O Riaz foi trabalhar para a Grécia. Estávamos constantemente em contacto por telemóvel, mas sentíamos muito a falta um do outro, tanto mais que não havia previsão de data de regresso.
Um dia falou-me na hipótese de eu ir para lá, o que era totalmente inviável. Então, pôs-se a hipótese de ir de férias, o que muito me agradou, pois nunca tinha estado na Grécia e aí estava uma excelente oportunidade de conhecer um pouco a Grécia e ao mesmo tempo estar com ele.
Marcaram-se as passagens para Julho e comecei a planear tudo. Sonhava acordada e imaginava mil e uma coisas. Fazia-lhe imensas perguntas por telemóvel, a que ele respondia que logo via quando chegasse.
Um Sábado à
tarde, como estava sonolenta, resolvi fazer uma sesta. Recostei-me e adormeci.
Mas antes de adormecer, pensei que queria sonhar com a Grécia. Queria mesmo,
portanto, programei-me para isso. Daí, a conseguir, era um passo gigantesco. O
facto é que adormeci profundamente, tanto que, acordei bruscamente, com o Henrique
a chamar por mim. Lembro-me de ter tido noção de acordar de um sono muito
profundo, que me estava a saber muito bem. Por sinal, até fiquei um pouco
irritada, mas resolvi o problema dele, levantei-me para ir buscar um copo de
água, olhei para o relógio, porque queria continuar a dormir e de repente
lembrei-me que estava a meio de um belo sonho. Sonho esse que estava numa parte
muito bonita, quando foi abruptamente interrompido. Então concluí que não devia
ter acordado, porque queria continuar a dormir e a sonhar, mas a sonhar aquele
mesmo sonho. Voltei rapidamente para o meu aconchego, fechei os olhos com muita
força e disse para mim mesma que tinha que entrar no sonho, no sítio onde
estava. Também estava claro no meu consciente que isso era uma utopia, mas de
um jeito quase infantil, decidi descartar essa hipótese e acreditar que seria
possível. Quanta loucura!
O facto é
que voltei a dormir e quando acordei, percebi que tinha entrado novamente no
sonho, no mesmo sonho que, por sinal, tinha tido continuação. Lembro-me de
acordar e ficar tão espantada com tal situação, que pensei comigo mesma "e
não é que entrei no mesmo sonho, sem que tivesse havido interrupção!".
Achei aquilo absolutamente fantástico. Nunca me tinha acontecido e nunca pensei
que fosse possível.
Mas o reino
do fantástico não fica por aqui. Quando acordei, de ambas as vezes, foi como se
tivesse acabado de chegar daquele lugar do sonho. Era uma sensação de que tinha
acabado de chegar a casa, ao meu corpo, porque era tudo muito real. De facto, eu
tinha estado lá e como, mas isso só mais tarde saberia. Para todos os efeitos,
naquele momento, tinha regressado de algures que eu não sabia onde era, mas que
tinha sido perfeitamente real. E até aí só achava curioso o facto de ter
conseguido voltar ao mesmo sonho, à mesma cena, depois de já ter acordado.
Revi o sonho
várias vezes, como um filme. Havia uma casa, mais casas e paisagens. Mar. Mar
lindo. Muitas paisagens lindas. No meio desse filme apareciam uma série de
flashes instantâneos, como se uma janela se abrisse. Mas eram de uma beleza tão
grande que me ficaram bem marcados. E passavam pela minha lembrança, que as
retinha, em prol da beleza, pensando onde é que eu teria ido buscar tudo
aquilo, ou melhor, onde é que eu tinha estado? Essa era a pergunta certa.
Enfim, nunca
suspeitei de nada. Achei que era uma coisa fantástica ter tido um sonho
maravilhoso, com tanta coisa deslumbrante, mas era só isso. Onde o sonho me
tinha levado eu não fazia a menor ideia. Mas havia como que uma certeza de que
aqueles lugares existiam, apenas e somente pela clareza com que os tinha visto,
pela força da sensação de presença física que me tinha marcado ao acordar e
mais nada.
Foi como se
eu tivesse ido ao cinema e tivesse assistido a um filme com um intervalo.
As coisas
que a nossa mente prodigiosa consegue!
O tempo foi
passando e julho chegou, trazendo a minha tão esperada viagem. O Riaz estaria à
minha espera no aeroporto de Atenas, conforme planeado e depois apanharíamos um
"overcraft" ou outro daqueles barcos maravilhosos que vão para as
ilhas.
Sete horas
da tarde, 36 graus centígrados, o Riaz chama um táxi. Estamos em Hermíoni, a
caminho de casa. Cansada, mais propriamente por conta do calor e da emoção, do
que de outra coisa qualquer. Depois de matar as primeiras saudades, fico a ver
a paisagem. Acomodo-me e tento relaxar, enquanto o táxi percorre aquelas
estreitas estradas da ilha, com características muito portuguesas. Está quase,
quase, a cair a noite. Mais meia hora e estará escuro. O táxi vai fazendo o percurso
numa estrada cheia de curvas que me mostra o mar, tão bonito e o horizonte
cheio de cor, bem como o pôr-do-sol. E de repente, entre uma curva e outra,
abre-se uma clareira, na qual se insere um quadro da natureza, de uma beleza
indescritível. Foi como um flash. Olhei para trás para agarrar aquela vista,
mas já tinha passado. Só que, apesar disso, eu já tinha visto aquele mesmo
cenário, aquele mesmo flash. Eu vi. Enquanto isso, já noutra curva, eis que
aparece outro cenário maravilhoso, noutra perspetiva da ilha, tão bonita quanto
a outra e eu sei que já vi antes. E repetem-se. Parecem slides a passar à minha
frente. É lindo. E outro e outro.
Pois vi, eu
sei que vi... no sonho. O sonho que tive um dia durante a sesta, em que me
programei para sonhar com a Grécia. Quando acordei, percebi que tinha estado em
espírito, num lugar muito belo, mas não sabia onde era. Aí estava ele. Afinal a
minha programação não falhara. Se acreditássemos a cem por cento em nós, a
nossa área de conhecimento seria bem diferente. Bom, mas isso é utopia. Se
assim fosse não seríamos homens, mas sim deuses e por enquanto não somos
deuses, somos apenas um "projecto" - o homem - o sonho dos Deuses.
O
inconsciente é um poço de surpresas.
Oito e meia
da noite, o táxi pára. Chegámos àquela que seria a nossa casa durante as minhas
férias. Estava escuro, não se via grande coisa e eu estava cansada e agitada,
com tanta novidade. O local não era especialmente iluminado. Passei o jardim e
entrei em casa. Vieram os irmãos do Riaz dar-se a conhecer e fazer a sua
saudação muçulmana, para logo depois se retirarem. Entrei, arrumei a bagagem.
Vi a casa, orientei-me. Da janela ouvia o mar, o mar que sempre ouvia quando
falava com o Riaz ao Telemóvel e com que eu tanto sonhava. Descansámos, falámos
e dormimos. No dia seguinte continuei a acomodar-me e não pararam as
apresentações. Não era a portuguesa, mas sim a portugália, mulher do Riaz, que
toda a gente queria conhecer e eu ainda me sentia cansada, mas então veio o dia
seguinte, o segundo dia.
Manhã cheia
de sol - "Kalimera" - o Riaz dá-me os bons dias e quer que me levante
para ver a ilha. Levanto-me, enfio o meu vestido comprido azul, de algodão
indiano, leve e solto, meio transparente e abro as janelas de madeira pintadas
de azul, tão características das ilhas gregas.
Huau! Já me
tinha esquecido. Tenho um jardim lindíssimo, só para mim, cheio de árvores
carregadas de flores e roseiras lindas, divinamente perfumadas. Isto tudo só
para mim. E o mar! A praia mesmo ao fundo do meu jardim. A minha praia
privativa. Saio de casa, os irmãos do Riaz já saíram para ir trabalhar, excepto
o Taj, o mais novo, saúda-me - "Salamalecum" madame - retirando-se
rapidamente para dentro de casa. Enquanto eu estiver ali, ele não poderá
permanecer cá fora. Regras de outras culturas.
Encaminho-me para a praia, a minha praia. Caminho um pouco sobre as pedras
cuidadosamente polidas por quantos pés já ali passaram, por quantas ondas já
ali bateram. São suaves, óptimas para massajar a planta do pé e a água chega
até mim, devagar, de mansinho, quente... tudo isto é um sonho. Tudo na medida
certa, tudo de bom tamanho, mas muito mais do que pedi a Deus. Até custava a
acreditar, tudo aquilo só para mim. Tiro rapidamente o vestido e mergulho na
água, sem o menor esforço. A água é quente, quente como eu gosto. O Riaz fica a
ver e a tomar conta de mim, pois a mulher de um muçulmano não pode ser
observada por nenhum outro homem. É uma falta grave que dá direito a morte. Só
que eu estou ali para fazer tudo, tudo o que me apetece, tudo a que tenho
direito. São as minhas sonhadas férias na Grécia. E todas as regras vão ser
quebradas ou pelo menos, quase todas.
