a correr tudo muito bem para os dois.
E, afinal, tudo
encaixou no sítio certo. Mas há coisas estranhas…
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