segunda-feira, 23 de maio de 2022

As novas tecnologias - 102

 

Há dez minutos que eu estava sentada, com a atenção focada no quadro em frente, à espera de ser chamada para a consulta de oftalmologia, num dos Hospitais da Cuf. Tinha tido consulta há cerca de seis meses no hospital público, por isso, em princípio estaria tudo bem. Mas o problema da alergia, para o qual já tinha consultado a dermatologista, não me dava tréguas. Por vezes, as minhas pálpebras começavam a inchar de uma maneira estranha, ficando vermelhas, o que me dava imensa comichão, difícil de resistir. E quanto mais coçava, mais comichão me dava e os olhos ficavam uma lástima por dentro e por fora. Já tinha ido à farmácia e também me tinham dado gotas para a alergia ocular e pomadas e cremes para as pálpebras, mas nada surtia grande efeito e eu estava muito baralhada no meio de tanta coisa, que já não sabia o que fazer. Decidi então, na tentativa de ser uma última vez, ir a um oftalmologista privado, levar toda a tralha que tinha da farmácia e dos outros médicos, para me orientar e dizer o que deveria fazer correta e definitivamente e pôr fim àquele suplício que, não sendo nada de muito grave, nem por isso deixava de me incomodar o suficiente.

Ao fim de dez minutos de espera, uma assistente vem à sala de espera chamando o meu nome e pedindo-me para a acompanhar. Encaminhou-me pelo corredor e parou, com papéis na mão, dizendo para aguardar a auxiliar de enfermagem que me levaria à sala de exames, onde seria devidamente observada para depois ser vista pelo médico.

E aí, pensei para comigo mesma, que não pretendia exames. Não precisava. Só queria uma opinião em relação ao que deveria fazer exatamente como certo e mais nada. Mas acabei por ser interrompida nos meus pensamentos, pela auxiliar de bata branca que, dirigindo-se à minha pessoa, me cumprimentou e me pediu para a acompanhar. Bem, lá fui com ela, cogitando na possibilidade de a interpelar para me poder explicar em relação ao pretendido, porque achava que realmente não necessitava de exames.

O facto é que ela abriu a porta do gabinete e pediu para me sentar em frente ao equipamento, sem que eu recusasse e falasse o que tinha em mente. Porque é que me hei de sujeitar a estes exames? Em princípio estará tudo bem!? Portanto, para além da consulta, ia ter de pagar mais os exames, que não são propriamente baratos. Mas o facto é que da minha boca nada saía. E eu até me sentia indignada comigo mesma, pelo facto de não me explicar e dizer, atenção, eu não vim aqui para fazer exames, vim por outro motivo.

Mas, entretanto, enquanto a minha cabeça trabalhava cheia de dúvidas e de incertezas, a auxiliar, uma garota muito jovem, muito calma e simpática, diz que não está a perceber o que se está a passar com o equipamento, que tem estado em perfeitas condições e de repente não quer funcionar. Não quer funcionar?! Ouvi bem o que ela disse e a minha intuição imediatamente deu sinal de alerta, conectando-se.

Silenciosa, ela tentava por todas as vias que estavam ao seu alcance, perceber o que se passava com o computador, enquanto eu continuava com os meus pensamentos em negação, achando que era uma perda de tempo e de dinheiro, fazer aqueles exames e o melhor seria aproveitar a oportunidade de o computador estar a meu favor e dizer que não tinha importância, porque eu não precisava de fazer os exames.

Ela pedia desculpa, dizendo que realmente não conseguia perceber o que se estava a passar e eu sempre pensando que estava na altura de falar. Só que não me saía o que eu queria dizer, o que não é muito normal em mim. E ela desfazendo-se em desculpas pelo tempo que achava que me estava a roubar. O que ela não sabia é que esse era o menor dos males, uma vez que eu tinha o tempo todo por minha conta. E mais, o que ela nem imaginava é que o computador estava sob um controle que ela desconhecia. E eu sabia também que não falava porque me estava a dar conta dessa situação insólita e precisava de ter a certeza absoluta disso. Porque, tal facto, podia ter-me escapado e passado completamente despercebido. Mas se a minha intuição tinha dado sinal, eu estava simplesmente a seguir a sua indicação e de acordo com essa informação vinda do campo holístico, o problema do computador não funcionar era pura e simplesmente consequência da minha dúvida. Assim, decidiu chamar um colega para, em conjunto, tentarem resolver o problema.

