segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

"Improviso" - 74



Na sexta-feira fui ao Chi Kung e encontrei a Cris. A Cris é minha colega no Chi Kung, na USO e presentemente, uma das minhas melhores amigas. Às vezes fazemos programas juntas e não raras vezes vamos ao cinema. E na sexta-feira quando a vi, apeteceu-me falar-lhe em cinema para o fim-de-semana. Porém, ela comentou tanta coisa acerca dos seus afazeres que percebi que não valia a pena falar nisso. Ficaria para outra ocasião. 

Entretanto, ainda na sexta-feira ao fim da tarde, cruzei-me com a Rosário, minha vizinha do mesmo prédio, mesmo andar, do meu lado esquerdo, que alterna os fins-de-semana entre esta casa e a casa de campo em Torres Vedras. Falámos e ela comentou que este fim-de-semana era do lado de cá. E porque não dar uma saidinha, talvez ir ao cinema? Afinal, não tinha combinado nada com a Cris nem com mais ninguém, portanto, podia ser. No entanto, ainda estava em tempo de telefonar à Cris, para o caso de ela estar interessada em ir connosco. Mas depois havia a Isabel e a Flora, que às vezes também alinham. Mas voltei a pensar que a Cris realmente parecia estar muito cheia no fim-de-semana e uma vez que nem sequer tinha falado nisso, é porque era quase certo não poder ir. Quanto às outras, deveria ter combinado mais cedo. Pois bem, iria ao cinema no sábado com a Rosário. 

A Rosário conhece a Cris, numa viagem que fizemos à Turquia e que, quase por acaso, a Cris também foi. Mas isso é uma outra história. 

No sábado falei com a Rosário e decidimos que entre o Strada e o Loureshopping, iríamos ao Strada, por causa dos horários e iríamos com uma certa antecedência para fazermos um lanchinho ou ver as novidades nas lojas e assim foi. 

Sábado à tarde, muitos carros à entrada do piso menos um, fizeram-me decidir ir para o menos dois, o que é raríssimo. Mas fui, para evitar as confusões do estacionamento. Entrámos no Centro Comercial propriamente dito e sugeri que comprássemos os bilhetes para ficarmos despachadas e depois então fôssemos dar um giro antes do cinema. Assim foi. Chegadas à bilheteira, tínhamos dois filmes em mente. Disse à Rosário que escolhesse. Escolhes tu, escolho eu, decidimos o filme que ela queria: “Amigos Improváveis”. Não era exactamente o que me apetecia, mas tudo bem. A rapariga que nos atendeu perguntou onde nos queríamos sentar. A Rosário escolheu os lugares, inclusive a fila, no que eu concordei. Era indiferente. Fomos dar uma volta e na altura certa, tendo em atenção as horas, disse-lhe que deveríamos ir andando para o cinema. E fomos. 

Entrámos na sala já com as luzes apagadas, eu na frente e ela atrás e começámos a subir os degraus. E logo no início, olhei para o cimo da sala, porque vi uma figura de mulher a despir o casaco que pensei para comigo mesma “parece mesmo a Cristina”, longe de pensar encontrá-la ali. Chegadas à nossa fila, ouço uma voz bem conhecida dizendo: “ah… apanhei-te!” Não sem espanto, olho e nem queria acreditar, a Cris, ela mesma, em pessoa. Bom, não foi preciso perguntar o que estava ali a fazer porque era óbvio. Sozinha(?), perguntei. Sim, disse ela. E perguntou quais eram os nossos lugares. Onze e doze. Treze é o meu, comentou ela. Não! Era absolutamente inacreditável. Numa sala tão grande, com meia dúzia de “gatos pingados”, a Cristina está sentada mesmo ao nosso lado. A Rosário ficou embasbacada, sem saber o que dizer, pensando que tínhamos combinado sem que eu lhe tivesse dito nada, o que não faria o menor sentido, é claro, e frisei que não tínhamos combinado nada, dado que ela parecia ter o fim-de-semana cheio, o que a Cris confirmou. Mas explicou que a irmã tinha feito anos, isso já eu sabia porque era um dos compromissos dela para o fim-de-semana, e ela tinha-lhe oferecido uma camisola que, por qualquer razão, precisava de ser trocada e como não lhe apetecia ir ao Centro, pediu à Cris para lhe tratar disso. A Cris despachou o almoço em família, ficou um pouco encostada a descansar, com a sua cadela e a sua gata Maria, e a páginas tantas achou que não havia necessidade de ficar em casa, uma vez que já todos tinham dado à sola. Subitamente, levantou-se e decidiu ir tratar da troca da prenda da irmã. Quando chegou ao Centro Comercial foi espreitar os cinemas e vendo que estava na hora, decidiu ir ver “Amigos Improváveis”. Comprou o bilhete e lá foi ela, longe de pensar que nos íamos encontrar, claro. Mas o absurdo disto tudo é que, sem combinarmos nada, escolhemos o mesmo dia, o mesmo filme, a mesma sessão e até os lugares juntos, quando não havia mais ninguém na mesma fila, nem à direita nem à esquerda?! Bingo. A Rosário continuava intrigadíssima, achando que era muita coisa para ser simples coincidência. Mas há mais. 

