domingo, 26 de abril de 2020

O poder do pensamento - 85



Há mais de vinte anos atrás fui a um oftalmologista para retirar um pequeníssimo sinal que me apareceu na pálpebra inferior do olho esquerdo, mais exactamente entre as pestanas, o que parecia o encravamento de uma delas ou mais, e comecei a embirrar com aquilo. Fui ao médico que me confirmou que não era nada maligno mas se queria tirar, tirava-se e resolvia-se o problema. Assim fiz. O sinal foi retirado, contudo, após a cicatrização a coisa não melhorou porque apenas tomou outra forma, ou seja, no mesmo sítio, ficou uma marca equivalente a um sinal, diferente, mas um sinal.

Dei tempo para que aquilo desaparecesse, o que não aconteceu, pelo contrário, desenvolveu-se ainda mais. É certo que estou a falar de uma coisa minúscula, mas por ser no sítio em que era, incomodava-me do ponto de vista estético. Incomodava-me a mim, que sabia que o tinha e o via com espelho de aumentar, porque aos outros passava completamente despercebido. A questão é que não tinha mesmo valido a pena ter mexido naquilo. O resultado estava à vista. E agora não me arriscava a voltar a tirar. Portanto, a solução era esquecer. Mas isso era fácil de dizer. A questão é que eu estava sempre a ver e a fazer as minhas próprias críticas e havia alturas em que me chateava mais do que outras.

O tempo foi passando e andei anos com isto. A maquilhagem era sempre muito cautelosa para disfarçar, porque ainda que os outros não reparassem eu sabia que o tinha e incomoda-me. Em todo o caso, durante muito tempo aprendi a viver assim e a maior parte do tempo até me esquecia.

Até que chegou um dia em que reparei que o sinal tinha tomado uma forma um pouco diferente, porque estava ligeiramente maior. E novamente comecei a dar-lhe mais atenção e a embirrar ainda mais com aquilo. E andava constantemente a olhar no espelho o aspecto da coisa, que não gostava nada de ver. Estava na hora de voltar a pensar em tirar. A questão é que tinha que ser alguém confiável e que me resolvesse o problema de vez e bem, para não acontecer o mesmo. E andei uma série de tempo com o assunto em mente para resolver da melhor maneira possível. Pensei em vários médicos, mas estava sempre com um certo receio. E acabei por deixar andar, à espera que a solução caísse do céu. Mas, entretanto, chegou um dia em que havia um evento para o qual tinha que me arranjar um pouco melhor do que o habitual, o  que também exigia uma maquilhagem perfeita. Como aquilo estava maior e um pouco mais em evidência, foi mais difícil, ainda assim, consegui disfarçar muito bem o indesejado sinal.

Porém, acabada a festa e de regresso a casa, chegou a noite e a hora de retirar a maquilhagem e limpar o rosto. Findo este processo, frente ao espelho, reparo que o sinal estava horrível, muito feio, alterando completamente a minha fisionomia, porque tinha ganho uma cor que agora não queria sair de maneira nenhuma e eu já não podia mexer mais para não irritar a pele. Olhando bem para mim, no espelho, decidi que no dia seguinte iria tomar as providências necessárias para encontrar o sítio certo para uma vez mais o tirar. Agora seria definitivo. A minha paciência com aquilo tinha acabado de vez.

No dia seguinte quando me levantei e fui tomar duche, logo me deparei com o chato do sinal e nem me apetecia olhar para o espelho. Precisava de sair para fazer umas compras de supermercado e tratar de mais outras coisas e depois concentrar-me-ía naquele assunto. Pus os óculos de sol para não ter que olhar para aquela coisa e fui à minha vida. Na estrada nacional, passando em frente do meu oculista, decidi parar e perguntar se por acaso não tinham um oftalmologista que me resolvesse o problema.  Responderam que não, mas que ali um pouco mais adiante, havia uma clínica de dermatologia onde tiravam sinais e que fariam aquilo na perfeição. Senti convicção por parte deles na informação que me estavam a sugerir e decidi que o faria. Porém, àquela hora não estava lá ninguém, pelo teria que esperar para o dia seguinte. No dia seguinte livrar-me-ía daquilo de uma vez por todas, estava decidido.

Cheguei a casa sentindo-me aliviada pela tomada de decisão, sendo que a recomendação me parecia bastante segura e ainda por cima à porta de casa, pelo que no dia seguinte, logo de manhã, iria lá direitinha. Agora estava decidido, porque eu não queria mais o meu olho assim. Aquilo tinha que desaparecer. Queria maquilhar-me à vontade ou não me maquilhar, mas não ter que me preocupar constantemente e diariamente com aquela coisa. Há anos que me vinha aborrecendo demais por uma coisa tão insignificante! Estava na hora. Olhei fixamente no espelho e visualizei o meu rosto livre do sinal. Sem dúvida, no dia seguinte ele desapareceria como que por magia. Já era!

E o dia seguinte chegou. Acordei e logo me lembrei do que me tinha proposto fazer. Levantei-me e tranquilamente fui para a casa de banho para a minha higiene diária. E mais uma vez olho-me no espelho para ver o aspecto do sinal. Surpresa das surpresas, o sinal não estava lá. Fui para o espelho de aumentar e nem sinal dele. Olhei, olhei demoradamente, mas o sinal tinha desaparecido como que por magia. Não, não havia mais sinal. A pele estava lisa e sem marca. Era impressionante! O inusitado é que não desapareceu num dia qualquer. Desapareceu exactamente quando me propus, quando me determinei a tirá-lo. E uma vez mais constactei a força e o poder do pensamento, porque foi isso mesmo que aconteceu. O poder do pensamento é uma coisa maravilhosa que, infelizmente, continuamos a ignorar.

E já não precisava mais de ir à clínica. Estava livre daquilo. Mas sobretudo, estava maravilhada por uma vez mais poder admirar o quanto pode a nossa mente. A força que está em nós contida é como um diamante em bruto. Temos tantas capacidades que estão fechadas, bloqueadas, à espera apenas de uma oportunidade para virem à tona e se fazerem ouvir. É fascinante, poder pensar que não somos só isto que vemos ao espelho, mas somos muito, muito mais. Não somos deuses, mas sem dúvida temos o poder que conseguirmos e quisermos alcançar. Ele só está à espera de uma oportunidade nossa. E essa oportunidade que um dia tem que chegar é, nem mais nem menos, o poder do pensamento.