As novas tecnologias são a grande maravilha, a maior descoberta do mundo em que vivemos e porque não dizer universal, independentemente do seu tamanho, dimensão e infinidade. As tecnologias abrem-nos as portas para outros patamares nunca antes imaginados. E por último, mas não muito, a inteligência artificial é a maior conquista do ser humano até hoje. Mas não será a última, acredito que não. Com ela é possível fazer o impensável e chegar sabe-se lá onde. Quem, em sã consciência, acredita que hoje em dia poderia viver sem Internet, sem telemóvel, sem computador, etc...!?

A evolução tecnológica disparou e continua a disparar a uma velocidade sem precedentes. É importante estar a par e tentar acompanhar, o que pode não ser tarefa fácil. Cada um deve fazer o melhor que puder e contribuir para este crescimento e, mais importante do que tudo, utilizar as novas ferramentas para coisas válidas, para coisas que valham a pena e ajudem a humanidade a progredir positivamente e não de maneira fútil e desinteressante e muito menos para a destruição e para o mal. Temos toda essa pesada responsabilidade. Validar as tecnologias e seguir sempre nessa direção, sem dúvida. Contudo, por mais longe que consigamos chegar, aonde quer que elas nos levem, e não obstante a falta e a necessidade que nos fazem, para não falar da dependência… apesar de tudo e não desvalorizando absolutamente nada, a mente humana ganha pontos. Sem dúvida, e é isso que me dá força e ânimo e vontade de caminhar sem medo e sem angústia.

Há já alguns anos atrás, quando na RTP comecei a trabalhar com o computador e posso dizer com toda a verdade, que fui das primeiras mulheres a utilizar o computador para a quase totalidade do meu trabalho, estando um dia num programa de excel, aconteceu uma coisa interessante. Eu já trabalhava em excel há muito tempo, mas uma vez em que tive que parar para atender o telefone, o écran interrompeu o excel, como era natural, e começou a passar um fundo que tinha sido escolhido por mim e que era umas flores de lótus, muito bonitas e muito relaxantes.

Já tinham passado pelos meus olhos centenas de vezes, mas naquele dia, antes de reiniciar o trabalho de excel, fiquei a admirar e pensei que era muito bonito o que via. Apenas, se fosse eu que tivesse feito, teria alterado as cores das flores e ter-lhes ia dado outras tonalidades, que surgiram de imediato na minha imaginação, lamentando o facto de não conseguir ser exactamente como eu gostaria, o que não era nada de importante.

E de repente, sem mais nem menos, as flores começam a cair com as cores alteradas, precisamente como eu as tinha imaginado. Sem pôr nem tirar. Fiquei perplexa, sem perceber o que se estava a passar. Como é que podia acontecer uma coisa daquelas? Eu já tinha o programa há séculos e aquilo nunca tinha acontecido. Naquele dia pensei nas flores com outras cores e ele, como que obedecendo à minha vontade, desata a deitar as flores precisamente como eu as imaginei!?... Exatamente naquele momento!

Depois, falando com um técnico a quem relatei o assunto sem entrar em pormenores, foi-me explicado que provavelmente o programa estava muito pesado, o que de facto aconteceu, e que levou à desconfiguração da imagem. Claro, estava explicado. Tinha que haver uma explicação. Mas porque é que só aconteceu exactamente no momento em que a minha cabeça como que “pediu”? A mente humana ganha pontos ou não?!

Voltando atrás, a minha dúvida continuava em relação a fazer ou não os exames e o computador continuava a não dar sinais de querer avançar. Agora, os dois assistentes em silêncio, olhavam para o écran, na tentativa de encontrar a solução, enquanto eu ainda não me tinha decidido se queria ou não fazer os exames. Neste impasse todo, cheguei finalmente à conclusão de que mais uns exames não iriam fazer mal, antes pelo contrário, e o dinheiro, também não era por aí. Como se diz: vão-se os anéis, ficam-se os dedos.

