sábado, 15 de dezembro de 2012

O doutoramento da Tânia - 39


Faltavam apenas uns dias para a tese de doutoramento da Tânia e eu nunca a tinha visto tão nervosa. Ela é sempre muito equilibrada e encara tudo com muita tranquilidade, mas nesses dias estava visivelmente afectada pela prova de fogo a que ia ser submetida. Isso fazia com que eu me focasse no assunto, quase permanentemente e levava-me a antecipar os acontecimentos, porque via com facilidade toda a cena. E a minha inquietação não era pelo resultado, porque esse estava mais que garantido. Era pelo facto de ela estar muito ansiosa, a ponto de o transparecer com bastante facilidade. Ela mesma o admitia e falava nisso, o que não deixava de ser normal. 

E eu ocupava a minha mente pensando numa forma de a ajudar. Não bastava tranquilizá-la, nem outras atitudes do género, porque aquilo estava dentro dela e eu sabia e todos sabíamos que só passaria quando acabasse. Mas eu tinha que fazer alguma coisa. E via constantemente a cena, o excelente desempenho dela, a brilhante nota que arrancaria do júri e tudo o mais. Mas não bastava. Em meditação, visualizava a sala, o ambiente e enviava ondas de energia positiva e a maior tranquilidade possível, para que se reflectissem nela. Naquelas visualizações apercebi-me de que uma energia muito forte estava e estaria presente em todo este processo que, apesar de ser só dela, era também um pouco de todos que estavam e estão à volta dela. Essa energia era a do seu ainda recente falecido pai, que estava muito presente, muito próximo dela e estaria com toda a sua luz, conduzindo a energia da filha muito querida e amada, a quem desejava o melhor e a quem protegia para além da vida. 

Fiquei feliz, muito feliz com este facto e muito aliviada. E pensei que essa seria a maneira certa de a ajudar, porque de certeza que ela ia ficar felicíssima. Mas... aí, veio a dúvida. Será que ela vai entender, vai aceitar ou ficará ainda mais nervosa? Qual o efeito que isso pode causar nela? Pensando bem, era um risco! Por mais que ela fosse tudo de bom e o meu entendimento com ela fosse perfeito, não deixava de ser um risco. Isso, tanto podia deixá-la bem, como ainda mais nervosa. E eu estava sempre naquela eminência de arriscar dizer, mas o meu bom senso acabava por travar. Era demasiado perigoso. Eu nem sequer cheguei a conhecer o pai dela, que tinha recentemente falecido quando as nossas famílias se cruzaram. Quem me garantia, então, que ela, formada em psicologia social, não ia pôr em dúvida a minha palavra e achar estranha a minha conversa!?  

Há coisas que não podem ser ditas de ânimo leve, nem podem ser ditas na hora errada e muito menos à pessoa errada. Quando são assuntos que não estão relacionados com a matéria e portanto, com o mundo visível, é preciso ter toda a cautela. Conhecer bem o outro, falar com cuidado, escolher o momento e as palavras certas. Ninguém é obrigado a acreditar naquilo que os outros querem, nem ninguém pode ser confrontado com o acreditar naquilo que não vê. O mundo espiritual pertence à alma, única e simplesmente e a alma tem uma evolução muito pessoal, muito individual. Cada um está no patamar que lhe compete, de acordo com o que já viveu, de acordo com a experiência que tem e o aprendizado que já fez. E isso não tem que ver com idade, nem com nenhum outro factor. É uma coisa da alma. Cada um é um ser único. 

Deixei passar os dias, na inquietação pela minha querida norinha, porque queria que chegasse logo a hora de ela passar por aquele tormento e voltar à sua peculiar estabilidade emocional, embora com grande pena minha, por ter decidido que seria melhor para ela não lhe falar na presença espiritual do pai junto dela. E para me consolar e me sentir mais tranquila, pensei, ela há-de sentir os efeitos benéficos da presença dele, de certeza. 

O dia chegou e a nossa Tânia defendeu a sua tese de doutoramento com a nota máxima, sem grande surpresa para a família. Foi coroada de êxito pelo júri e de todos nós recebeu os elogios, o carinho e o afecto merecidos. 

Uns dias depois, de rosto sereno e o seu sorriso lindo brilhando nos olhos e espelhado na alma, com ar de menina, ela dirigiu-se a mim e disse numa voz velada e num tom cheio de certeza do que estava a dizer, quase ao meu ouvido, "o meu pai estava lá. Eu senti. Eu vi". 

Fiquei absolutamente maravilhada. No meio de tanta pressão, a sensibilidade dela não tinha ficado de fora. Ela tinha tido a capacidade de conciliar as duas coisas de uma maneira espantosa. E num momento que exigiu dela toda a sua maior atenção e concentração no mundo racional, com toda a sua presença de espírito, inteira, da cabeça aos pés, ainda assim, havia nela espaço para o seu momento mais sublime. A canalização da frequência com o pai. E mais, a consciência disso. 

Eu não tinha falado nada com ela, nem antes, nem depois. Nós não falámos, não trocámos uma palavra. Era um assunto em suspenso absoluto.  

Mas as nossas almas falaram aquilo que as palavras calaram.


sábado, 10 de novembro de 2012

Uma leve brisa - 38


Um monte de gente à minha volta do lado de fora do portão da escola com as crianças prestes a sair. Tudo isto porque era o primeiro dia de aulas com o Henrique no quinto ano. 

Eu tinha passado a manhã toda ali, depois dele ter entrado. Prometera-lhe que ficaria, para o caso de não haver aulas e estaria dentro do carro ou por perto. A mesquita ficava mesmo em frente e eu tinha passado por lá e ficado algum tempo no meu silêncio. 

Era uma mudança grande na vida dele. Escola nova, alteração de regime escolar, enfim, a coisa começava a ser séria. Isso não me preocupava, porque ele era uma criança que sabia levar as coisas a sério. Sabia encarar as responsabilidades com maturidade de mais para a sua idade. Mas estava apreensiva com a distância. Deixá-lo-ia todas as manhãs ao início das aulas, mas à saída não podia levá-lo. Teria que fazer o percurso a pé e sozinho, para ir até casa da ama, onde esperaria pelo fim da tarde, a hora a que eu saía, para então o apanhar e seguirmos os dois para casa, dado que ele ia e vinha sempre comigo. 

A minha cabeça martelava e o meu coração não estava tranquilo. Sabia que ele não era um bebé e daria bem conta de recado. Mas eu continuava preocupada. Era um troço razoável com muito, muito trânsito e no inverno, com o mau tempo, até chegar a casa da ama, estaria exposto ao frio, vento, chuva, coisa a que ele não estava nada habituado. Eu sabia que não seria o primeiro, nem o único a passar por estas coisas, mas nem por isso ficava mais tranquila. Não ia ter sossego e não tinha como resolver o problema. Era assim que as coisas se apresentavam. 

