terça-feira, 13 de abril de 2010

A Teresa - 19


A minha nova casa estava em obras. Foi logo a seguir ao divórcio e por força das circunstâncias tive que ficar acomodada com o meu filho, em casa de uma amiga que tinha um quarto disponível, onde permanecemos durante seis meses. 

A Teresa era bastante minha amiga mas era muito temperamental. Tinha dois lados. Um, muito divertido e outro muito impulsivo, que levava tudo à frente dela e não olhava a meios para atingir os fins. Quando estava nessa fase era terrível. Fora isso, era uma grande companheira, prestava-se a qualquer brincadeira e era o máximo. 

Tinha um namorado de há bastante tempo e tinha um segundo emprego que era um negócio dele com outros sócios. Portanto, todos os dias se viam. Para além disso, de vez em quando ele ia a casa dela e uma vez por outra ficava lá, mas era raro. E ainda se falavam muitas vezes por dia via telefone. 

Claro que se chateavam com frequência, até porque ele era casado e não estava com ela sempre que ela queria e outras coisas mais. Mas um dia tiveram uma zanga forte, como tantas outras a que não assisti e ela ficou muito aborrecida. Quando chegou, eu já estava em casa e percebi imediatamente que tinha havido tempestade brava. Trocámos algumas impressões sobre o assunto e tentei acalmá-la. Ela não me ouvia, estava com muita raiva, praguejava, rogáva-lhe pragas, etc. 

Na expectativa de a acalmar, comecei a contornar a coisa de modo a desdramatizar as atitudes que ela condenava nele. Mas ela não cedia, nem queria saber de nada do que eu dizia. A resposta é que eu não o conhecia, ela é que o conhecia e sabia o que ele era, etc. Nesse aspecto tinha toda a razão. Eu já o tinha visto pessoalmente mas, na realidade, não o conhecia. 

Depois de ouvir a história toda que ela contou concentrei-me, visualizei a pessoa dele e tentei ver o que se passava. A primeira coisa de que me apercebi é que ele estava à procura de um telefone público para lhe ligar, dado que ainda não havia telemóveis. Ela dizia que isso nunca poderia acontecer, porque não era do feitio dele. Garanti-lhe que isso estava a acontecer e ele ia telefonar para ver se a situação se compunha. Ficou a olhar para mim com os olhos muito abertos. Não disse, mas eu li no pensamento dela que estava desconfiada. E antes que mais alguma coisa fosse dita o telefone tocou. Intrigada, dirigiu-se para ele. Pôs a mão em cima e ficou indecisa. Insisti para ela atender, porque que era ele. Estava na estrada, a caminho do Algarve, onde ia deixar a mulher e o filho e, em princípio, ficaria lá o fim de semana.  

Enquanto ela continuava a olhar para mim, na dúvida se atendia ou não, apressei-a, repetindo-lhe que ele estava numa praça pública, com o carro parado de porta aberta e queria falar com ela antes de prosseguir a viagem. Ela dizia que não podia ser, mas num impulso levantou o auscultador. Quando ouviu a voz dele ficou paralisada, com uma cara assustada, a olhar para mim como se eu fosse conivente com ele, coisa que jamais poderia acontecer. Ele falava e ela balbuciava apenas, mas aos poucos ia cedendo, enquanto eu lhe fazia sinal para o ouvir e lhe dar atenção. Finalmente acabaram por se entender um com o outro. 

Ela desligou e ficou visivelmente mais calma, mas olhava para mim com um ar inquisidor, sendo a sua única preocupação, o facto de que não compreendia como é que eu sabia, porque ele não era de ter reacções daquela natureza. Eu não sabia. Limitei-me a concentrar-me para tentar entrar no campo da energia dele, mas ela não tinha a menor ideia do que isso era. Estava pensativa e muito intrigada. Disse-lhe que o que importava é que ela deveria estar mais calma porque, afinal, ele tinha tido a atenção de lhe ligar e desse modo as coisas estavam a compor-se. 

