Estava eu em amena conversa com uma amiga de infância, falando-lhe
de um determinado assunto, quando de repente me faltou a palavra que
queria dizer. Não conseguia lembrar-me de maneira nenhuma. Fazia um esforço
enorme, mas a dita não me saía. Parecia que tinha desaparecido por completo da
minha memória.
E ela olhava para mim, na expectativa de que a qualquer instante eu
desembuchasse, mas a coisa era mais séria e eu não conseguia mesmo. Não
conseguia, por mais que me esforçasse. Mas tinha que ultrapassar aquilo e para
mim, coisas aparentemente impossíveis, despertam e aguçam todos os meus
sentidos e o meu cérebro entra em actividade completa, o que faz com que
sempre consiga resolver o problema. Ou quase sempre. Foi o caso.
A palavra existia. Disso não tinha dúvidas. Independentemente do meu
esquecimento, fazia parte do dicionário. Dicionário!... Era esse o caminho.
Começava a fazer-se luz. Mas como encontrar no dicionário uma palavra, se eu
não sabia qual era e nem tão pouco me lembrava por que letra começava? Era como
procurar uma agulha num palheiro. Mas o caminho era esse. Era aí que eu
eventualmente iria encontrar a palavra que queria.
Posto isto, levantei-me e fui direita à estante. Ela olhava-me, atenta aos
meus movimentos, mas sem fazer a menor ideia do que me passava pela cabeça. De
repente, percebendo que eu estava à procura de qualquer coisa,
perguntou-me o que é que eu queria. Disse-lhe que um dicionário resolveria o
problema. Ela deu uma gargalhada de gozo, levantou-se e disse-me que ali só me
podia arranjar um dicionário de Inglês-Português. Parei um instante e depois
acedi, porque era a mesma coisa. A palavra estaria igualmente ali.
Voltei a sentar-me e ela fez o mesmo, olhando para mim com um certo
espanto. Eu sabia que pela cabeça dela passava qualquer coisa como "é
mesmo doida", mas não liguei. Coloquei o dicionário em cima da mesinha de
apoio que estava junto de nós. Ela continuava observando todos os meus
movimentos, ávida do que se seguiria. Disse-lhe em voz alta que a palavra
estava ali e como eu não me lembrava sequer da letra por que começava, iria
simplesmente pedir ajuda ao dicionário. Ela confirmava que eu era
maluca e ria. Não me deixei intimidar. Carreguei a minha mente, isto é,
programei-me com toda a energia necessária e dei ordem mental ao
dicionário para me mostrar a palavra que eu queria. Com os olhos
semicerrados abri o dicionário, que passou sozinho algumas folhas até
parar e com os olhos fechados, pedi ao meu indicador que se posicionasse
na palavra certa. Assim fiz. E ela ria...
Quando abri os olhos, segui o meu dedo indicador. Por cima dele podia
ler-se a palavra "antropologia".
Ela olhou para mim e riu que nem uma perdida, dizendo que tinha sido por
"acaso". Pois, para ela teria sido um acaso. Mas eu sabia que não
tinha sido um acaso qualquer. Eu sabia que tinha sido a força da mente a
trabalhar. A mente tem uma força absoluta, mas é preciso ter consciência disso.
E eu limitei-me a usar essa força que todos nós normalmente esquecemos,
desperdiçando as nossas reais capacidades.
Por mais disparatado que possa parecer eu sei que não foi o
"acaso".
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