Enfim, infeliz e ansiosa por causa de todos estes pensamentos, invoquei o nome de Deus e pedi aos céus que cuidassem do meu filho querido. Pedi toda a protecção possível, entregando nas mãos do Divino tudo o que tinha de melhor nesta vida, para que nada de mal lhe acontecesse e para que eu pudesse ter sossego. E na expectativa de que o meu pedido seria atendido, sinto alguém chegar perto de mim. Era uma mulher, talvez da minha idade, que eu não conhecia e que me disse com toda a clareza "eu posso levar o Henrique todos os dias, já que os dois estão na mesma turma". 

Olhei de frente para ela que continuou "eu sou a mãe do João". Neste instante os garotos chegaram, um pouco agitados, atropelando-se uns aos outros. A mãe do garoto olhou para o Henrique, falaram-se e de seguida ela disse-lhe "sais com o Joãozinho e eu levo-te todos os dias, está bem?" O Henrique acenou afirmativamente com a cabeça, ao mesmo tempo que se apressava a dizer que o amiguinho era colega da outra escola e morava mesmo ao pé da ama. Meio atónita, agradeci à mãe do garoto o inesperado acolhimento por parte dela. Agradeci-lhe muito e agradeci a Deus tê-la colocado no nosso caminho. Parecia que ela tinha ouvido o meu pensamento. 

Fomos para casa, o Henrique falando, muito bem disposto, coisas da nova escola, da nova vida e eu com o coração leve, leve que nem uma pluma. Tive que parar para ir fazer uma compra e quando voltava de novo para o carro, com ele, aquela cena passou toda de novo pela minha cabeça. Só não compreendia como aquela mulher tinha captado a minha angústia, a minha aflição de mãe e inconscientemente, tinha vindo ao meu encontro, como que um autómato, sem me dirigir palavra nenhuma especial, falando directamente do assunto que tanto me preocupava e as coisas se tinham resolvido como que por milagre. Ela nem sabia se eu queria que o levasse, além de que eu nunca a tinha visto. Como é que ela me conhecia? Tudo aquilo não me saia da cabeça. Era tão estranho! Estranho mas bom demais. O meu pedido tinha sido atendido da melhor maneira possível. Parecia que alguém tinha sussurrado ao ouvido dela e lhe tinha dito "leva o Henrique"... 

Então, já a chegar ao carro, algo se revelou. Eu já estava tranquila e corria em mim um sentimento de paz que me fazia estar muito grata à vida por isso. Mas de repente, senti uma leve brisa morna que se deslocou do meu lado esquerdo, vinda de trás de mim, passou à minha frente e seguiu, desaparecendo no próprio ar.  

O dia estava quente, não corria uma aragem. Mas aquilo também não tinha sido propriamente uma aragem. Era uma deslocação de ar, parecido com o movimento de alguém a correr, porque passou mais rápido do que o meu andamento. E ao passar, interferiu na minha aura, manifestando-se como um raio de luz adicional que iluminou o meu espírito e me fez perceber que o espírito da minha falecida jovem mãe estava presente. Era ela. Era inconfundível.

Aquela leve brisa anunciava-me que ela estivera presente para resolver a minha aflição e mais uma vez ela tinha acorrido para ajudar o neto muito querido. Essa revelação, como de costume, encheu o meu coração de uma alegria a nada igual às alegrias desta vida. Era uma alegria transcendente, que só a alma pode entender e viver. A manifestação daquela leve brisa era o sinal da presença do amor mais puro e incondicional, vindo do outro lado da vida, manifestando-se da forma mais subtil possível, porque ela sabia que eu a reconheceria imediatamente. Era o seu cheiro, o seu perfume, toda a energia da sua identidade única e inconfundível, que só uma filha amada podia reconhecer.
 

E nesse momento senti-me a criatura mais feliz e abençoada deste muito. Em nome de Deus, agradeci-lhe infinitamente.

 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A casa assombrada - 37


Quando eu era criança, falar em assombração era coisa corrente. Hoje em dia já ninguém fala desses assuntos. Em todo o caso, existem documentários que passam em certos canais da televisão que dissecam esses assuntos, com todos os pormenores, relatando casos com toda a exactidão. 

Quando me divorciei tive que comprar um apartamento para mim e para o meu filho. E um dia, uma amiga falou-me de um, que ela sabia estar à venda, na zona que eu lhe tinha indicado e com as condições que eu pretendia. Porém, tinha um problema: a casa estava assombrada.  

Não dei importância ao assunto, antes pelo contrário, fiquei muito interessada e pedi-lhe que fosse comigo ver. Mas ela não gostou da ideia e respondeu que não. Dava-me os contactos, mas ir comigo nem pensar. Morria de medo. Assim, lá fui eu sozinha. 

Surpreendentemente, assim que entrei, senti-me em casa e à medida que ia vendo, reconhecia ser exactamente aquilo que tinha imaginado. Um terceiro andar num prédio de dez andares, sendo que a construção era boa e o lugar muito agradável, com pequenos ajardinados em volta, fora das ruas principais, com espaço para o Henrique andar de bicicleta e jogar à bola e ainda tinha perto tudo o que era necessário. Enfim, era agradável, com imensa luz, janelas e portas amplas e uma varanda que era um espectáculo. Porém, estava um lixo, porque há sete anos que não era habitado. E aqui começa a confusão. 

Tinham havido algumas tentativas de compra, mas as pessoas acabavam desistindo. Razões? Várias. O antigo proprietário suicidara-se lá dentro, na casa de banho, que tinha ainda intactas as marcas de sangue. Duas vizinhas contaram-me que já tinham visto o fantasma do falecido à porta de casa e até tinha falado com elas. E eram pessoas de toda a credibilidade, educadas e com formação académica de nível superior, sendo que uma delas era psicóloga clínica. 

Que fazer!? Para ser franca eu tinha gostado do apartamento. Estava de bom tamanho para as minhas necessidades e também para a minha bolsa. O preço era significativamente mais baixo do que os equivalentes naquela zona, por conta da história que corria da assombração. Mas aquela diferença de preço era significativa para mim. 

Que fazer!? Eu até tinha gostado da sensação agradável que tinha tido ao entrar lá! Qual assombração? Não senti nada que me incomodasse. O que é isso de assombração? De onde vinham aquelas histórias e como proliferavam e passavam de uns para os outros!? Estranho!... 

Bom, depois de pensar muito bem em tudo, decidi que o apartamento seria meu e ponto final. E como a escritura demorou quase dois anos para se efectuar, por conta dos herdeiros que eram dois menores e filhos de mães diferentes, consegui que me concedessem uma autorização para habitar a casa uns meses antes, para ir adiantando o que tinha que fazer por lá. E a casa foi pintada e limpa. Mas havia coisas que pertenciam ao falecido, ex-proprietário, e que ninguém tinha retirado: uma mesa redonda com tampo de vidro, um candeeiro, livros, vários livros encadernados em pele, com desenhos, estudos matemáticos e esquemas de trabalho, porque ele era arquitecto. Em todo o caso, eu andava aliviada porque já me sentia na minha casa nova. Mas o facto, é que começaram a acontecer uma série de coisas pouco comuns. 

