quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Lua branca, lua cheia - 72



Sempre gostei de escrever. Mais até do que gostar é uma enorme necessidade. Escrever é um refúgio. Durante muitos anos escrevi poesia porque a poesia para mim é quase um código. E era nele que me decifrava. Até que um dia dei a oportunidade à prosa e a prosa saiu de vez.

Escrever é importante, tanto quanto dormir, comer, beber… é quando me entrego a mim mesma e me retrato. É quando exponho a verdade mais verdadeira. É quando me descubro e me desnudo. Tudo fica mais fácil, mais transparente, mais cristalino. E mais belo também, como a beleza duma lua iluminada.

Através da escrita estou sempre a desvendar mistérios e a descobrir quem sou e a que vim. Depois, há o resgate. E isso não é uma tarefa fácil. Mas é importante fazê-lo. São as lembranças que pensamos estarem enterradas e não estão. Não podem estar. Boas ou más elas estão sempre aí, presentes, ainda que adormecidas, mas sempre intactas, ao nosso lado. Somos seres multifacetados. Como o açúcar se dissolve na água, assim também o nosso ser essência se dilui no éter, fundindo-se com o cosmos e por aí vai ficando, sem termos consciência disso. Mas ele está lá inteiro, tal qual o açúcar na água.

Uma amiga muito especial, psicóloga clínica, contou-me uma vez uma história interessante. Que tinha ido a casa de uma colega onde estava um grupo de amigos reunidos com um indivíduo mais velho, professor universitário. Ao vê-la, sendo que nunca antes se tinham visto, olhou-a com uma certa surpresa para logo de seguida se surpreender a si mesmo, bem como a ela, dizendo: “ah, você é a tal… quero dizer, uma que faz parte do grupo que actua comigo nos trabalhos de cura durante a noite…”(?).

Quando ela fez esta conversa comigo não entendi ou fiz que não entendi, pois precisava de algo mais concreto. Mas ela continuou a conversa, explicando-me que também não tinha entendido o que o professor lhe teria dito. Então ele sentou-se com ela e começou a falar-lhe do projecto que tinham e do qual ela fazia parte, sem saber.

Contando-me isto ela ria, dizendo-me que não fazia a menor ideia de que durante a noite andava por aí auxiliando pessoas, levando um pouco de alívio a quem dele necessitava. Achava tão estranho quanto curioso. Mas o professor sabia do que falava e ela não o poria em causa. De certa forma ficava até agradecida por saber desse pormenor, que para ela representava um “mistério” ainda que fascinante. E contava-me aquilo numa tentativa de obter da minha parte um entendimento razoável, porque não era assunto para falar com qualquer pessoa.

Na altura, de facto, parecia-me coisa de loucos, mas só na aparência, porque há muito aprendi que as maiores verdades e as coisas mais sérias se escondem por detrás dos véus invisíveis do inconsciente. É verdade. O inconsciente sabe tudo. É uma janela fechada à espera de ser aberta de par em par.

Passaram-se uns bons anos e cada vez percebo melhor esse episódio estranho ou insólito da vida dela. Basta-me pensar que quando me deito e adormeço, só acordo para a realidade no dia seguinte, ou antes, não importa. O facto é que quando volto à realidade sei que estive ausente. Então, se estive ausente, por onde andei? E não raras vezes me recordo perfeitamente dos sítios e lugares por onde vagueei, das pessoas com quem estive, das coisas que fiz e que falei. Outras vezes não. Contudo, sempre que acordo, tenho a noção de que estive ausente. É uma sensação de tal modo forte que até hoje fico surpreendida e maravilhada, depois de mais um sono, por estar de volta ao mundo físico. É o planeta terra a chamar. Se é bom adormecer, também é bom acordar para um novo despertar.

A alma e o espírito, sendo coisas diferentes, trabalham para o mesmo fim - é sabido - e se o espírito tem liberdade infinita, a alma tem uma pluralidade fragmentária igualmente infindável. Logo, eu não sou só eu, ou seja, aquela que mostro ou que aparento ser, é apenas uma das muitas versões que eventualmente posso ser. E se durante o dia, acordados, fazemos determinadas tarefas e agimos em concordância com o meio, de forma coerente ou não, durante a noite, em pleno sono, em que alma e espírito se libertam da matéria para dar vazão ao ser genuíno que somos, porque não aceitar que alguns de nós tenham a capacidade de se unir numa corrente solidária, orientada pelas leis cósmicas, organizando-se de forma inteligente, a bem da humanidade? Eu sei que à primeira vista isto parece uma coisa muito louca. Mas não estará isto relacionado com o princípio da questão dos mundos paralelos?

O que sei é que durante a noite, através do sono, vagueio sem destino. Quando me recordo, sei que estive lá, mas quando não me vem nada à lembrança, aí é que reside o maior mistério. Onde estive? O que fiz? Parece que venho dum buraco negro. Do vazio. Mas isso não existe. Apenas, não me lembro. Mas porque não me lembro sempre? Deve haver uma razão. E o facto de não me lembrar altera alguma coisa?

Claro que para tudo isto tem que haver respostas. O facto de não as termos não significa que não existam. Tudo tem uma razão de ser, um propósito. Nada é ao acaso. Tudo o que não sabemos é apenas “consciente”. A resposta para tudo está no nosso inconsciente. Ir lá buscá-la é que é o problema. É estranho, porque isso significa que não comandamos zonas do nosso cérebro. Confiamos tanto e entregamo-nos à inteligência artificial que passa pela robótica, mas não conseguimos acessar o nosso próprio computador humano!?

Quanto maior for a nossa capacidade de fusão com o cosmos, maior será a nossa capacidade de entendimento dos mistérios que pensamos desconhecer. Os nossos olhos, os olhos da alma, vão-se abrindo magicamente à medida que penetramos na poeira cósmica e mergulhamos na profundidade etérica. A morada do mistério. Do mistério de todos os mistérios. A vida e a luz.

E é por isso que uns têm a capacidade de durante o sono se desdobrarem para a realização de tarefas que durante o dia, no mundo real não podem, porque não têm tempo ou simplesmente porque são tarefas que estão para além das suas possibilidades no mundo material. A matéria limita, atrofia, bloqueia. Na matéria reside o medo que fora dela não existe. Precisamos do mundo material para aprender, mas somos muito mais do que isso.

Assim sendo, não parece tão estranho, tão surreal, pensar que seres de luz se manifestem durante a noite, colaborando em missões verdadeiramente válidas, onde o mundo das trevas se desfaz para dar lugar ao bem maior do amor incondicional.

Pelo muito que há a fazer e a trabalhar nesse campo, não me incomodava em nada fazer parte desse projecto, mas provavelmente não serei para aí chamada, pois muito caminho tenho ainda pela frente. Mas quem sabe um dia muitos de nós não seremos também chamados, por estarmos habilitados a entrar nesse ou noutro plano divino tão sublime. Por ora contento-me com a minha escrita.

Muitas luas passarão, mas uma especial virá. Quem sabe?!