Saio da
água, enfio o meu vestido azul de algodão indiano, porque não posso ficar
exposta, sem roupa. A mulher de um muçulmano, nunca. Mas só estamos no primeiro
dia. Devagar, devagarinho, com o passar do tempo, as coisas vão ao sítio e eu
conheço o meu homem.
O Riaz ficou
sentado a fumar e eu aproveitei para caminhar um pouco. Caminhei até ao hotel
mais próximo, sempre pela beira da água. Todos sabiam já quem eu era, a mulher
europeia do Riaz.
Continuei a
caminhar, sozinha. Já não se avistava ninguém. Parei, olhei para trás e aí
estava ele, o meu sonho. A casa, as outras casas, os jardins, a praia, agora
sim, estava certa. Não era a primeira vez que via tudo aquilo e não era a
primeira vez que estava ali. Naquela tarde em que dormi e sonhei, não foi só um
sonho. Eu tinha estado ali em espírito, por isso a minha sensação de presença
física era tão forte. Eu já conhecia aquele lugar. Ah, mas isso era apenas a
primeira metade do meu sonho, porque chegava ali e parecia que tudo acabava.
Provavelmente, a segunda metade era fantasia do meu subconsciente, de tanto
querer continuar o mesmo sonho. Mas isso era o que eu pensava.
Passaram-se
uns dias e contei ao Riaz o meu sonho. Ele achou graça e disse-me que havíamos
de encontrar a segunda parte. Rimos juntos e as coisas ficaram por aí, até que
um dia, os dois juntos, caminhámos até àquele mesmo sítio onde parecia que tudo
terminava. Mas o Riaz fez-me sinal para o seguir, dizendo que do outro lado era
muito bonito. Eu duvidei, dizendo-lhe que não podia ser, que ali já não havia
por onde ir. Como ele continuou a caminhar, limitei-me a segui-lo, sem me
importar para onde ia e fui atrás dele, sempre com a cara no chão, para ver bem
onde punha os pés.
Passámos umas pedras grandes e o sol apareceu de frente. Parei para
proteger a cara da luz, fui-me virando e realmente o Riaz estava certo. Eu nem
queria acreditar no que via. Era um sossego e uma paz do outro mundo. Praia a
perder de vista, tão calminha que parecia um lago. Casas super luxuosas, como
eu sempre sonhei, todas envidraçadas, as pessoas estavam lá dentro como se
estivessem ao ar livre. Eram alemães, na sua maioria, explicou-me ele. Não
havia uma casa em cima da outra. Cada uma era uma ilha isolada, sem
interferência das outras, no entanto, ninguém precisava de se esconder, as
pessoas respeitavam o espaço dos outros e a vida de cada um.
Aquilo era outro mundo, o mundo dos milionários, talvez, mas era bonito. A mim
bastava-ma a casa de quatro divisões, onde estava instalada, com um jardim à
volta e a praia em frente. Sem dúvida, era o meu paraíso, mas aquele lado da
ilha, de outro ponto de vista, era soberbo. Além disso, era a segunda metade do
meu sonho e isso era, sem dúvida, relevante para mim. Agora estava tudo
encaixado, tudo explicado e eu sabia que aquela viagem tinha sido um presente
dos deuses.
Sem falsa
modéstia, na Grécia fui tratada como uma rainha. Comi deliciosos
manjares feitos especialmente para mim. Ofereceram-me as melhores frutas que já
comi. Na Grécia, as crianças dançaram para mim. As pessoas vinham-me cumprimentar e elogiavam-me
de todas as maneiras e feitios, bem como os meus vestidos e os meus chapéus e
de tudo fizeram para que eu me sentisse em casa. Uma verdadeira conspiração
holística.
Aquele sonho
estava impresso num pergaminho bem real - a vida.
Escrevi às minhas colegas dizendo "Se os deuses um dia passaram pela
terra, é certo que reservaram este lugar para seu deleite e prazer".