Os moradores do prédio, alguns, olhavam para mim com ar desconfiado, como que me achando "doida" por me enfiar numa casa assombrada. Mas eu não dava importância, pois tinha mais que fazer e pensava que aquilo havia de lhes passar. Contudo, às vezes tinha a sensação de que havia uma presença ao pé de mim e pensava "disparate"... mas era tão forte que eu tinha que parar e virar-me para todos os lados, a fim de confirmar o que já sabia. Não havia ninguém presente. E continuava nas minhas tarefas. Mas aquilo acontecia e voltava a acontecer. Eu sabia que não tinha nada que ver com a casa "assombrada", porque esse não era o meu território. Mas sentia uma presença perto de mim. Uma presença muda, que não interferia comigo, nem poderia... era o que eu pensava. E não sentia medo, apenas curiosidade. 

E aquilo continuava, até que percebi que era sempre no mesmo sítio. Porquê só naquele sítio? Porque era ali que estavam as coisas mais importantes dele. Os trabalhos encadernados da licenciatura e fruto do seu empenho. Ele era muito novo. À data do triste acontecimento estava apenas na casa dos trinta anos. Depois de ter percebido isso, passei a limpar e a tocar naqueles livros cuidadosamente, para tranquilizar o seu espírito, ao mesmo tempo que me comprometi a guardá-los religiosamente até que aparecesse um sinal do que fazer com eles. O facto é que, aquela sensação de que alguém andava atrás de mim sempre que chegava àquele sítio e tocava nos livros dele, desapareceu completamente. 

Um dia em que estava muito, muito apreensiva, com os papéis da escritura sempre a trazerem problemas e não conseguia dormir a pensar que na manhã do dia seguinte tinha que estar bem cedo na conservatória para resolver mais um "impossível", aí aconteceu outra coisa estranhíssima. 

Estava super angustiada e com um medo terrível de perder a casa e mais o sinal que já tinha dado e enfim, era a minha vida e a do meu filho, tudo a andar para trás, o que não podia acontecer de maneira nenhuma, caso contrário iríamos morar para debaixo da ponte. Mas tinha um problema para resolver, muito complicado e precisava de mais um tempo na conservatória e também sabia que não estavam para aí virados. Toda a gente me dizia que aquela era a conservatória mais rigorosa com os prazos e não abriam excepções e eu estava num estado de nervos absolutamente deplorável. Achava até que no dia seguinte nem iria ter forças para me levantar e ir até lá pelo meu pé. Mas tinha que ir, porque não tinha ninguém que resolvesse aquilo por mim e ainda tinha que, por alguma forma, convencê-los a darem-me mais uns dias de prazo. E tudo aquilo me parecia absolutamente impossível. Só um milagre mesmo para eu sair daquele sarilho. Estava esgotada fisica e emocionalmente. 

E embrenhada nestes pensamentos, de repente, aconteceu uma coisa fantástica. Estava sentada de pernas cruzadas no colchão onde dormia, na sala, porque estava tudo ainda na fase do provisório. Havia um candeeiro de mesa aceso. De repente, o meu coração começou a ficar leve, sem aquele peso todo que me atormentava. A luz ficou diferente e tive a sensação de que o corpo levitava, porque deixei de senti-lo e parecia que me elevava no ar, sem eu fazer nada. 

Percebi que algo de estranho se estava a passar. Mas eu estava bem. Estava muito calma e invadida por um bem estar muito grande, contrariamente ao que antes sentia. De repente, o meu olhar foi atraído para um canto da sala onde estava a mesa que lhe tinha pertencido e que ele próprio construíra. Através do tampo da mesa todo em vidro, transparente, trespassava uma figura completa, dos pés à cabeça. 

O facto é que ao olhar para aquela materialização, soube imediatamente que era ele. Fiquei maravilhada com aquele acontecimento e ainda mais porque, sem perceber como, soube imediatamente que era ele. Em pensamento perguntei-lhe o que fazia ali. Respondeu-me, em pensamento, que viera para me tranquilizar em relação aos papéis e à compra da casa. Que antes não tinha consentido que ninguém comprasse o apartamento. Sabia que eu ia precisar dele e tudo o que queria era ajudar-me. Assegurou-me de que no dia seguinte tudo se resolveria da melhor maneira possível, sem esforço nenhum da minha parte, porque ele estaria lá, em espírito, para resolver tudo por mim. Perguntei-lhe, porquê eu(?). Respondeu em pensamento que em troca, um dia, mais tarde, eu estaria em condições de ajudar os filhos, caso viesse a ser necessário. Perguntei-lhe se alguma vez na vida eu iria ter essa possibilidade. Respondeu-me que sim e que confiava plenamente em mim. Com esta resposta telepática desapareceu.

A luz voltou ao normal. Aquele ambiente estranho de "magia" e encantamento desapareceu. Não sabia como explicar aquilo, mas sabia que não estava a sonhar porque estava bem acordada. O bem estar e a tranquilidade ficaram. Um peso enorme saíra da minha alma. Sim, estava em paz. Agradeci a Deus aquela comunicação que me tinha trazido de volta o sossego e até a felicidade. Fui ver o meu filho, que dormia tranquilamente. Deitei-me e dormi tranquila.

No outro dia acordei em pânico porque tinha que ir resolver o assunto. Tremia dos pés à cabeça. Lembrava-me de tudo o que tinha acontecido, mas tinha que cair na real. Ainda hoje não sei como tive a coragem de entrar no carro e conduzir até à conservatória, dado o meu estado de desgaste emocional. Cheguei lá, fui atendida de modo quase invisível, porque não olhei de frente para ninguém, nem ninguém o fez comigo. Limitei-me a pôr os papéis sobre o balcão e achar que ia desmaiar. Alguém levou os papéis para dentro. Poucos minutos depois, alguém me devolvia os papéis, dizendo que me haviam concedido, a título excepcional, um prazo bastante alargado, para garantir que dava tempo de tratar de tudo até à data da escritura. 

Eu ouvia o que me diziam e mal podia acreditar. O milagre tinha acontecido. Todos os meus problemas estavam resolvidos. Não havia mais motivo para preocupação. A minha tensão descia agora em ondas galopantes por todo o corpo e eu nem sentia as pernas. 

Não sei nada de assombrações. Este foi apenas mais um contacto com o mundo espiritual e na verdade não tem nada de extraordinário. Há mais de vinte anos que estou na mesma casa e nela corre uma energia muito boa, conforme o testemunham as pessoas minhas amigas e familiares que me visitam. 

Há todo um intercâmbio de ajuda mútua que se faz sentir ao nível físico. É normal e necessário. Para isso estamos cá. Quando essa ajuda ultrapassa as limitações humanas, de algum lado do universo ela virá. Mas para isso temos de estar atentos e, primeiro, acreditar;  depois aceitar e finalmente agradecer. 

Só isso.


terça-feira, 12 de junho de 2012

A carta do médico - 36


A Joana veio ter comigo e começou a falar da amiga, de quem gostava muito. O filho sofria de epilepsia e tinha crises com frequência, nuns períodos mais do que noutros. A amiga sofria por causa do filho, como aconteceria com qualquer mãe e ela sofria por causa da amiga. O garoto tinha feito uns exames recentes e aguardava-se o resultado, que seria anunciado pelo médico, numa próxima consulta e resultante de dados laboratoriais. 

