Quando eu era criança, falar em
assombração era coisa corrente. Hoje em dia já ninguém
fala desses assuntos. Em todo o caso, existem documentários que
passam em certos canais da televisão que dissecam esses assuntos, com todos os
pormenores, relatando casos com toda a exactidão.
Quando me divorciei tive que comprar um
apartamento para mim e para o meu filho. E um dia, uma amiga falou-me de um,
que ela sabia estar à venda, na zona que eu lhe tinha indicado e com as
condições que eu pretendia. Porém, tinha um problema: a casa estava
assombrada.
Não dei importância ao assunto, antes pelo
contrário, fiquei muito interessada e pedi-lhe que fosse comigo ver. Mas ela
não gostou da ideia e respondeu que não. Dava-me os contactos, mas ir
comigo nem pensar. Morria de medo. Assim, lá fui eu sozinha.
Surpreendentemente, assim que entrei,
senti-me em casa e à medida que ia vendo, reconhecia ser exactamente
aquilo que tinha imaginado. Um terceiro andar num prédio de dez
andares, sendo que a construção era boa e o lugar muito agradável, com
pequenos ajardinados em volta, fora das ruas principais, com espaço para o
Henrique andar de bicicleta e jogar à bola e ainda tinha perto tudo o que
era necessário. Enfim, era agradável, com imensa luz, janelas e
portas amplas e uma varanda que era um espectáculo. Porém, estava um lixo,
porque há sete anos que não era habitado. E aqui começa a confusão.
Tinham havido algumas tentativas de
compra, mas as pessoas acabavam desistindo. Razões? Várias. O antigo
proprietário suicidara-se lá dentro, na casa de banho, que tinha ainda
intactas as marcas de sangue. Duas vizinhas contaram-me que já tinham
visto o fantasma do falecido à porta de casa e até tinha falado com elas.
E eram pessoas de toda a credibilidade, educadas e com formação académica de
nível superior, sendo que uma delas era psicóloga clínica.
Que fazer!? Para ser franca eu tinha gostado do apartamento. Estava de bom
tamanho para as minhas necessidades e também para a minha bolsa. O preço era
significativamente mais baixo do que os equivalentes naquela zona, por conta da
história que corria da assombração. Mas aquela diferença de preço era
significativa para mim.
Que fazer!? Eu até tinha gostado da
sensação agradável que tinha tido ao entrar lá! Qual assombração? Não senti
nada que me incomodasse. O que é isso de assombração? De onde vinham aquelas
histórias e como proliferavam e passavam de uns para os outros!? Estranho!...
Bom, depois de pensar muito bem em tudo,
decidi que o apartamento seria meu e ponto final. E como a escritura demorou
quase dois anos para se efectuar, por conta dos herdeiros que eram dois
menores e filhos de mães diferentes, consegui que me concedessem uma
autorização para habitar a casa uns meses antes, para ir adiantando o que tinha
que fazer por lá. E a casa foi pintada e limpa. Mas havia coisas que
pertenciam ao falecido, ex-proprietário, e que ninguém tinha retirado: uma
mesa redonda com tampo de vidro, um candeeiro, livros, vários livros
encadernados em pele, com desenhos, estudos matemáticos e esquemas de trabalho,
porque ele era arquitecto. Em todo o caso, eu andava aliviada porque já me
sentia na minha casa nova. Mas o facto, é que começaram a acontecer uma
série de coisas pouco comuns.
Os moradores do prédio, alguns, olhavam
para mim com ar desconfiado, como que me achando "doida" por me
enfiar numa casa assombrada. Mas eu não dava importância, pois tinha mais que
fazer e pensava que aquilo havia de lhes passar. Contudo, às vezes tinha a
sensação de que havia uma presença ao pé de mim e pensava
"disparate"... mas era tão forte que eu tinha que parar e virar-me
para todos os lados, a fim de confirmar o que já sabia. Não havia ninguém
presente. E continuava nas minhas tarefas. Mas aquilo acontecia e voltava a
acontecer. Eu sabia que não tinha nada que ver com a casa
"assombrada", porque esse não era o meu território. Mas sentia uma
presença perto de mim. Uma presença muda, que não interferia comigo, nem
poderia... era o que eu pensava. E não sentia medo, apenas curiosidade.
E aquilo continuava, até que percebi que
era sempre no mesmo sítio. Porquê só naquele sítio? Porque era ali que estavam
as coisas mais importantes dele. Os trabalhos encadernados da licenciatura
e fruto do seu empenho. Ele era muito novo. À data do triste acontecimento
estava apenas na casa dos trinta anos. Depois de ter percebido isso,
passei a limpar e a tocar naqueles livros cuidadosamente, para tranquilizar o
seu espírito, ao mesmo tempo que me comprometi a guardá-los religiosamente até
que aparecesse um sinal do que fazer com eles. O facto é que, aquela
sensação de que alguém andava atrás de mim sempre que chegava àquele sítio
e tocava nos livros dele, desapareceu completamente.
Um dia em que estava muito, muito
apreensiva, com os papéis da escritura sempre a trazerem problemas e não
conseguia dormir a pensar que na manhã do dia seguinte tinha que estar bem
cedo na conservatória para resolver mais um "impossível", aí
aconteceu outra coisa estranhíssima.
