Quando a minha mãe faleceu, entre outras coisas, foi-me dado um anel que
teria sido o anel de noivado que o meu pai lhe oferecera. Tinha três pedras:
dois rubis e uma safira. De uma grande simplicidade, mas muito bonito, eu
adorava-o e recebera-o com muito carinho e ternura, sendo que raramente o
tirava do dedo.
Um dia, o meu filho Henrique era ainda muito pequeno, tive que levá-lo à
consulta de pediatria. Não tinha transporte para lá e por qualquer razão estava
sem carro. Então tivemos que andar um pouco a pé, descendo a rua, que nessa
altura ainda não era alcatroada. Não era longe, mas para uma criança de quatro
anos, o mesmo não se poderia dizer.
Era uma tarde de verão, pelo que estava quente, e lá fui eu, avenida
abaixo, de mão dada com ele que, com a transpiração, às vezes perdia-lhe a
mãozita. E lá voltava a agarrar a mãozinha dele, puxando um pouco mais,
para chegar a horas à consulta. Por aí a baixo, foram vezes sem conta que as
nossas mãos dadas se perderam, por conta de tanto transpirarem.
Fomos e voltámos para casa e a páginas tantas, apercebi-me de que me
faltava o anel. Fiquei aflita, olhando ao meu redor a ver se o tinha deixado
cair naquela altura, mas não o vi em lado nenhum. Posto isto, não tinha por
onde procurá-lo, pois tinha a certeza de não o ter tirado para nada e ele
estava no meu dedo, como de costume. Parei para pensar e rebobinar o filme,
tendo chegado à conclusão de que, numa daquelas vezes em que perdi a mãozinha
dele, o anel escorregara sem dar por isso. Era a única explicação plausível.
Pensava agora que por aquela avenida abaixo, caído na terra clara e
poeirenta, algures, estaria o anel da minha mãe. Onde teria sido? Que fazer? Eu
podia percorrer de novo o caminho, mas seria o mesmo que encontrar uma agulha num
palheiro. E quem poderia garantir que tivesse tido esse descaminho? Poderia ter
sido de outra maneira!? A minha cabeça rodopiava aflita, porque eu não podia
ter perdido aquele anel, tão importante que ele era para mim. Parecia que tinha
perdido uma parte de mim e eu não estava inteira. E comecei a sentir uma grande
tristeza, bem como um nefasto sentimento de culpa. Estava mal,
horrivelmente mal. Sentia-me até merecedora de um castigo.
Nessa noite, quando me deitei, sem deixar de pensar no assunto, chorei,
para me sentir um pouco aliviada e adormeci com a mágoa de ser certo não voltar
a ter o meu tão precioso anel.
A noite passou. Quando acordei, era outra. O sono tinha-me sido francamente
repousante e ilibara-me da carga emocional que pesava sobre mim. Tinha tido um
sonho espectacular. Maravilhoso! Parecia real, tão forte tinha sido a sua
sensação.
Eu entrava numa capela ou coisa que o valha. Ao fundo, um altar e uns
bancos de madeira corridos como os das igrejas católicas. No centro desse
altar, ornado de flores, estava uma imagem da Virgem, linda, tão linda que
parecia real. Perante aquela maravilha, comecei a caminhar lentamente na sua
direcção, com a intenção de me aproximar e lhe tocar. Ela irradiava luz e
parecia que uma frescura ou um sopro de vida, passava por ela. E à medida que
me aproximava tornava-se ainda mais real, mais bonita, mais luminosa, mais
pura e eu tinha que lhe tocar e ajoelhar aos seus pés e implorar que aliviasse
o meu sofrimento.
Mas eu ia andando e ela também e havia sempre uma distância entre nós, que
eu não conseguia encurtar, por mais que andasse. E sempre com os olhos
fixos nela começo a ver que o rosto dela é o rosto da minha mãe. E quanto
melhor a vejo, mais o rosto da minha mãe eu via, sorrindo docemente,
enquanto ia transmitindo a sua mensagem. Queria dizer-me que o anel não tinha
importância nenhuma e que não valia o meu sofrimento. Que tudo o que temos
nesta vida é matéria perecível e que nada justificava o estado de tristeza
em que eu me encontrava. Que o importante para ela era a minha felicidade,
a minha alegria e que nenhum anel ou outra coisa qualquer, eram mais preciosos
para ela, do que eu. Que ela me amava incondicionalmente e era tudo o que lhe
importava.
E eu queria chegar até ela, tocar as suas vestes de luz e ela dizia que
isso não podia acontecer. Que o nosso encontro não podia ser físico e que tinha
ido até ali só para me devolver a paz de espírito. E as minhas lágrimas de
felicidade rolavam pela cara abaixo, pedindo-lhe que não se fosse embora, que
ficasse, que me levasse com ela, porque queria estar junto dela e ela só dizia
que isso não podia ser de maneira nenhuma. Que ela tinha que partir, mas eu
tinha que ficar bem, porque estava tudo bem. E sorrindo se foi.
Quando acordei, revi o "filme" e entendi a mensagem. Tinha
entendido o sonho. Agradeci a Deus por aquela bênção tão grande e a partir
daí comecei a dar um valor diferente às coisas materiais. De facto, elas não me
fazem tanta falta assim. Aquele anel ensinou-me uma das maiores lições da vida
e esse foi o real valor que ele representou para mim. Sem dúvida.
A morte não é o fim. Quem sabe, o princípio...