A Joana levou a semana toda a falar-me do mesmo assunto. Vivia o drama da amiga como se fosse dela. Quando percebi isso, pensei que talvez pudesse ajudá-las de alguma maneira. E faltavam ainda alguns dias para terem o resultado dos exames médicos. A epilepsia estava controlada. O problema é que podiam surgir outras coisas que alterassem o quadro clínico. 

Nesse dia fui para casa a pensar no assunto e à noite, antes de dormir, concentrei-me. Mal fechei os olhos comecei a visualizar a figura do médico por detrás da secretária, de bata branca e de pé. Com os óculos na ponta do nariz ele segurou o envelope que abriu com um objecto metálico cortante e com os dedos tirou de lá a carta que desdobrou. Aqui, a minha mente parou. Eu não sabia o que lá estava escrito. Mas logo de seguida, o médico pousou a carta sobre a secretária e olhando para a Cidaliza, a mãe do garoto, com um ar bem tranquilo e também sem surpresa, disse: "para além do que já se sabe, não há mais novidade nenhuma". E com esta resposta, finalizei a minha visualização. 

No outro dia quando nos encontrámos, perguntei-lhe quando era a consulta. Ela disse que era dali a dois dias e que a amiga estava cada vez mais ansiosa. Então, disse-lhe que, se quisesse ajudá-la, podia dizer-lhe que estava tudo bem. Ela não entendeu e disse-me que não estava tudo bem. Aliás, não estava nada bem. O garoto podia começar a ter crises novamente e não se sabia o que mais teria.  

Insisti com ela e disse-lhe que tinha entendido tudo e percebia o que se estava a passar, por isso mesmo, queria dizer-lhe que podia tranquilizar a amiga, dizendo-lhe que não estivesse tão preocupada, que não precisava. E repeti-lhe o que o médico havia dito na minha visualização. Mas ela parecia que não ouvia sequer o que lhe estava a dizer. 

Uns dias depois encontrámo-nos, começamos a falar disto e daquilo, mas ela já não falava do assunto. Então, perguntei-lhe se já havia notícias do filho da Cidaliza. Com uma enorme desenvoltura e como se nunca tivesse ouvido aquilo antes, respondeu que ela estava muito aliviada, porque o médico tinha dito que "para além do que já se sabia, não havia novidade nenhuma"(!)... 

 

A visualização através da concentração é uma coisa que toda a gente deveria exercitar e perceber o que é. É claro que para isso é preciso uma abstracção total do "ego". Mas não é nada de tão transcendente. O passado, o presente e o futuro são um só. Nesse encontro, encontramos a resposta.

 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

A Sara - 35


A Sara era minha colega, minha amiga e minha vizinha. Por isso, quase todos os dias, no regresso a casa, ao fim do dia de trabalho, apanhava boleia comigo e enquanto eu conduzia, vínhamos conversando. 

Um dia, disse-me que estava muito nervosa por conta de um exame escolar que estava muito próximo. Ia enfrentar um júri composto por várias pessoas e sentia-se muito insegura. Perguntei-lhe se sabia a matéria e ela respondeu que sim, mas tinha medo de ficar bloqueada e ser traída pela memória. 

Percebi no seu rosto a inquietação, o nervosismo, o mal estar que a estava a impedir de se descontrair e confiar em si mesma. A Sara era muito jovem, casada e com um filho ainda pequeno e ainda tinha que conciliar o trabalho com o estudo. Não era fácil. Pensei que, de alguma maneira, tinha de a ajudar. 

Ela tinha um conjunto de duas peças, casaco e calção em linho branco, que tinha ganho de uma colega como presente de aniversário.  A Sara era muito bonita, mas esse conjunto ficava-lhe especialmente bem. O casaco tinha um bolsinho na parte superior, onde ela colocava um lencinho ora preto, ora vermelho. Ambos lhe ficavam muito bem, mas dando-lhe uma aura diferente. 

Pode não parecer, mas muito pouca gente sabe que a roupa que se veste tem muita influência na nossa "performance" e vice-versa. Por isso, perguntei-lhe o que ela vestiria para a ocasião. Eu tinha em mente o dito conjunto, com o lenço vermelho e ela respondeu precisamente que estava a pensar nesse conjunto, mas com o lenço preto, que achava mais formal. Disse-lhe que levasse o conjunto, sim, mas com o lenço vermelho e expliquei-lhe a história da aura que ela, embora insegura e nervosa, desvalorizou. 

À noite, quando me deitei, pensei nela, abstraindo-me de tudo o resto. Eu queria mesmo ajudá-la. Comecei a entrar no seu universo interior e percebi que ela não levaria o lenço que lhe indiquei, mas sim o preto. Vi-a perante o júri, tentando o seu melhor, mas as coisas não estavam a correr como desejado. Algo sombrio continuava a perturbá-la e a traí-la: o medo que ela temia. Pensei que a situação tinha que ser revertida. E no quadro que eu via, mentalmente, mudei o lenço para o vermelho.  

Parece ridículo acreditar nisso, mas o mundo holístico é de uma capacidade criativa infinita. E a projecção desse efeito, dessa coisa aparentemente tão insignificante, alterou completamente a situação. 

Comecei a visualizar a sua aura através da força do pequeno lenço vermelho que lá não estava, mas que a minha mente fazia com que se sobrepusesse. Trabalhava apenas na expansão dessa aura mentalizada para o efeito e como por magia, a Sara aguentava-se, a insegurança começava a desaparecer, as ideias ficavam mais claras, as suas respostas mais precisas e a confiança voltava. À sua volta havia agora um ambiente de perfeito equilíbrio, que atraiu a simpatia dos que a interrogavam e em vez de a dificultarem, facilitavam-lhe a tarefa, sendo menos exigentes nas perguntas que lhe faziam. 

O dia do exame chegou. A Sara foi ao exame e mais tarde veio ter comigo. Sentia-se calma e aliviada. Tinha passado. Perguntei-lhe como tinha corrido. Respondeu que no início estava muito perturbada e nervosa. Que até lhe parecia que não tinham simpatizado com ela. Que as respostas não lhe estavam a sair, mas que, de repente, as coisas mudaram e à medida que o tempo foi passando a situação melhorando consideravelmente, a ponto de se esquecer que estava num exame(?!). 

Perguntei-lhe, afinal, qual o lenço que tinha escolhido. Respondeu, o preto, conforme já tinha dito. 

Enfim, estava tudo sob controle e eu tinha feito a minha parte. Mas isso eu não lhe disse.  

Às vezes, é mais fácil as pessoas acreditarem em "bruxas" e "feiticeiros" do que acreditarem na sua própria sintonia com o mundo, de acordo com as necessidades do momento.

 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Palavras para quê? - 34


Poucos dias depois de ter iniciado a minha vida com o Álvaro, uma noite, estando eu já na cama, recostada nas minhas almofadas, aguardava por ele, que estava na casa de banho, cuidando da sua higiene nocturna. Antes de dormirmos, sempre conversávamos sobre os acontecimentos do dia e revíamos coisas nossas e muitas vezes até preparávamos o dia seguinte, entre outras coisas. 