Pois bem, naquele preciso momento decidi que sim, faria os exames. Sim, já não tinha dúvidas. E também não tinha dúvidas de que naquele preciso momento, o computador deixaria de continuar a dar trabalho aos dois assistentes, para recomeçar imediatamente a trabalhar, obedecendo à minha vontade, e repito, de querer fazer os exames, o que de facto aconteceu, para grande alívio dos dois, que estavam completamente baralhados. Coincidência? Não. Muito pelo contrário. A falta de coragem do ser humano faz com que se torne incapaz de validar os factos tal como são, preferindo enquadrá-los e qualificá-los apenas como insignificantes coincidências, sem qualquer relevância.

O homem ainda continua de olhos fechados, sem os conseguir abrir. Mas só não os abre porque não quer. Porque não acredita em si. Acredita em tudo e mais alguma coisa. Acredita em tudo o que vê e ouve, só não acredita no que não vê e não ouve. Pôr a inteligência a trabalhar para se desligar da intuição não resulta. As duas coisas têm que caminhar juntas. Continua a existir uma Verdade Maior por descobrir. E essa não se pode ensinar nem transmitir, porque é parte inerente e exclusiva do ser humano e cada um tem o que tem.

As novas tecnologias são a marca do tempo. A inteligência artificial comandará o mundo novo. Mas à frente de tudo e maior do que tudo, para os que querem e para os que não querem, para os que acreditam ou não… para nossa maior felicidade e para o nosso maior bem… a mente humana sempre se sobreporá e sempre ganhará pontos. 

 


sábado, 21 de maio de 2022

Era uma vez... um gato siamês... - 101

 

Nicole era uma inglesa, professora, dava aulas de inglês e vivia sozinha. Solteira, sem filhos, os pais viviam em Inglaterra. Apesar de ser discreta, tinha amigos e gostava de sair e divertir-se, como era normal. Tinha carro, mas raramente conduzia, porque preferia andar nos transportes públicos. E também tinha um gato. Um gato siamês que ela tratava com todo o amor, cuidando de todos os pormenores e dando-lhe tudo do bom e do melhor.

Era o seu gato, o seu bichano, que estava sempre em casa à sua espera. Nicole não tinha do que se queixar da vida. Uma mulher jovem com cerca de quarenta anos e uma vida bem confortável. De vez em quando ia a Inglaterra para matar saudades do seu país e estar com os pais e restante família.

Um dia, numa viagem, conheceu Eric. Eric era australiano e tinha uma quinta onde vivia permanentemente. Divorciado, com duas filhas adolescentes, mantinha um relacionamento civilizado com a ex-mulher. Nessa viagem, Nicole e Eric trocaram impressões, conheceram-se um pouco e ficaram amigos, tendo mantido a comunicação um com o outro por aí fora. Aos poucos foram-se aproximando emocionalmente e tornaram-se íntimos. Foi então que começou o namoro, ou seja, os dois assumiram um relacionamento. Porque não? Se se encantaram um pelo outro, se ambos eram desimpedidos e livres, porque não dar uma oportunidade a si mesmos de serem felizes e aproveitar da vida o que há de melhor?!

Tudo corria às mil maravilhas, porém, com um pequeno pormenor: a distância. A distância era realmente um grande problema, porque para nós, a Austrália é mesmo no fim do mundo, quer dizer, do outro lado do mundo. Nicole foi lá, esteve lá, não muito tempo por causa do trabalho, mas o bastante para ficar encantada e deliciada com o mundo de Eric, um mundo novo que abria um caminho sorrindo, mas com esta tremenda dificuldade, muito difícil de ser ultrapassada.

Eric também veio a Portugal por diversas vezes. Uma vez até esteve algumas semanas com as duas filhas. E dava gosto vê-los, porque todos tinham um ar radiante e feliz. Uma nova família surgia, com uma excelente perspetiva de harmonização. Enfim, o amor estava no ar, de vários lados e com várias facetas porque, ao que parece, Nicole e a ex-mulher de Eric conheceram-se e entenderam-se bem, sem problemas nem ressentimentos, o que foi muito bom para todos. Tudo parecia em ordem para poder caminhar. Somente o problema da distância se entrepunha no caminho de ambos e não era pouco.

