segunda-feira, 2 de junho de 2014

O amigo da Lara - 48


A Isabel, que foi minha colega de trabalho durante uns anos, tinha duas filhas adolescentes das mesmas idades do meu filho. Éramos muito amigas e dávamo-nos muito bem. Partilhávamos todos os problemas pessoais e profissionais. Tudo. Era inevitável. Acontece que ela tinha muito mais problemas com as filhas dela do que eu com o meu filho. Não pelo facto de serem duas, mas porque uma delas, especialmente, era um pouco problemática. E eu conhecia-as bem, porque elas apareciam por lá muitas vezes e eram umas queridas. 

Um dia ela estava com uma preocupação especial com a filha mais nova e não conseguia falar com ela. Não atendia os telefonemas da mãe e era importante para a Isabel saber o paradeiro da filha e eventualmente, com quem ela estaria, porque o problema tinha que ver também com isso. E passaram-se horas em que volta e meia ela desabafava alto sobre o paradeiro da filha, onde estaria, o que estaria a fazer, com quem estaria, etc. 

Os subdirectores com quem trabalhávamos estavam nos seus respectivos gabinetes, mas às vezes entravam e saíam, cruzando o nosso espaço, e isso dispersava-me, mas a certa altura sossegaram, fez-se silêncio e olhando para a Isabel, vejo-lhe o semblante carregado, o olhar franzido e a preocupação lactente. 

Foi quando tomei consciência de que era preciso ajudá-la de alguma forma. Arrastei a minha cadeira para a frente da secretária dela, fechei a porta da nossa sala, que normalmente estava aberta, olhei de frente para ela e olhos nos olhos disse-lhe que queria ajudá-la. Então ela falou por alto da situação e a questão era essencialmente localizar a Lara porque, por razões que agora não vêm ao caso, ela não estava a dar resposta, o que poderia ser um péssimo sinal. 

Então, reunindo o meu maior potencial de concentração, desliguei-me do lugar onde estava e de tudo o mais à minha volta e não só, conectando-me com a Lara. Lara onde estás tu? Brincando, é mais ou menos isso. Só que é um momento muito especial e uma capacidade de esvaziamento e abstracção do ser, que permite essa sintonia. E lá estava a Lara. Eu nunca tinha ido a casa a Isabel, mas percebi, pela energia da Lara, que ela estava em casa, sentada num sofá da sala. E disse à Isabel. Disse-lhe também que ficasse sossegada porque estava tudo muito tranquilo, a aura dela estava limpa e ela não estava sozinha. E aí é que surgiu o inusitado. É claro que eu não conhecia a pessoa com quem a Lara estava. Mas vi-a fisicamente. Consegui captar a sua energia com muita fluidez, uma nitidez extraordinária... e comecei a descrever, exactamente o que estava a receber. 

A descrição do amigo da Lara, um ex-namoradinho de escola, era tão surreal que a Isabel ouvia, sem qualquer reacção. Eu podia estar a inventar. Aliás, para mim, racionalmente, aquilo era uma invenção. Donde ela surgia, isso eu não sabia, porque a descrevia sem hesitação alguma. Os dados surgiam e corriam na minha mente com a facilidade de um raio laser. Eu não tinha a noção do que estava a dizer. Simplesmente dizia. Era como se estivesse a descodificar uma transmissão confidencial vinda do espaço sideral. Nunca me tinha acontecido nada igual. Não era a interacção com um espírito, porque o rapaz estava vivo, encarnado. Eu estava a receber uma informação completa e detalhada de alguém que eu nunca na minha vida tinha visto, nem sabia quem era. E os pormenores que fornecia eram de tal modo correctos, que ela ouviu até ao meu último dado, deliciada com a descrição.  

Eu dizia-lhe que era um garoto da mesma idade e que o via com duas faces, ou seja, com dois visuais, sem que eu mesma conseguisse entender o porquê disso. Ora aparecia com o cabelo curto, corte de homem, clássico, ora aparecia com o cabelo enorme, todo eriçado, como um africano. Então a Isabel explicou-me que o rapaz, na verdade, tinha o cabelo muito curto, mas quando tinha sido namorado da Lara usava o cabelo estilo africano, muito grande e todo espetado. 

Porque é que me veio aquela descrição física dele? É que aquele dado era inconfundível para esclarecer a Isabel. Sem aquela descrição, podia ser qualquer outro amigo da Lara. E a Isabel estava impressionada com o que ouvia. E eu não menos, porque era uma experiência nova para mim. E só pensava: as coisas que a mente consegue! Estava fascinada comigo mesma. 

E a Isabel ficou tranquila, porque o garoto era boa gente e ficou a saber que a filha estava bem. 

Quando terminámos, nem nos apercebemos de que, entretanto, a confusão dos subs continuava, entrando e saindo com papéis na mão, cruzando o nosso espaço. Eles resolvendo questões altamente importantes para eles... e nós também, mas para nós... 

É bom saber que existem outras maneiras de "comunicar" muito acima das que normalmente usamos no dia a dia. É bom saber que estão ao nosso alcance e que podem "salvar" e ser úteis muito mais do que imaginamos.