O que importa é que eu estava ali tranquila e em paz, quando o meu olhar se fixou na porta do quarto que estava aberta. Olho com olhos de "ver" e percebo que a figura do meu falecido pai estava ali. Mas que estranho! Ele estava ali, quase colado à porta, de pé, com uma mão apoiada na maçaneta dourada da porta branca e com um jeito corporal que lhe era muito peculiar. 

Era muito bom vê-lo, não fossem as condições e o modo como se apresentava, tão incomodativo. Era um facto que ele tinha feito a sua passagem num passado ainda recente, dois anos apenas. Ainda assim, não justificava o modo como aparecia, o que realmente me incomodou. Ele estava lá, todo materializado, sim, sem dúvida. Já não havia sinal do derrame que lhe causara a morte. Estava com a cabeça e o rosto todo limpo. Mas estava notoriamente sem vida, sem luz, completamente vazio, inerte, lívido. Era literalmente um morto em pé. Até o frio do corpo sem vida eu podia sentir. E não havia comunicação alguma. Eu olhava, na expectativa de que houvesse alguma mensagem a transmitir, mas não havia nada de nada. Só o vazio ali estava. Não gostei e não percebi o que aquela aparição significava. Ele estava ali morto em pé e nada dizia. 

Nos dias que se seguiram, várias vezes dei comigo a pensar naquela visão, sem sucesso, porque realmente não conseguia decifrar. Era mesmo muito estranho, pelo que tentei esquecer. 

Hoje, sei exactamente a mensagem que ele passou. Naquela altura, porém, com o Álvaro nos seus cinquenta e quatro anos, cheio de vigor e de saúde, quem poderia adivinhar que tão pouco tempo ele estaria entre nós, no mundo dos vivos?! 

Era essa a mensagem. No quadro que se apresentava, ela estava lá, fiel, completa, sem precisar de grande esforço. O meu amado pai tinha vindo na espinhosa missão de me fazer entender aquilo que eu jamais naquela altura poderia ter entendido. Ele anunciava a morte, literalmente, sem necessidade de se anunciar. 

Palavras para quê?


O "acaso" - 33


Estava eu em amena conversa com uma amiga de infância, falando-lhe de um determinado assunto, quando de repente me faltou a palavra que queria dizer. Não conseguia lembrar-me de maneira nenhuma. Fazia um esforço enorme, mas a dita não me saía. Parecia que tinha desaparecido por completo da minha memória.

 

E ela olhava para mim, na expectativa de que a qualquer instante eu desembuchasse, mas a coisa era mais séria e eu não conseguia mesmo. Não conseguia, por mais que me esforçasse. Mas tinha que ultrapassar aquilo e para mim, coisas aparentemente impossíveis, despertam e aguçam todos os meus sentidos e o meu cérebro entra em actividade completa, o que faz com que sempre consiga resolver o problema. Ou quase sempre. Foi o caso.

 

A palavra existia. Disso não tinha dúvidas. Independentemente do meu esquecimento, fazia parte do dicionário. Dicionário!... Era esse o caminho. Começava a fazer-se luz. Mas como encontrar no dicionário uma palavra, se eu não sabia qual era e nem tão pouco me lembrava por que letra começava? Era como procurar uma agulha num palheiro. Mas o caminho era esse. Era aí que eu eventualmente iria encontrar a palavra que queria.

 

Posto isto, levantei-me e fui direita à estante. Ela olhava-me, atenta aos meus movimentos, mas sem fazer a menor ideia do que me passava pela cabeça. De repente, percebendo que eu estava à procura de qualquer coisa, perguntou-me o que é que eu queria. Disse-lhe que um dicionário resolveria o problema. Ela deu uma gargalhada de gozo, levantou-se e disse-me que ali só me podia arranjar um dicionário de Inglês-Português. Parei um instante e depois acedi, porque era a mesma coisa. A palavra estaria igualmente ali.

 

Voltei a sentar-me e ela fez o mesmo, olhando para mim com um certo espanto. Eu sabia que pela cabeça dela passava qualquer coisa como "é mesmo doida", mas não liguei. Coloquei o dicionário em cima da mesinha de apoio que estava junto de nós. Ela continuava observando todos os meus movimentos, ávida do que se seguiria. Disse-lhe em voz alta que a palavra estava ali e como eu não me lembrava sequer da letra por que começava, iria simplesmente pedir ajuda ao dicionário. Ela confirmava que eu era maluca e ria. Não me deixei intimidar. Carreguei a minha mente, isto é, programei-me com toda a energia necessária e dei ordem mental ao dicionário para me mostrar a palavra que eu queria. Com os olhos semicerrados abri o dicionário, que passou sozinho algumas folhas até parar e com os olhos fechados, pedi ao meu indicador que se posicionasse na palavra certa. Assim fiz. E ela ria...

 

Quando abri os olhos, segui o meu dedo indicador. Por cima dele podia ler-se a palavra "antropologia".

 

Ela olhou para mim e riu que nem uma perdida, dizendo que tinha sido por "acaso". Pois, para ela teria sido um acaso. Mas eu sabia que não tinha sido um acaso qualquer. Eu sabia que tinha sido a força da mente a trabalhar. A mente tem uma força absoluta, mas é preciso ter consciência disso. E eu limitei-me a usar essa força que todos nós normalmente esquecemos, desperdiçando as nossas reais capacidades. 

 

Por mais disparatado que possa parecer eu sei que não foi o "acaso".

 

 

domingo, 20 de maio de 2012

O Álvaro - 32


Sempre que eu conhecia uma pessoa, inclusivé criança, tinha o hábito de ver as mãos e dar uma olhadela nas linhas da mão. Talvez não fosse uma boa prática, mas não conseguia deixar de o fazer. É que esta, era a maneira de ficar com uma ideia geral e bastante precisa da pessoa em causa. E isso era importante para mim.

 

Quando conheci o Álvaro, essa necessidade não se manifestou como habitualmente, pelo menos logo de início. Só passado algum tempo é que me veio aquela curiosidade. E ao olhar as mãos dele pela primeira vez, algo de estranho se me deparou. Depois de fazer o cálculo da idade, percebi que a linha da vida terminava naquela altura. Achei que estava confundida e que essa indicação seria a mudança da vida dele, relativamente ao divórcio com a ex-mulher. E como vivíamos em constante brincadeira, num clima de muita descontracção por nos sentirmos muito bem um com o outro, sinceramente, não me dei ao trabalho de aprofundar o assunto. Nem me apetecia pensar naquilo. Estava tudo tão bem!

 

O tempo foi passando e lá voltei a ver as mãos dele, sendo que a informação era a mesma, por mais que eu tentasse ver outra coisa, por mais que não quisesse ver o que estava bem patente. A linha da vida dele era bem explícita. Terminava ali, independentemente do que eu tentava "inventar" e ponto final. E tentava inventar razões para aquele término de linha, baralhando-a com outras linhas, tentando tirar ilacções e interpretações diferentes, que nada tinham que ver com a "verdade" nua e crua.