Mais tarde, ela começou a ficar novamente agitada e a andar meio desnorteada de um lado para o outro, até que me vi na obrigação de interferir uma vez mais perguntando-lhe novamente o que é que se estava a passar. Ela queria testar-me, pôr-me à prova. Fiquei indignada, mas era de prever e lembrei-lhe que éramos amigas, pelo que não havia razão para ela ficar desconfiada fosse do que fosse. Não havia motivo. Mas ela não tinha como sossegar de maneira nenhuma e começou a desafiar-me. Queria saber o que é que ele estava a fazer, onde é que estava, etc. Respondi-lhe que não era bruxa e que a finalidade era unicamente ajudá-la. Mas ela não estava confiante, nem um pouco. 

Em todo o caso, a fim de tranquilizá-la, voltei a concentrar-me e a procurar a sintonia com ele. Disse-lhe que ele estava novamente na estrada, sozinho e de regresso a Lisboa. Ela começou a barafustar comigo, muito chateada, dizendo que eu estava a enganá-la. Respondi-lhe que não tinha a menor intenção. O que estava a acontecer é que ele tinha mudado de rumo e se dirigia a casa dela para ficar com ela nessa noite. Ela estava completamente perdida. Ele não costumava ter reacções assim, de voltar atrás nas decisões que tomava e ela achava estranhíssimo que, além da atitude dele não se compadecer com o que era habitual, eu saber aquilo tudo, com detalhes minuciosos, como ela mesmo dizia. Eu também não sabia. Agora ela estava duplamente irritada, com ele e comigo e eu continuava insistindo que só queria ajudá-la, mais nada. 

Cansada, pedi-lhe desculpa, mas precisava de me deitar, apesar de ser sábado. Estava cansada e também agitada por conta de tudo aquilo. Ela ficou na sala a ver televisão. Eu estava quase a dormir, quando ouvi alguém meter a chave à porta. Assustei-me, mas logo percebi que só podia ser ele. Eu estava certa e isso eu sabia, mas o que se seguiria, isso veríamos. Ouvi uma troca de conversa não muito longa, em voz baixa e depois adormeci. 

No outro dia quando me levantei não ouvi barulho e a porta do quarto dela estava entreaberta e tudo escuro. Não fiz barulho e como o Henrique não estava comigo, estava com o pai, saí e fui ao supermercado. Demorei bastante e quando voltei ela estava em robe, na cozinha. Peguei nas compras e fui direita à cozinha para guardar o que tinha comprado. A minha primeira impressão foi que ela estava calmíssima. A tempestade tinha passado. Parecia que eu tinha sonhado com tudo o que acontecera na noite anterior. A porta do quarto dela estava aberta e não havia vestígios dele. Comentei com ela as coisas que tinha trazido e ofereci-lhe manga, que ambas adorávamos. Ficou parada com os olhos fixos em mim, como se eu tivesse cometido um crime e queria saber o que raio se passava entre mim e ele porque, para ela, não havia outra explicação para o facto de eu saber com toda a exactidão o que ele fazia ou pensava. A ela nunca tinha acontecido aquilo. Era impossível alguém saber da vida do namorado dela, o que nem ela mesma sabia. Eu disse-lhe que não tinha a menor intenção de querer saber e frisei uma vez mais, que a questão era apenas ajudá-la. Mas aquilo não entrava na cabeça dela de jeito nenhum. Senti-me mal e muito desconfortável, até porque eu nem simpatia tinha por ele. 

Enfim, ficou no ar uma situação muito embaraçosa. Mas seguiram-se mais. A reacção dela era controversa. Umas vezes mostrava-se interessadíssima e fazia até notar que precisava de mim, achando que eu lhe era muito útil. Outras vezes ficava furiosa, achando que eu tinha uma faculdade que ela não tinha e queria à força, como se fosse possível "comprar" aquela coisa para ser só dela. 

Aquela coisa era simplesmente a particularidade de se despojar do ego para se concentrar numa determinada energia. O que limita essa passagem é o ego e para muita gente não é fácil pôr de lado o ego. Somos sempre nós e o nosso ego. Não somos capazes de dar espaço a nada e a ninguém. O ego encobre, disfarça, ainda que aparentemente. Mas descarta qualquer possibilidade de aceder a outros planos, a outra dimensão. E as pessoas que julgam que podem passar por cima de tudo e todos para serem "premiadas", estão completamente enganadas. Cada um tem exactamente aquilo que merece. 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário