Há
mais de vinte anos atrás fui a um oftalmologista para retirar um pequeníssimo
sinal que me apareceu na pálpebra inferior do olho esquerdo, mais exactamente
entre as pestanas, o que parecia o encravamento de uma delas ou mais, e comecei
a embirrar com aquilo. Fui ao médico que me confirmou que não era nada maligno
mas se queria tirar, tirava-se e resolvia-se o problema. Assim fiz. O sinal foi
retirado, contudo, após a cicatrização a coisa não melhorou porque apenas tomou
outra forma, ou seja, no mesmo sítio, ficou uma marca equivalente a um sinal,
diferente, mas um sinal.
Dei
tempo para que aquilo desaparecesse, o que não aconteceu, pelo contrário, desenvolveu-se ainda mais. É certo que estou a falar de uma
coisa minúscula, mas por ser no sítio em que era, incomodava-me do ponto de
vista estético. Incomodava-me a mim, que sabia que o tinha e o via com espelho
de aumentar, porque aos outros passava completamente despercebido. A questão é
que não tinha mesmo valido a pena ter mexido naquilo. O resultado estava à
vista. E agora não me arriscava a voltar a tirar. Portanto, a solução era
esquecer. Mas isso era fácil de dizer. A questão é que eu estava sempre a ver e
a fazer as minhas próprias críticas e havia alturas em que me chateava mais do
que outras.
O
tempo foi passando e andei anos com isto. A maquilhagem era sempre muito
cautelosa para disfarçar, porque ainda que os outros não reparassem eu sabia
que o tinha e incomoda-me. Em todo o caso, durante muito tempo aprendi a viver
assim e a maior parte do tempo até me esquecia.
Até
que chegou um dia em que reparei que o sinal tinha tomado uma forma um pouco
diferente, porque estava ligeiramente maior. E novamente comecei a dar-lhe mais
atenção e a embirrar ainda mais com aquilo. E andava constantemente a olhar no
espelho o aspecto da coisa, que não gostava nada de ver. Estava na hora de
voltar a pensar em tirar. A questão é que tinha que ser alguém confiável e que
me resolvesse o problema de vez e bem, para não acontecer o mesmo. E andei uma
série de tempo com o assunto em mente para resolver da melhor maneira possível.
Pensei em vários médicos, mas estava sempre com um certo receio. E acabei por
deixar andar, à espera que a solução caísse do céu. Mas, entretanto, chegou um
dia em que havia um evento para o qual tinha que me arranjar um pouco melhor do
que o habitual, o que também exigia uma maquilhagem perfeita. Como
aquilo estava maior e um pouco mais em evidência, foi mais difícil, ainda
assim, consegui disfarçar muito bem o indesejado sinal.
Porém,
acabada a festa e de regresso a casa, chegou a noite e a hora de retirar a
maquilhagem e limpar o rosto. Findo este processo, frente ao espelho, reparo
que o sinal estava horrível, muito feio, alterando completamente a minha
fisionomia, porque tinha ganho uma cor que agora não queria sair de maneira
nenhuma e eu já não podia mexer mais para não irritar a pele. Olhando bem para
mim, no espelho, decidi que no dia seguinte iria tomar as providências
necessárias para encontrar o sítio certo para uma vez mais o tirar. Agora seria
definitivo. A minha paciência com aquilo tinha acabado de vez.
No
dia seguinte quando me levantei e fui tomar duche, logo me deparei com o chato
do sinal e nem me apetecia olhar para o espelho. Precisava de sair para fazer
umas compras de supermercado e tratar de mais outras coisas e depois
concentrar-me-ía naquele assunto. Pus os óculos de sol para não ter que olhar
para aquela coisa e fui à minha vida. Na estrada nacional, passando em frente
do meu oculista, decidi parar e perguntar se por acaso não tinham um
oftalmologista que me resolvesse o problema. Responderam que não,
mas que ali um pouco mais adiante, havia uma clínica de dermatologia onde
tiravam sinais e que fariam aquilo na perfeição. Senti convicção por parte
deles na informação que me estavam a sugerir e decidi que o faria. Porém,
àquela hora não estava lá ninguém, pelo teria que esperar para o dia seguinte.
No dia seguinte livrar-me-ía daquilo de uma vez por todas, estava decidido.
Cheguei
a casa sentindo-me aliviada pela tomada de decisão, sendo que a recomendação me
parecia bastante segura e ainda por cima à porta de casa, pelo que no dia
seguinte, logo de manhã, iria lá direitinha. Agora estava decidido, porque eu
não queria mais o meu olho assim. Aquilo tinha que desaparecer. Queria
maquilhar-me à vontade ou não me maquilhar, mas não ter que me preocupar
constantemente e diariamente com aquela coisa. Há anos que me vinha aborrecendo
demais por uma coisa tão insignificante! Estava na hora. Olhei fixamente no
espelho e visualizei o meu rosto livre do sinal. Sem dúvida, no dia seguinte
ele desapareceria como que por magia. Já era!
E
o dia seguinte chegou. Acordei e logo me lembrei do que me tinha proposto
fazer. Levantei-me e tranquilamente fui para a casa de banho para a minha
higiene diária. E mais uma vez olho-me no espelho para ver o aspecto do sinal.
Surpresa das surpresas, o sinal não estava lá. Fui para o espelho de aumentar e
nem sinal dele. Olhei, olhei demoradamente, mas o sinal tinha desaparecido como
que por magia. Não, não havia mais sinal. A pele estava lisa e sem marca. Era
impressionante! O inusitado é que não desapareceu num dia qualquer. Desapareceu
exactamente quando me propus, quando me determinei a tirá-lo. E uma vez mais
constactei a força e o poder do pensamento, porque foi isso mesmo que
aconteceu. O poder do pensamento é uma coisa maravilhosa que, infelizmente,
continuamos a ignorar.
E
já não precisava mais de ir à clínica. Estava livre daquilo. Mas sobretudo,
estava maravilhada por uma vez mais poder admirar o quanto pode a nossa mente.
A força que está em nós contida é como um diamante em bruto. Temos tantas
capacidades que estão fechadas, bloqueadas, à espera apenas de uma oportunidade
para virem à tona e se fazerem ouvir. É fascinante, poder pensar que não somos
só isto que vemos ao espelho, mas somos muito, muito mais. Não somos deuses,
mas sem dúvida temos o poder que conseguirmos e quisermos alcançar. Ele só está
à espera de uma oportunidade nossa. E essa oportunidade que um dia tem que
chegar é, nem mais nem menos, o poder do pensamento.