domingo, 20 de maio de 2012

O Álvaro - 32


Sempre que eu conhecia uma pessoa, inclusivé criança, tinha o hábito de ver as mãos e dar uma olhadela nas linhas da mão. Talvez não fosse uma boa prática, mas não conseguia deixar de o fazer. É que esta, era a maneira de ficar com uma ideia geral e bastante precisa da pessoa em causa. E isso era importante para mim.

 

Quando conheci o Álvaro, essa necessidade não se manifestou como habitualmente, pelo menos logo de início. Só passado algum tempo é que me veio aquela curiosidade. E ao olhar as mãos dele pela primeira vez, algo de estranho se me deparou. Depois de fazer o cálculo da idade, percebi que a linha da vida terminava naquela altura. Achei que estava confundida e que essa indicação seria a mudança da vida dele, relativamente ao divórcio com a ex-mulher. E como vivíamos em constante brincadeira, num clima de muita descontracção por nos sentirmos muito bem um com o outro, sinceramente, não me dei ao trabalho de aprofundar o assunto. Nem me apetecia pensar naquilo. Estava tudo tão bem!

 

O tempo foi passando e lá voltei a ver as mãos dele, sendo que a informação era a mesma, por mais que eu tentasse ver outra coisa, por mais que não quisesse ver o que estava bem patente. A linha da vida dele era bem explícita. Terminava ali, independentemente do que eu tentava "inventar" e ponto final. E tentava inventar razões para aquele término de linha, baralhando-a com outras linhas, tentando tirar ilacções e interpretações diferentes, que nada tinham que ver com a "verdade" nua e crua.

 

Limitava-me a pensar que não podia ser. Ele era uma pessoa saudável. Além de fumar, não tinha vícios. Porque haveria de morrer, logo agora que nos tínhamos acabado de conhecer e estávamos tão felizes? Tudo corria bem. Mais que bem. Tudo era perfeito. Certamente eu estava errada, só podia ser isso. Éramos muito felizes e isso era a única coisa que me importava.

 

Evidentemente que nunca lhe falei neste assunto claramente. Eram apenas suposições de mau gosto da minha parte e ignorância no que respeitava à leitura das mãos. Precisava aprofundar os meus conhecimentos para não correr riscos tão sérios de me enganar em casos de vida ou de morte. Era preciso ter muito cuidado.

 

E os dias foram passando, com a nossa vida a correr às mil maravilhas, que até parecia um sonho. E passou um mês. E passou outro mês. E passaram três meses. E passaram mais uns meses e tudo era perfeito. E chegou o sétimo mês e como tudo fosse realmente bom demais para ser verdade, as coisas mudaram. 


Assim, numa madrugada de domingo, depois de ter sido submetido a uma terceira cirurgia, no espaço de apenas uma semana e apenas por causa de uma hérnia, o Álvaro partia para não mais voltar.

 

E a vida continua, diziam-me.

 

A vida continua, sim, porque "uns têm a coragem de partir e outros têm a coragem de ficar".

 

Mas a prévia leitura das mãos acabou. Nunca mais. Foi a promessa que fiz a mim mesma.


2 comentários:

  1. Muito original sua história e uma boa lição de vida também.

    Acabei perceber mais ainda porque cruzaste o meu caminho!

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  2. A minha história não e muito nem pouco original.
    A minha história, infelizmente, ela e verdadeira.

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