 

Limitava-me a pensar que não podia ser. Ele era uma pessoa saudável. Além de fumar, não tinha vícios. Porque haveria de morrer, logo agora que nos tínhamos acabado de conhecer e estávamos tão felizes? Tudo corria bem. Mais que bem. Tudo era perfeito. Certamente eu estava errada, só podia ser isso. Éramos muito felizes e isso era a única coisa que me importava.

 

Evidentemente que nunca lhe falei neste assunto claramente. Eram apenas suposições de mau gosto da minha parte e ignorância no que respeitava à leitura das mãos. Precisava aprofundar os meus conhecimentos para não correr riscos tão sérios de me enganar em casos de vida ou de morte. Era preciso ter muito cuidado.

 

E os dias foram passando, com a nossa vida a correr às mil maravilhas, que até parecia um sonho. E passou um mês. E passou outro mês. E passaram três meses. E passaram mais uns meses e tudo era perfeito. E chegou o sétimo mês e como tudo fosse realmente bom demais para ser verdade, as coisas mudaram. 


Assim, numa madrugada de domingo, depois de ter sido submetido a uma terceira cirurgia, no espaço de apenas uma semana e apenas por causa de uma hérnia, o Álvaro partia para não mais voltar.

 

E a vida continua, diziam-me.

 

A vida continua, sim, porque "uns têm a coragem de partir e outros têm a coragem de ficar".

 

Mas a prévia leitura das mãos acabou. Nunca mais. Foi a promessa que fiz a mim mesma.


Em Cambridge - 31


Quinze dias após o nascimento da minha primeira neta, a Sofia, eu estava em Cambridge a dar o apoio possível à jovem família que estava a crescer. A Sofia era muito bem vinda e todos estávamos muito felizes com a sua chegada. 

O apartamento em Cambridge era muito bonito e estava inserido numa urbanização magnífica. Muito moderno, com paredes em portas de vidro de cima abaixo, para se integrar o mais possível na natureza, bem dentro do jardim. Fosse o que fosse que eu estivesse a fazer, parecia que estava sempre no meio da floresta, porque a arborização daquele lugar era extremamente densa e muito bem cuidada. Dava-nos um sossego e uma paz muito grande. 

Logo nos primeiros dias tive um sonho que se repetiu por três noites consecutivas. O sonho era sempre o mesmo e acontecia sempre no mesmo local, apenas  com pequenas variações de imagem. O que importa é que, quando acordava, sabia que o sonho era o mesmo. As pessoas, as cenas e a acção, bem como a sensação, eram uma só. Por isso o sonho era o mesmo e com uma intensidade enorme. Parecia real, completamente. Era como se durante a noite, onde quer que fosse, eu viajasse até lá. 

Comentei o assunto com a minha nora querida e descrevi-lhe o sonho, que ela ouviu com toda a atenção. Passava-se num jardim muito verde, com a relva muito bem cuidada. Uma piscina de fundo azul, com a água transparente, onde estavam uns rapazes muito jovens a jogar bola uns com os outros. Havia várias pessoas na piscina, mas eu só via dois rapazes. Eu não estava dentro da piscina. Estava algures, uns metros afastada e apenas observava.  

O sol deixava passar uns raios que atravessavam a piscina e a revestiam de uma luz muito especial. Aquele momento era de uma riqueza espiritual muito grande, apesar de não saber quem eram nem onde estavam. Mas a minha sensação, por estar naquele lugar e a energia que tudo aquilo me passava era uma coisa extraordinária. Ali morava a paz, o bem estar, a tranquilidade absoluta. Era um momento de extrema felicidade. Quando acordava, continuava a sentir uma paz interior inesquecível, uma felicidade do outro mundo. Bom demais mais para ser verdade, pensava eu. 

Por três noites seguidas fui privilegiada com aquela bênção, que eu agradecia a Deus e perguntava a mim mesma, de onde viria aquilo, quem era aquela gente, etc, etc. Só sabia que era muito bom. 

O tempo passou e o sonho também. Enquanto isso, deliciava-me com a minha pequena Sofia, que crescia dia a dia. E o dia de regressar a Lisboa, à televisão, chegou. 

De vez em quando, pensava no sonho, com a finalidade de ir buscar aquele sentimento de paz e tranquilidade que ele me oferecia. Era muito bom e eu precisava daquilo. Especialmente, quando me sentia muito sozinha, o que ultimamente acontecia com frequência. E depois, o Henrique ia ficar em Cambridge, sozinho e a minha nora tinha que regressar com a pequena Sofia, sozinha, também, e isso deixava-me angustiada. Mesmo sabendo que era uma situação temporária, não deixava de me preocupar, até que ele regressasse de vez. 

Isto passou-se no início de Julho. No final de Agosto um amigo confidenciou-me que gostaria de me apresentar um colega. Eu que já estava habituada à minha solidão, fiquei um pouco surpreendida e embaraçada. Ele falou do colega, que era uma boa pessoa, etc, etc e que não haveria mal algum em nos conhecermos e fazermos uma amizade, porque não? Pensei, pensei e aceitei. Disse-lhe que sim. 

Uns dias depois, aceitei um convite para jantar, do próprio, ou seja, do amigo. O jantar foi óptimo, o passeio excelente e tudo correu muito, muito bem. Fiquei encantada com a companhia que muito me surpreendeu. Depois dias depois aceitei novo convite para ir ver a casa de campo dele, em Alcobaça. Adorei. Ficámos lá o fim de semana e passeámos pelos arredores que eu pouco conhecia. Entendemo-nos muito bem e decidimos, sem perder tempo com detalhes, ficar juntos. Assim, ele veio viver para a minha casa na cidade e aos fins de semana, então, lá íamos nós para a casa de Alcobaça. 

Os dias foram passando, até que veio um fim de semana em que ele me disse que os filhos e as respectivas namoradas e amigos e amigas, iriam lá passar um fim de semana connosco. Assim foi. Chegaram, instalaram-se, acabou o nosso sossego, mas era uma festa ter aquela juventude toda lá. Ele estava feliz e eu idem. No domingo de manhã, nós estávamos na cozinha a preparar o almoço para aquele pessoal todo e eu tive que vir cá fora ao jardim, fazer qualquer coisa. De repente, olho para a piscina e o que vejo? 

Estavam todos a jogar à bola. A luz era perfeita. O sol atravessava a água azul, revestindo-a de uma luminosidade fora do comum. A alguns metros de distância, observava os rapazes e percebia que a sensação boa de estar ali, era a mesma do sonho e o quadro que se me deparava era exactamente o do sonho que tivera em Cambridge, que eu jamais ousaria pensar que se tratava de uma premonição, anunciando um futuro muito breve, que me proporcionaria uma vida que até então nunca tinha tido, nem imaginara que alguma vez seria possível(!).  

Pena que tão pouco tenha durado…


sábado, 19 de maio de 2012

O Paulo e a Laura - 30


O Paulo Martinho, meu colega de trabalho, foi o meu primeiro e melhor amigo quando me transferi de armas e bagagens para a Delegação da RTP nos Açores. Ele queria o melhor para mim como eu para ele. Ele protegia-me, defendia-me, dava-me conselhos, estava sempre atento a qualquer necessidade que eu pudesse ter e enfim... foi realmente excepcional. Era como se fôssemos irmãos.  