Estava super angustiada e com um medo
terrível de perder a casa e mais o sinal que já tinha dado e enfim, era a minha
vida e a do meu filho, tudo a andar para trás, o que não
podia acontecer de maneira nenhuma, caso contrário iríamos morar para
debaixo da ponte. Mas tinha um problema para resolver, muito complicado e precisava
de mais um tempo na conservatória e também sabia que não estavam para aí
virados. Toda a gente me dizia que aquela era a conservatória mais rigorosa com
os prazos e não abriam excepções e eu estava num estado de nervos absolutamente
deplorável. Achava até que no dia seguinte nem iria ter forças para me
levantar e ir até lá pelo meu pé. Mas tinha que ir, porque não tinha ninguém
que resolvesse aquilo por mim e ainda tinha que, por alguma forma,
convencê-los a darem-me mais uns dias de prazo. E tudo aquilo me parecia
absolutamente impossível. Só um milagre mesmo para eu sair daquele sarilho.
Estava esgotada fisica e emocionalmente.
E embrenhada nestes pensamentos, de
repente, aconteceu uma coisa fantástica. Estava sentada de pernas
cruzadas no colchão onde dormia, na sala, porque estava tudo ainda na fase
do provisório. Havia um candeeiro de mesa aceso. De repente, o meu coração
começou a ficar leve, sem aquele peso todo que me atormentava. A luz ficou
diferente e tive a sensação de que o corpo levitava, porque deixei de
senti-lo e parecia que me elevava no ar, sem eu fazer nada.
Percebi que algo de estranho se estava a
passar. Mas eu estava bem. Estava muito calma e invadida por um bem estar
muito grande, contrariamente ao que antes sentia. De repente, o meu olhar
foi atraído para um canto da sala onde estava a mesa que lhe tinha pertencido e
que ele próprio construíra. Através do tampo da mesa todo em vidro,
transparente, trespassava uma figura completa, dos pés à cabeça.
O facto é que ao olhar para aquela
materialização, soube imediatamente que era ele. Fiquei maravilhada com
aquele acontecimento e ainda mais porque, sem perceber como, soube
imediatamente que era ele. Em pensamento perguntei-lhe o que fazia ali.
Respondeu-me, em pensamento, que viera para me tranquilizar em relação aos
papéis e à compra da casa. Que antes não tinha consentido que ninguém comprasse
o apartamento. Sabia que eu ia precisar dele e tudo o que queria era ajudar-me.
Assegurou-me de que no dia seguinte tudo se resolveria da melhor maneira
possível, sem esforço nenhum da minha parte, porque ele estaria lá, em
espírito, para resolver tudo por mim. Perguntei-lhe, porquê eu(?).
Respondeu em pensamento que em troca, um dia, mais tarde, eu estaria em
condições de ajudar os filhos, caso viesse a ser necessário. Perguntei-lhe se
alguma vez na vida eu iria ter essa possibilidade. Respondeu-me que sim e que
confiava plenamente em mim. Com esta resposta telepática desapareceu.
A luz voltou ao normal. Aquele ambiente
estranho de "magia" e encantamento desapareceu. Não sabia como
explicar aquilo, mas sabia que não estava a sonhar porque estava bem acordada.
O bem estar e a tranquilidade ficaram. Um peso enorme saíra da minha
alma. Sim, estava em paz. Agradeci a Deus aquela comunicação que me tinha
trazido de volta o sossego e até a felicidade. Fui ver o meu filho, que dormia
tranquilamente. Deitei-me e dormi tranquila.
No outro dia acordei em pânico porque tinha que ir resolver o assunto. Tremia
dos pés à cabeça. Lembrava-me de tudo o que tinha acontecido, mas tinha que
cair na real. Ainda hoje não sei como tive a coragem de entrar no carro e
conduzir até à conservatória, dado o meu estado de desgaste emocional. Cheguei
lá, fui atendida de modo quase invisível, porque não olhei de frente para
ninguém, nem ninguém o fez comigo. Limitei-me a pôr os papéis sobre o balcão e
achar que ia desmaiar. Alguém levou os papéis para dentro. Poucos minutos
depois, alguém me devolvia os papéis, dizendo que me haviam concedido, a título
excepcional, um prazo bastante alargado, para garantir que dava tempo de tratar
de tudo até à data da escritura.
Eu ouvia o que me diziam e mal podia
acreditar. O milagre tinha acontecido. Todos os meus problemas estavam
resolvidos. Não havia mais motivo para preocupação. A minha tensão descia agora
em ondas galopantes por todo o corpo e eu nem sentia as pernas.
Não sei nada de assombrações. Este
foi apenas mais um contacto com o mundo espiritual e na verdade não tem
nada de extraordinário. Há mais de vinte anos que estou na mesma casa e nela
corre uma energia muito boa, conforme o testemunham as pessoas minhas amigas e
familiares que me visitam.
Há todo um intercâmbio de ajuda mútua que
se faz sentir ao nível físico. É normal e necessário. Para isso estamos cá.
Quando essa ajuda ultrapassa as limitações humanas, de algum lado do universo
ela virá. Mas para isso temos de estar atentos e, primeiro, acreditar;
depois aceitar e finalmente agradecer.
Só isso.