sábado, 24 de março de 2012

O anel - 28


Quando a minha mãe faleceu, entre outras coisas, foi-me dado um anel que teria sido o anel de noivado que o meu pai lhe oferecera. Tinha três pedras: dois rubis e uma safira. De uma grande simplicidade, mas muito bonito, eu adorava-o e recebera-o com muito carinho e ternura, sendo que raramente o tirava do dedo.

 

Um dia, o meu filho Henrique era ainda muito pequeno, tive que levá-lo à consulta de pediatria. Não tinha transporte para lá e por qualquer razão estava sem carro. Então tivemos que andar um pouco a pé, descendo a rua, que nessa altura ainda não era alcatroada. Não era longe, mas para uma criança de quatro anos, o mesmo não se poderia dizer.

 

Era uma tarde de verão, pelo que estava quente, e lá fui eu, avenida abaixo, de mão dada com ele que, com a transpiração, às vezes perdia-lhe a mãozita. E lá voltava a agarrar a mãozinha dele, puxando um pouco mais, para chegar a horas à consulta. Por aí a baixo, foram vezes sem conta que as nossas mãos dadas se perderam, por conta de tanto transpirarem.

 

Fomos e voltámos para casa e a páginas tantas, apercebi-me de que me faltava o anel. Fiquei aflita, olhando ao meu redor a ver se o tinha deixado cair naquela altura, mas não o vi em lado nenhum. Posto isto, não tinha por onde procurá-lo, pois tinha a certeza de não o ter tirado para nada e ele estava no meu dedo, como de costume. Parei para pensar e rebobinar o filme, tendo chegado à conclusão de que, numa daquelas vezes em que perdi a mãozinha dele, o anel escorregara sem dar por isso. Era a única explicação plausível.

 

Pensava agora que por aquela avenida abaixo, caído na terra clara e poeirenta, algures, estaria o anel da minha mãe. Onde teria sido? Que fazer? Eu podia percorrer de novo o caminho, mas seria o mesmo que encontrar uma agulha num palheiro. E quem poderia garantir que tivesse tido esse descaminho? Poderia ter sido de outra maneira!? A minha cabeça rodopiava aflita, porque eu não podia ter perdido aquele anel, tão importante que ele era para mim. Parecia que tinha perdido uma parte de mim e eu não estava inteira. E comecei a sentir uma grande tristeza, bem como um nefasto sentimento de culpa. Estava mal, horrivelmente mal. Sentia-me até merecedora de um castigo.

 

Nessa noite, quando me deitei, sem deixar de pensar no assunto, chorei, para me sentir um pouco aliviada e adormeci com a mágoa de ser certo não voltar a ter o meu tão precioso anel.

 

A noite passou. Quando acordei, era outra. O sono tinha-me sido francamente repousante e ilibara-me da carga emocional que pesava sobre mim. Tinha tido um sonho espectacular. Maravilhoso! Parecia real, tão forte tinha sido a sua sensação.

 

Eu entrava numa capela ou coisa que o valha. Ao fundo, um altar e uns bancos de madeira corridos como os das igrejas católicas. No centro desse altar, ornado de flores, estava uma imagem da Virgem, linda, tão linda que parecia real. Perante aquela maravilha, comecei a caminhar lentamente na sua direcção, com a intenção de me aproximar e lhe tocar. Ela irradiava luz e parecia que uma frescura ou um sopro de vida, passava por ela. E à medida que me aproximava tornava-se ainda mais real, mais bonita, mais luminosa, mais pura e eu tinha que lhe tocar e ajoelhar aos seus pés e implorar que aliviasse o meu sofrimento. 

 

Mas eu ia andando e ela também e havia sempre uma distância entre nós, que eu não conseguia encurtar, por mais que andasse. E sempre com os olhos fixos nela começo a ver que o rosto dela é o rosto da minha mãe. E quanto melhor a vejo, mais o rosto da minha mãe eu via, sorrindo docemente, enquanto ia transmitindo a sua mensagem. Queria dizer-me que o anel não tinha importância nenhuma e que não valia o meu sofrimento. Que tudo o que temos nesta vida é matéria perecível e que nada justificava o estado de tristeza em que eu me encontrava. Que o importante para ela era a minha felicidade, a minha alegria e que nenhum anel ou outra coisa qualquer, eram mais preciosos para ela, do que eu. Que ela me amava incondicionalmente e era tudo o que lhe importava.

 

E eu queria chegar até ela, tocar as suas vestes de luz e ela dizia que isso não podia acontecer. Que o nosso encontro não podia ser físico e que tinha ido até ali só para me devolver a paz de espírito. E as minhas lágrimas de felicidade rolavam pela cara abaixo, pedindo-lhe que não se fosse embora, que ficasse, que me levasse com ela, porque queria estar junto dela e ela só dizia que isso não podia ser de maneira nenhuma. Que ela tinha que partir, mas eu tinha que ficar bem, porque estava tudo bem. E sorrindo se foi.

 

Quando acordei, revi o "filme" e entendi a mensagem. Tinha entendido o sonho. Agradeci a Deus por aquela bênção tão grande e a partir daí comecei a dar um valor diferente às coisas materiais. De facto, elas não me fazem tanta falta assim. Aquele anel ensinou-me uma das maiores lições da vida e esse foi o real valor que ele representou para mim. Sem dúvida.

 

A morte não é o fim. Quem sabe, o princípio...