Era muito divertido, muito bem disposto e tinha muitas namoradas que trocava com frequência. Sempre que começava um namoro novo ficava doido por me apresentar pessoalmente a nova "vítima" para eu dar a minha opinião. Durante dois anos, foram várias. Cada uma que eu via, olhava para ela e percebia que não era a tal. E outra e outra. Todas foram passando, com ele fazendo grandes planos de casamento e filhos, mas assim que eu as via, dizia-lhe o que sentia, que não tinha chegado ainda a hora, porque não via em nenhuma delas a que realmente seguiria caminho com ele pela vida fora.  

Às vezes ele até ficava um bocadinho chateado por eu não lhe dar um pouco de esperança, porque ele queria e estava ansioso, mas eu tinha de ser verdadeira. E bastava-me um olhar rápido para que e minha intuição se abrisse e falasse. E ia-lhe dizendo não, não e não. O facto é que, ao fim de algum tempo, com umas mais, com outras menos, ele chegava ao pé de mim e comunicava-me que tinha terminado, dizendo-me "tinhas razão, ainda não foi desta". 

Até que um dia ele me falou de uma namorada nova, que mais uma vez queria que eu conhecesse. E andava feliz da vida, mas a dita cuja não aparecia. Bem que ele falava todo excitado, mas ela não aparecia. Não levei muito a sério e até pensei que era alguma das suas muitas fantasias. 

Como o tempo passava e ela não dava à costa, um dia insisti com ele e disse-lhe que a queria ver, como tinha acontecido com todas as outras. Então ele respondeu que ainda não podia ser, mas que me ia mostrar uma foto. E assim foi. Puxou da carteira e sai uma foto da Laura. Um pouco mais nova que ele, a Laura tinha um aspecto jovem, fresco, puro e era linda como uma flor. Fiquei deliciada com a foto, olhei para ele, sorri e disse-lhe: "quero conhecê-la pessoalmente, mas não preciso disso para te dizer que é ela, a tal especial, por quem tanto esperaste". 

Ele olhou para mim com um olhar muito aberto e perguntou se eu tinha a certeza. Respondi que, sem sombra de dúvida, era ela.  

Lembro-me perfeitamente, como se fosse hoje e já lá vão mais de tinta anos, da festa que ele fez, tão feliz, tão alegre, cheio de energia que nos contagiou a todos e me deu dois beijos, abraçando-me e dizendo-me palavras carinhosas, tal era o momento que estava vivendo. E o Paulo dizia "Lili, querida, tu és especial"... e eu ria, das maluqueiras dele. 

Então, um dia, a Laura apareceu em pessoa. Era exactamente como na foto, com aquele ar jovial, fresco, alegre, bem disposta e feliz. E o Paulo e a Laurinha casaram, tiveram um menino e uma menina, e foram felizes para sempre(!?), com todas as dificuldades que tiveram que atravessar, como toda a gente. 

E viva a intuição que é das coisas mais preciosas que temos para nos conduzir e aos outros também, neste mundo às vezes difícil.

 

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Os livros do Paulo - 29


Há muitos anos atrás e por curiosidade, fui a um Centro Espírita acompanhar uma amiga que habitualmente lá ia. Não aconteceu nada, mas fiquei curiosa e logo me veio a tentação de saber o que era realmente o espiritismo, como funcionava, etc, etc, etc...

 

Não tencionava lá voltar, mas tinha que adquirir conhecimentos sobre o assunto. Tinha chegado a hora. Que fazer? Lá no centro tinha visto numa vitrina alguns livros em exposição e reparei que eram todos do mesmo autor "Allan Kardec". Quis comprar um, mas não tinha orçamento para isso. Depois, os livros eram vários e eu não tinha realmente possibilidades de os adquirir.

 

Os dias foram passando sem que eu deixasse de pensar naquilo. Precisava de ter conhecimentos de raiz sobre o espiritismo. Talvez esse fosse o caminho para entender muitas das coisas que se passavam comigo.

 

Um dia, estava na fila do refeitório para o almoço e estava ao pé de mim o Paulo, que estudava psicologia. De repente, lembrei-me de lhe perguntar se ele sabia alguma coisa de espiritismo. Ele respondeu que não e nem acreditava nisso. Era assunto que não lhe dizia nada. Quis saber a razão da minha pergunta e qual o meu objectivo, ao que respondi com a verdade: que estava interessada em saber tudo o que fosse possível acerca do assunto. 

 

Com grande espanto meu, respondeu que, se era para mim, talvez pudesse resolver o problema. Fiquei entusiasmadíssima e perguntei como(?). Disse-me então, que o seu falecido avô era espírita e tinha todos os livros de Allan Kardec, que estavam guardados no sótão da casa deles. Se eu realmente estava interessada ele emprestar-mos-ia, com a condição de os devolver à procedência logo que não precisasse mais deles. E porque era para mim, os confiava plenamente, sendo que, apesar de se tratar de um assunto que não lhe dizia nada, tinha muita estima nos livros por terem pertencido ao avô.

 

Entendi perfeitamente e garanti-lhe que teria todo o cuidado com os livros, como se fossem meus, bem como lhos devolveria logo que fosse possível. Dito e feito. O acordo estava concluído. Uns dias depois o Paulo trazia-me um saco cheio de livros. Eu nem queria acreditar que tinha toda a colecção de Allan Kardec à minha disposição, sem ter gasto um tostão. Era um grande presente da vida.

 

Os livros eram muito velhos, muito usados, mas estavam intactos. Sentia-me eufórica e completamente preenchida, pensando nas horas de deliciosa leitura que eles me iriam proporcionar e o quanto eu iria aprender com toda aquela informação. Era uma delícia ter finalmente tudo aquilo ao meu alcance.

 

Comecei a olhar para eles com olhos de ver. Peguei-lhes um por um. Vi título por título. Mas depois de tudo isto, deparei-me com um outro problema. E agora, como é que eu me havia de orientar? Por onde começar? Não podia ler aquilo à toa. As coisas deviam ter uma sequência! E saber qual seria o primeiro e o segundo e por aí fora? Ainda não tinha pensado nisso. Mas era uma questão pertinente que se punha. Guardei os livros todos no saco e fui dormir a pensar em como resolver o assunto. Estava num beco sem saída. Para mim era muito importante a orientação de alguém. Mas quem? Os livros tinham vindo parar à minha mão, isso era certo e fora conseguido sem grande esforço. Fazia sentido que me viesse alguma informação sobre a ordem dos mesmos. Mas como, como?

 

No dia seguinte, todo o tempo pensei naquilo. Não me saía da cabeça que, a oportunidade de adquirir todo aquele conhecimento, estava mais complicada do que parecia. De regresso a casa, à hora do dia anterior e depois de ter encerrado toda a rotina diária, volto a pegar nos livros, um pouco desanimada e muito pensativa. Espalho-os em cima da minha cama e mais uma vez fico a olhar para eles sem saber o que fazer. Decido então pegar num, à toa. Pego e olho capa e contracapa. Vejo o título. Decido que vou abrir mas não não sei exactamente para quê. Contudo, abro. De repente, exactamente no sítio onde abro, está uma folha de papel amarelada pelo tempo, com qualquer coisa escrita numa caligrafia bem desenhada e portanto bem legível. O papel é tão velho que já nem tem cantos. Achei que não seria nada de importante, qualquer anotação que por acaso ali fora parar. Não importa. Vamos ver o que está escrito.