Então, um dia, para poderem desfrutar do amor que sentiam e queriam ver crescer, foi tomada uma grande decisão. Nicole iria viver para a Austrália. Para ela era indiferente. De qualquer modo, já estava fora do seu país de origem, por isso, estar aqui ou estar ali, tanto fazia. Não tinha nada que a ligasse especialmente a Portugal. Já para Eric era muito complicado mudar-se. Porque viria, se a própria Nicole nem portuguesa era? Ele não se apaixonara por uma portuguesa, mas por uma inglesa. E para Eric vir para Portugal, quem tomaria conta da quinta? E as filhas como ficariam? Perto do pai e longe da mãe ou vice-versa?

Nicole tomou a decisão considerada por eles como certa: mudar-se de armas e bagagens para a Austrália. Estava tudo certo na sua cabeça. Alugaria o seu apartamento, até ver, para não ficar desabitado e mais adiante se veria. Mas, para já, estava resolvido. Apenas um pormenor a inquietava. Um pormenor que não era pequeno, ou seja, era e não era. O seu gato siamês. Aquele fofo que parecia uma bola de lã, lindíssimo e bem tratado, que ela tanto amava. Mas Nicole não queria levá-lo. O amor que nutria pelo seu bichano, impedia-a de o levar, pelo facto de ser um percurso demasiado longo, achando que o animal não iria aguentar tantas horas de viagem!?...

E agora, o que fazer? Decidiu então procurar alguém a quem doar, para ficar com ele e cuidar muito bem dele. Fez várias tentativas, mas ninguém respondia. As coisas começaram todas a tomar o rumo certo para a sua partida e o problema do gato não se resolvia. E apesar de ser o gato que sempre tinha estado com ela e que preenchia as suas horas de solidão, Nicole não queria levá-lo, sempre insistindo que gostava demasiado dele para o sujeitar a uma viagem daquelas!?...

O tempo estava a esgotar-se e Nicole não tinha solução, simplesmente porque ninguém se candidatava ao seu tão querido, tão “precioso” gato siamês. Mas Nicole não ia desistir do seu plano. Isso nunca, jamais… e para grandes males, grandes remédios. E assim viu-se obrigada a tomar outra dura decisão. Uma decisão de peso, mas tudo por “amor”: mandar abater o bichano. Sem dúvida, tudo por amor(!?), porque amava demais o seu bicho para o deixar a sofrer. E com ele morto, o seu (dela) problema estava resolvido e finalmente poderia partir, livre de tudo o que ficava para trás, simplesmente porque nada daquilo lhe fazia mais falta…

Agora sim, Nicole estava livre. Podia respirar aliviada, porque não havia pedra nem entrave no seu caminho. Na Austrália seria feliz, finalmente, na sua nova família, onde tudo seria perfeito. O seu gato não ficara em sofrimento, simplesmente porque tomara a decisão certa, segundo a sua ótica. Nicole desapareceu, pois, da face da terra portuguesa, para aparecer no outro lado do mundo e sem o seu tão querido gato, que muito provavelmente não aguentaria a viagem (!)…

Mas ela aguentou e como! Chegou feliz como nunca antes. Instalou-se na sua nova casa, na sua nova vida e na sua nova família. Pronta a dar tudo por tudo para ser feliz a qualquer preço. As amigas portuguesas e não só, poderiam dar disso testemunho pelos registos do Facebook e outras coisas mais. As fotos eram uma postagem infindável e fidelíssima. O seu tempo tinha chegado. A sua hora estava mais do que na hora. Nicole tinha toda uma vida pela frente com o seu amado Eric, que até parecia ser uma boa pessoa.

O amor está envolvido em estranhos sentimentos. Por vezes parece que animais sentem como humanos e humanos como animais. Que coisa estranha!? Talvez eles nos pudessem ensinar e dar lições de amor, se lhes déssemos essa oportunidade!? Quando nos pomos a analisar os sentimentos, se é que isto é possível, descobrimos um oceano desconhecido e indecifrável.

Mas o tempo passou… e um belo dia, talvez um ano depois, talvez nem tanto, no meio de tanta alegria, subitamente, apareceu quem não estava faltando, quem não fazia absolutamente falta. Nicole não queria, não queria mesmo, de tanto que já amava Eric. Mas ela foi mais forte e contra tudo e todos cumpriu a sua missão. O destino por vezes é cruel, tanto para os animais como para o homem!

 Pois é… a morte fez-se presente e levou Eric para sempre.