segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Tadeu e Vinicius - 105

 

Há coisas estranhas…

Tadeu e Vinicius, dois jovens brasileiros e irmãos por parte da mãe. O primeiro é o mais velho, com cerca de trinta anos e o segundo mais novo. A mãe, uma brasileira de quarenta e cinco anos, vive em Portugal há já muitos anos, no que está mais do que adaptada e onde gosta de viver, inclusive, casada com um português.

Tadeu e Vini vivem no Brasil, mas estão sempre em contacto com a mãe, através de mensagens de WhatsApp e chamadas de vídeo, onde têm acesso ao quotidiano uns dos outros, podendo aliviar as saudades. Tadeu é casado, trabalha por conta própria no seu negócio e a mulher idem. Segundo a mãe, Josy, têm uma vida muito boa em todos os aspectos, porque conseguem fazer muito dinheiro. Têm uma menina com sete anos, filha de um primeiro namorado da mãe e agora um menino com seis meses, filho de ambos.

Josy é minha vizinha, porque ela e o marido vivem no mesmo prédio que eu e não raras vezes estamos juntos. Pela nossa diferença de idades eu poderia perfeitamente ser mãe, tanto dela, como do marido, o que não impede que nos demos muito bem. Eles fazem muitos programas tando dentro de casa como fora, no qual me incluem, o que para mim é sempre muito agradável. E Josy tem sempre coisas para me contar da vida dela, seja daqui, seja do Brasil, ou da sua vida particular, enfim, conta-me muita coisa. Eu diria mesmo que me conta tudo da sua vida, para a qual eu sou sua fiel confidente, pois respeito tudo o que ela me fala e muito embora me atreva a dar a minha opinião, é apenas a minha opinião, sendo que as decisões que toma, por sua livre e espontânea vontade, são um direito seu.

A companhia deles é sempre muito bem-vinda, por se contrapor à minha solidão. O marido tem dois filhos ainda adolescentes, fruto do seu casamento anterior, que muitas vezes estão com eles. E embora se deem muito bem, como qualquer casal normal, às vezes há problemas. Aí, Josy desabafa sempre comigo, expondo o seu ponto de vista, em relação ao qual posso concordar ou não, mas são problemas deles e não tenho nada com isso, limitando-me simplesmente a ouvi-la.

Há tempos, início de Verão, uma vez mais me convidaram para ir com eles para a casa do Algarve, onde vão com frequência passar alguns dias, quando o trabalho de ambos o permitia. E nesses dias, além de algumas horas na praia, não havia o que fazer, pois as refeições eram sempre fora ou pedidas a casa, passando o tempo a assistir a qualquer coisa na televisão, mas muito mais conversando e jogando conversa fora.

E nas nossas longas horas de conversa eu já tinha na minha cabeça a visão de tudo o que ela me contava sobre a vida dos filhos no Brasil. Ela descrevia tantas vezes e com tanta minuciosidade que não dava para ignorar. Mesmo sem querer eu visualizava tudo, tal qual ela relatava. Já conhecia por dentro e por fora a casa de um e do outro filho e até o ambiente familiar no qual estavam inseridos. Visualizava as crianças, a rotina de todos, etc. E até já sabia tudo de cor e salteado, o que era engraçado, porque tudo isto era apenas de ouvir.

Estando, no Algarve, uma vez mais, ela começa a falar dos filhos e recebe um telefonema do mais velho, que lhe fala de um assunto que a deixa de certa forma encantada e esperançosa. Terminado o telefonema, imediatamente me põe a par e passo da situação. Tadeu trabalha em casa, num negócio de vendas online e tenciona chamar o irmão, Vini, para começar a trabalhar com ele.

Isto deixou Josy encantada, porque sempre dizia que tinha pena do filho mais novo, por conta do trabalho que fazia. Era um trabalho muito duro e ao ar livre, embora ele gostasse do que fazia. Além de que não era muito bem remunerado. Então, este convite do irmão mais velho para trabalhar com ele vinha a calhar, porque era em casa, sem o desgaste físico que o outro trabalho lhe dava. Ela falando, quando de repente me lembrei de um pormenor que imediatamente lhe contei. Nunca lhe tinha falado nisso, achando que era uma confusão qualquer minha e não fazia o menor sentido. Contudo, depois deste telefonema, a minha cabeça deu sinal e percebi que afinal, parecia que as coisas sempre encaixavam. Talvez não lhe devesse ter dito nada, mas foi mais forte do que eu.