Na saída do cinema a Cris perguntou de que lado eu tinha o carro. Para ali, disse eu. Eu também, respondeu ela. E começámos a rir. No piso menos um ou no menos dois, perguntou novamente. Excepcionalmente, estou no menos dois, respondi. Eu também, respondeu ela. E lá começámos a rir outra vez. Entrámos no estacionamento e ela perguntou para que lado era. Para ali, respondi eu. Eu também. Enfim, os nossos carros estavam quase juntos. Bem pertinho um do outro. Por pouco não estavam lado a lado. Mas a Rosário parecia que ainda não estava bem convencida de que tudo não tinha passado de uma grande coincidência ou de coisas do destino, se assim quisermos. Não parava de referenciar tanta coincidência. E mais uma vez tive que relembrá-la de que foi ela quem escolheu o filme e os lugares. Eu apenas me limitei a concordar. 

Isto recordou-me uma história bem antiga, lá atrás, perdida no tempo, mas bastante curiosa ou não menos curiosa. 

Eu tinha então dezoito anos. Estava em Lisboa havia meia dúzia de meses, trabalhava no Ministério das Finanças e vivia num lar para raparigas estudantes e trabalhadoras. 

Era uma tarde de domingo de um dia invernoso, sem chuva, mas com muito frio. E decidi que me apetecia viver, pois era para isso que tinha deixado o liceu em Setúbal para ir trabalhar para Lisboa. Então vesti-me para sair e disse às outras miúdas que ia a uma festa. Onde? Com quem? Isso eram tudo respostas que eu não tinha para lhes dar porque também não as tinha para mim. Apenas decidi sair e apetecia-me comer umas coisas boas e dançar. Como não tinha dinheiro para me dar a esses luxos, ia sair e havia de ir a uma festa. Numa festa encontraria isso tudo que queria. 

Claro que as raparigas não tiveram em conta nada disto. Devem ter pensado que eu era doida. Além disso, sabiam que eu estava em Lisboa havia muito pouco tempo e não conhecia praticamente nada nem ninguém, além do Ministério. 

Mas eu saí mentalizando que iria a uma festa, porque me apetecia distrair um bocadinho e descontrair. Apanhei o metro das Picoas, bem pertinho do lar e lá fui eu rumo à baixa. No metro, sem querer, estavam ao meu lado dois rapazes e do nada, começámos a falar. Os dois perguntaram-me para onde eu ia e respondi que sem rumo, ou seja, sem destino certo, apenas passear um pouco. E aqui começa a trama das coincidências. Os dois iam a uma festa de aniversário de um amigo e convidaram-me para ir com eles. Uma festa, era tudo o que eu queria e como eles me pareceram gente fixe, logo aceitei. 

A festa era numa garagem. Estavam os pais do aniversariante, alguns familiares e amigos. Fui muito bem recebida por todos os presentes o que muito me encantou, é claro. O pai do garoto logo se apressou a convidar-me a tirar o longo casaco e foi uma verdadeira surpresa para todos, porque debaixo do casacão até aos pés estava precisamente o inverso, isto é, uma garota de dezoito anos, de hotpants atrevidos, que na altura muito se usava, e botas de cabedal pretas acima do joelho. Ninguém diria, mas foi assim: do casulo saiu uma deliciosa borboleta, que muito animou a festa já que todos queriam dançar comigo, a começar pelo pai do garoto que parecia encantado com a nova “amiga” do filho. 

De volta para casa, isto é, de regresso ao lar, pela hora tardia, as raparigas curiosas voltaram a perguntar onde tinha ido afinal. E simplesmente voltei a responder: “a uma festa”. O rosto delas não tinha expressão alguma. Queriam outra resposta que não fosse aquela. Uma resposta que considerassem válida e coerente ou então eu já sabia que ia a uma festa e não lhes queria dizer para não se pendurarem. Não era nada disso. Mas, uma vez mais, eu não tinha outra resposta. Na verdade, tal como lhes tinha dito antes de sair, eu tinha ido a uma festa. Uma festa de “improviso”.