"Paulo, se um dia tiveres vontade de ler estes livros, deves lê-los pela ordem a seguir indicada (seguem-se os títulos pela ordem indicada, um por um)O teu avô que sempre te amará”.


Estava resolvida a questão. Eu podia simplesmente ter pegado num outro livro qualquer. Podia tê-los lido todos, por qualquer ordem e ter pegado naquele em qualquer altura. Podia até ter sido o último e quando finalmente encontrasse as indicações de que tanto precisava, já elas não teriam servido para nada. Mas não foi nada disso que aconteceu. A intuição dizia-me que faria sentido uma sequência. Pegar no livro certo e abrir exactamente no sítio onde estava a indicação, era a chave do sucesso do caminho que naquela altura da minha vida tanto fazia sentido.


Feliz coincidência! Quando o avô do Paulo escreveu aquele manuscrito, conscientemente, ele não sabia, mas já o estava escrevendo para mim. Efectivamente, era a mim que ele se dirigia. A ele devo todos os meus conhecimentos sobre o Kardecismo e o quanto esse conhecimento foi importante, respondendo às minhas perguntas que não tinham resposta. Por isso, para ele, onde quer que esteja, o meu sincero e eterno agradecimento.

Quando queremos, queremos. E é aí que, passado, presente e futuro se unificam, igualando espaço e tempo, para dar resposta à nossa soberana vontade.

 

sábado, 24 de março de 2012

O anel - 28


Quando a minha mãe faleceu, entre outras coisas, foi-me dado um anel que teria sido o anel de noivado que o meu pai lhe oferecera. Tinha três pedras: dois rubis e uma safira. De uma grande simplicidade, mas muito bonito, eu adorava-o e recebera-o com muito carinho e ternura, sendo que raramente o tirava do dedo.

 

Um dia, o meu filho Henrique era ainda muito pequeno, tive que levá-lo à consulta de pediatria. Não tinha transporte para lá e por qualquer razão estava sem carro. Então tivemos que andar um pouco a pé, descendo a rua, que nessa altura ainda não era alcatroada. Não era longe, mas para uma criança de quatro anos, o mesmo não se poderia dizer.

 

Era uma tarde de verão, pelo que estava quente, e lá fui eu, avenida abaixo, de mão dada com ele que, com a transpiração, às vezes perdia-lhe a mãozita. E lá voltava a agarrar a mãozinha dele, puxando um pouco mais, para chegar a horas à consulta. Por aí a baixo, foram vezes sem conta que as nossas mãos dadas se perderam, por conta de tanto transpirarem.

 

Fomos e voltámos para casa e a páginas tantas, apercebi-me de que me faltava o anel. Fiquei aflita, olhando ao meu redor a ver se o tinha deixado cair naquela altura, mas não o vi em lado nenhum. Posto isto, não tinha por onde procurá-lo, pois tinha a certeza de não o ter tirado para nada e ele estava no meu dedo, como de costume. Parei para pensar e rebobinar o filme, tendo chegado à conclusão de que, numa daquelas vezes em que perdi a mãozinha dele, o anel escorregara sem dar por isso. Era a única explicação plausível.

 

Pensava agora que por aquela avenida abaixo, caído na terra clara e poeirenta, algures, estaria o anel da minha mãe. Onde teria sido? Que fazer? Eu podia percorrer de novo o caminho, mas seria o mesmo que encontrar uma agulha num palheiro. E quem poderia garantir que tivesse tido esse descaminho? Poderia ter sido de outra maneira!? A minha cabeça rodopiava aflita, porque eu não podia ter perdido aquele anel, tão importante que ele era para mim. Parecia que tinha perdido uma parte de mim e eu não estava inteira. E comecei a sentir uma grande tristeza, bem como um nefasto sentimento de culpa. Estava mal, horrivelmente mal. Sentia-me até merecedora de um castigo.

 

Nessa noite, quando me deitei, sem deixar de pensar no assunto, chorei, para me sentir um pouco aliviada e adormeci com a mágoa de ser certo não voltar a ter o meu tão precioso anel.

 

A noite passou. Quando acordei, era outra. O sono tinha-me sido francamente repousante e ilibara-me da carga emocional que pesava sobre mim. Tinha tido um sonho espectacular. Maravilhoso! Parecia real, tão forte tinha sido a sua sensação.

 

Eu entrava numa capela ou coisa que o valha. Ao fundo, um altar e uns bancos de madeira corridos como os das igrejas católicas. No centro desse altar, ornado de flores, estava uma imagem da Virgem, linda, tão linda que parecia real. Perante aquela maravilha, comecei a caminhar lentamente na sua direcção, com a intenção de me aproximar e lhe tocar. Ela irradiava luz e parecia que uma frescura ou um sopro de vida, passava por ela. E à medida que me aproximava tornava-se ainda mais real, mais bonita, mais luminosa, mais pura e eu tinha que lhe tocar e ajoelhar aos seus pés e implorar que aliviasse o meu sofrimento. 

 

Mas eu ia andando e ela também e havia sempre uma distância entre nós, que eu não conseguia encurtar, por mais que andasse. E sempre com os olhos fixos nela começo a ver que o rosto dela é o rosto da minha mãe. E quanto melhor a vejo, mais o rosto da minha mãe eu via, sorrindo docemente, enquanto ia transmitindo a sua mensagem. Queria dizer-me que o anel não tinha importância nenhuma e que não valia o meu sofrimento. Que tudo o que temos nesta vida é matéria perecível e que nada justificava o estado de tristeza em que eu me encontrava. Que o importante para ela era a minha felicidade, a minha alegria e que nenhum anel ou outra coisa qualquer, eram mais preciosos para ela, do que eu. Que ela me amava incondicionalmente e era tudo o que lhe importava.

 

E eu queria chegar até ela, tocar as suas vestes de luz e ela dizia que isso não podia acontecer. Que o nosso encontro não podia ser físico e que tinha ido até ali só para me devolver a paz de espírito. E as minhas lágrimas de felicidade rolavam pela cara abaixo, pedindo-lhe que não se fosse embora, que ficasse, que me levasse com ela, porque queria estar junto dela e ela só dizia que isso não podia ser de maneira nenhuma. Que ela tinha que partir, mas eu tinha que ficar bem, porque estava tudo bem. E sorrindo se foi.

 

Quando acordei, revi o "filme" e entendi a mensagem. Tinha entendido o sonho. Agradeci a Deus por aquela bênção tão grande e a partir daí comecei a dar um valor diferente às coisas materiais. De facto, elas não me fazem tanta falta assim. Aquele anel ensinou-me uma das maiores lições da vida e esse foi o real valor que ele representou para mim. Sem dúvida.

 

A morte não é o fim. Quem sabe, o princípio...