Josy, disse-lhe, então é por isso que sempre que me falas do negócio do teu filho eu vejo o Vini lá, trabalhando, andando de lá para cá, com embalagens na mão, e nunca o Tadeu. Nem nunca me lembro de ter visualizado o Tadeu a não ser ao computador. É sempre, sempre o Vini. E nunca falei nada porque achei não fazer o menor sentido. Josy, que já está mais do que habituada às minhas estranhezas, que considera uma dádiva, imediatamente se expressou encantada e deliciada, dizendo, verdade? Não me digas isso! É tudo o que eu mais quero, é tirar o Vini daquele trabalho porque é muito duro. E se ele fosse trabalhar com o irmão era outro descanso em todos os aspectos. E continuou dizendo que queria, porque queria muito e, portanto, o que eu acabava de lhe dizer, dava-lhe uma imensa esperança de que as coisas seguissem esse rumo. Posso mesmo dizer que estava feliz, tanto com a novidade do telefonema do filho, como com aquilo que eu tinha acabado de dizer que via sempre, mesmo sem compreender, o que para ela era quase uma certeza.

Josy nunca escondeu o facto de achar que eu sou uma pessoa “especial”, muito à frente, segundo palavras dela, etc… etc… apenas porque teve alguns percalços, que acha que fui eu que os resolvi. Por exemplo, a máquina do café um dia deixou de trabalhar. Lamentou-se dizendo que agora não tinha café em casa e porque não sabia se a máquina tinha arranjo ou se tinha que comprar outra, o que era uma chatice. Estávamos ao telefone e disse-lhe para desligar e voltar a ligar. Horas depois ligou-me muito contente, feliz da vida porque tinha feito o que eu lhe tinha dito e a máquina imediatamente começou a trabalhar(!?). Rimos as duas, claro. Se calhar era apenas um mau contacto, só isso. Mas ela achou que foram as minhas boas energias. Outra vez foi a máquina de lavar do salão, que não fez a centrifugação. Disse-lhe para mudar de programa e experimentar. Ela rindo, disse, já sei, a máquina vai funcionar. O facto é que funcionou. Não tenho explicação, são apenas mudanças de atitude. Se calhar estava cansada daquele programa!

De modo que, quando lhe contei que via sempre o filho mais novo e nunca o mais velho, ela ficou maravilhada, porque era mesmo o que ela queria. Mas eu estava a ser muito franca com ela, ou seja, não estava a inventar nada para lhe ser simpática, que isso não faz o meu feitio. Agora só havia um handicap, ele aceitar ou não. Dependia apenas dele. E aí sim, percebi a sua forte apreensão.

De regresso a casa, os dias voltaram à sua rotina e novamente estamos juntas. Nas conversas habituais, lá vêm os filhos. E de repente, pergunto-lhe como está o assunto entre os dois, convencida de que o mais novo tinha aceitado o trabalho com o irmão. Mas para minha surpresa, ela respondeu que não, ou seja, o Vini tinha recusado, explicando que trabalho era trabalho e não queria de forma alguma pôr em risco a sua relação com o irmão. Por isso achava prudente não aceitar, continuando tudo como estava.

Eu mesma fiquei desiludida, mas compreendia a situação e no fundo achava que tinha alguma razão de ser. Em todo o caso, posso dizer com toda a verdade, que fiquei um pouco espantada e perdida, por ter saído completamente fora da verdade, isto é, por ter dito uma coisa que não correu como a minha intuição previa. Quase que me senti derrotada. Mas as coisas são como são e, então, talvez fosse mesmo apenas e somente alguma confusão da minha cabeça, como eu sempre tinha achado. Mas volta e meia pensava naquilo, sempre com um certo pesar, sempre com dificuldade em admitir que tinha falhado e que se calhar era preferível não ter dito nada. Se calhar estava mesmo a inventar. Mas porquê? Porque todas estas coisas saem do nosso controle e não são muito ou nada perceptíveis.

O tempo foi passando, passando, outros problemas apareceram e não foram poucos, tanto para eles como para mim e a vida acontecendo, com coisas que a única saída é aceitar, simplesmente. Já lá iam uns dois meses, desde aquele incidente que me tinha deixado sem palavras. Agora, Josy estava falando do netinho que já vai ao jardim escola para a mãe poder trabalhar, mostrando-me vídeos dele com muita graça. E na conversa que está a decorrer, de repente, a minha frustração esfuma-se naquele preciso momento, deixando-me bem mais tranquila e sem o arrependimento de ter falado no assunto ao ouvi-la dizer que o Vini estava a trabalhar com o Mateus. Perguntei, espantada, o quê? Pensei que ele tinha recusado a proposta do irmão!? Ah, mas pouco tempo depois acabou por voltar atrás e por sinal está a correr tudo muito bem para os dois.

E, afinal, tudo encaixou no sítio certo. Mas há coisas estranhas…


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