Sempre
gostei de escrever. Mais até do que gostar é uma enorme necessidade. Escrever é
um refúgio. Durante muitos anos escrevi poesia porque a poesia para mim é quase
um código. E era nele que me decifrava. Até que um dia dei a oportunidade à
prosa e a prosa saiu de vez.
Escrever
é importante, tanto quanto dormir, comer, beber… é quando me entrego a mim
mesma e me retrato. É quando exponho a verdade mais verdadeira. É quando me
descubro e me desnudo. Tudo fica mais fácil, mais transparente, mais
cristalino. E mais belo também, como a beleza duma lua iluminada.
Através
da escrita estou sempre a desvendar mistérios e a descobrir quem sou e a que
vim. Depois, há o resgate. E isso não é uma tarefa fácil. Mas é importante
fazê-lo. São as lembranças que pensamos estarem enterradas e não estão. Não
podem estar. Boas ou más elas estão sempre aí, presentes, ainda que
adormecidas, mas sempre intactas, ao nosso lado. Somos seres multifacetados.
Como o açúcar se dissolve na água, assim também o nosso ser essência se dilui
no éter, fundindo-se com o cosmos e por aí vai ficando, sem termos consciência
disso. Mas ele está lá inteiro, tal qual o açúcar na água.
Uma
amiga muito especial, psicóloga clínica, contou-me uma vez uma história
interessante. Que tinha ido a casa de uma colega onde estava um grupo de amigos
reunidos com um indivíduo mais velho, professor universitário. Ao vê-la, sendo
que nunca antes se tinham visto, olhou-a com uma certa surpresa para logo de
seguida se surpreender a si mesmo, bem como a ela, dizendo: “ah, você é a tal…
quero dizer, uma que faz parte do grupo que actua comigo nos trabalhos de cura
durante a noite…”(?).
Quando
ela fez esta conversa comigo não entendi ou fiz que não entendi, pois precisava
de algo mais concreto. Mas ela continuou a conversa, explicando-me que também
não tinha entendido o que o professor lhe teria dito. Então ele sentou-se com
ela e começou a falar-lhe do projecto que tinham e do qual ela fazia parte, sem
saber.
Contando-me
isto ela ria, dizendo-me que não fazia a menor ideia de que durante a noite
andava por aí auxiliando pessoas, levando um pouco de alívio a quem dele
necessitava. Achava tão estranho quanto curioso. Mas o professor sabia do que
falava e ela não o poria em causa. De certa forma ficava até agradecida por
saber desse pormenor, que para ela representava um “mistério” ainda que
fascinante. E contava-me aquilo numa tentativa de obter da minha parte um
entendimento razoável, porque não era assunto para falar com qualquer pessoa.
Na
altura, de facto, parecia-me coisa de loucos, mas só na aparência, porque há
muito aprendi que as maiores verdades e as coisas mais sérias se escondem por
detrás dos véus invisíveis do inconsciente. É verdade. O inconsciente sabe
tudo. É uma janela fechada à espera de ser aberta de par em par.
Passaram-se
uns bons anos e cada vez percebo melhor esse episódio estranho ou insólito da
vida dela. Basta-me pensar que quando me deito e adormeço, só acordo para a
realidade no dia seguinte, ou antes, não importa. O facto é que quando volto à
realidade sei que estive ausente. Então, se estive ausente, por onde andei? E
não raras vezes me recordo perfeitamente dos sítios e lugares por onde vagueei,
das pessoas com quem estive, das coisas que fiz e que falei. Outras vezes não.
Contudo, sempre que acordo, tenho a noção de que estive ausente. É uma sensação
de tal modo forte que até hoje fico surpreendida e maravilhada, depois de mais
um sono, por estar de volta ao mundo físico. É o planeta terra a chamar. Se é
bom adormecer, também é bom acordar para um novo despertar.
A
alma e o espírito, sendo coisas diferentes, trabalham para o mesmo fim - é
sabido - e se o espírito tem liberdade infinita, a alma tem uma pluralidade
fragmentária igualmente infindável. Logo, eu não sou só eu, ou seja, aquela que
mostro ou que aparento ser, é apenas uma das muitas versões que eventualmente
posso ser. E se durante o dia, acordados, fazemos determinadas tarefas e agimos
em concordância com o meio, de forma coerente ou não, durante a noite, em pleno
sono, em que alma e espírito se libertam da matéria para dar vazão ao ser
genuíno que somos, porque não aceitar que alguns de nós tenham a capacidade de
se unir numa corrente solidária, orientada pelas leis cósmicas, organizando-se
de forma inteligente, a bem da humanidade? Eu sei que à primeira vista isto
parece uma coisa muito louca. Mas não estará isto relacionado com o princípio
da questão dos mundos paralelos?
O
que sei é que durante a noite, através do sono, vagueio sem destino. Quando me
recordo, sei que estive lá, mas quando não me vem nada à lembrança, aí é que
reside o maior mistério. Onde estive? O que fiz? Parece que venho dum buraco
negro. Do vazio. Mas isso não existe. Apenas, não me lembro. Mas porque não me
lembro sempre? Deve haver uma razão. E o facto de não me lembrar altera alguma
coisa?
Claro
que para tudo isto tem que haver respostas. O facto de não as termos não
significa que não existam. Tudo tem uma razão de ser, um propósito. Nada é ao
acaso. Tudo o que não sabemos é apenas “consciente”. A resposta para tudo está
no nosso inconsciente. Ir lá buscá-la é que é o problema. É estranho, porque
isso significa que não comandamos zonas do nosso cérebro. Confiamos tanto e
entregamo-nos à inteligência artificial que passa pela robótica, mas não
conseguimos acessar o nosso próprio computador humano!?
Quanto
maior for a nossa capacidade de fusão com o cosmos, maior será a nossa
capacidade de entendimento dos mistérios que pensamos desconhecer. Os nossos
olhos, os olhos da alma, vão-se abrindo magicamente à medida que penetramos na
poeira cósmica e mergulhamos na profundidade etérica. A morada do mistério. Do
mistério de todos os mistérios. A vida e a luz.
E
é por isso que uns têm a capacidade de durante o sono se desdobrarem para a
realização de tarefas que durante o dia, no mundo real não podem, porque não
têm tempo ou simplesmente porque são tarefas que estão para além das suas
possibilidades no mundo material. A matéria limita, atrofia, bloqueia. Na
matéria reside o medo que fora dela não existe. Precisamos do mundo material
para aprender, mas somos muito mais do que isso.
Assim
sendo, não parece tão estranho, tão surreal, pensar que seres de luz se
manifestem durante a noite, colaborando em missões verdadeiramente válidas,
onde o mundo das trevas se desfaz para dar lugar ao bem maior do amor
incondicional.
Pelo
muito que há a fazer e a trabalhar nesse campo, não me incomodava em nada fazer
parte desse projecto, mas provavelmente não serei para aí chamada, pois muito
caminho tenho ainda pela frente. Mas quem sabe um dia muitos de nós não seremos
também chamados, por estarmos habilitados a entrar nesse ou noutro plano divino
tão sublime. Por ora contento-me com a minha escrita.
Muitas
luas passarão, mas uma especial virá. Quem sabe?!