Nicole
era uma inglesa, professora, dava aulas de inglês e vivia sozinha. Solteira,
sem filhos, os pais viviam em Inglaterra. Apesar de ser discreta, tinha amigos
e gostava de sair e divertir-se, como era normal. Tinha carro, mas raramente conduzia, porque preferia andar nos transportes públicos. E também tinha um gato. Um
gato siamês que ela tratava com todo o amor, cuidando de todos os pormenores e
dando-lhe tudo do bom e do melhor.
Era o
seu gato, o seu bichano, que estava sempre em casa à sua espera. Nicole não
tinha do que se queixar da vida. Uma mulher jovem com cerca de quarenta anos e
uma vida bem confortável. De vez em quando ia a Inglaterra para matar saudades
do seu país e estar com os pais e restante família.
Um
dia, numa viagem, conheceu Eric. Eric era australiano e tinha uma quinta onde
vivia permanentemente. Divorciado, com duas filhas adolescentes, mantinha um
relacionamento civilizado com a ex-mulher. Nessa viagem, Nicole e Eric trocaram
impressões, conheceram-se um pouco e ficaram amigos, tendo mantido a
comunicação um com o outro por aí fora. Aos poucos foram-se aproximando
emocionalmente e tornaram-se íntimos. Foi então que começou o namoro, ou seja,
os dois assumiram um relacionamento. Porque não? Se se encantaram um pelo
outro, se ambos eram desimpedidos e livres, porque não dar uma oportunidade a
si mesmos de serem felizes e aproveitar da vida o que há de melhor?!
Tudo
corria às mil maravilhas, porém, com um pequeno pormenor: a distância. A
distância era realmente um grande problema, porque para nós, a Austrália é
mesmo no fim do mundo, quer dizer, do outro lado do mundo. Nicole foi lá,
esteve lá, não muito tempo por causa do trabalho, mas o bastante para ficar
encantada e deliciada com o mundo de Eric, um mundo novo que abria um caminho sorrindo,
mas com esta tremenda dificuldade, muito difícil de ser ultrapassada.
Eric
também veio a Portugal por diversas vezes. Uma vez até esteve algumas semanas
com as duas filhas. E dava gosto vê-los, porque todos tinham um ar radiante e
feliz. Uma nova família surgia, com uma excelente perspetiva de harmonização.
Enfim, o amor estava no ar, de vários lados e com várias facetas porque, ao que
parece, Nicole e a ex-mulher de Eric conheceram-se e entenderam-se bem, sem
problemas nem ressentimentos, o que foi muito bom para todos. Tudo parecia em
ordem para poder caminhar. Somente o problema da distância se entrepunha no
caminho de ambos e não era pouco.
Então,
um dia, para poderem desfrutar do amor que sentiam e queriam ver crescer, foi
tomada uma grande decisão. Nicole iria viver para a Austrália. Para ela era
indiferente. De qualquer modo, já estava fora do seu país de origem, por isso,
estar aqui ou estar ali, tanto fazia. Não tinha nada que a ligasse
especialmente a Portugal. Já para Eric era muito complicado mudar-se. Porque
viria, se a própria Nicole nem portuguesa era? Ele não se apaixonara por uma
portuguesa, mas por uma inglesa. E para Eric vir para Portugal, quem tomaria
conta da quinta? E as filhas como ficariam? Perto do pai e longe da mãe ou
vice-versa?
Nicole
tomou a decisão considerada por eles como certa: mudar-se de armas e bagagens
para a Austrália. Estava tudo certo na sua cabeça. Alugaria o seu apartamento,
até ver, para não ficar desabitado e mais adiante se veria. Mas, para já,
estava resolvido. Apenas um pormenor a inquietava. Um pormenor que não era
pequeno, ou seja, era e não era. O seu gato siamês. Aquele fofo que parecia uma
bola de lã, lindíssimo e bem tratado, que ela tanto amava. Mas Nicole não
queria levá-lo. O amor que nutria pelo seu bichano, impedia-a de o levar, pelo
facto de ser um percurso demasiado longo, achando que o animal não iria
aguentar tantas horas de viagem!?...
E
agora, o que fazer? Decidiu então procurar alguém a quem doar, para ficar com
ele e cuidar muito bem dele. Fez várias tentativas, mas ninguém respondia. As
coisas começaram todas a tomar o rumo certo para a sua partida e o problema do
gato não se resolvia. E apesar de ser o gato que sempre tinha estado com ela e
que preenchia as suas horas de solidão, Nicole não queria levá-lo, sempre insistindo
que gostava demasiado dele para o sujeitar a uma viagem daquelas!?...
O
tempo estava a esgotar-se e Nicole não tinha solução, simplesmente porque
ninguém se candidatava ao seu tão querido, tão “precioso” gato siamês. Mas
Nicole não ia desistir do seu plano. Isso nunca, jamais… e para grandes males,
grandes remédios. E assim viu-se obrigada a tomar outra dura decisão. Uma
decisão de peso, mas tudo por “amor”: mandar abater o bichano. Sem dúvida, tudo
por amor(!?), porque amava demais o seu bicho para o deixar a sofrer. E com ele
morto, o seu (dela) problema estava resolvido e finalmente poderia partir,
livre de tudo o que ficava para trás, simplesmente porque nada daquilo lhe
fazia mais falta…
Agora
sim, Nicole estava livre. Podia respirar aliviada, porque não havia pedra nem
entrave no seu caminho. Na Austrália seria feliz, finalmente, na sua nova
família, onde tudo seria perfeito. O seu gato não ficara em sofrimento,
simplesmente porque tomara a decisão certa, segundo a sua ótica. Nicole
desapareceu, pois, da face da terra portuguesa, para aparecer no outro lado do
mundo e sem o seu tão querido gato, que muito provavelmente não aguentaria a
viagem (!)…
Mas
ela aguentou e como! Chegou feliz como nunca antes. Instalou-se na sua nova
casa, na sua nova vida e na sua nova família. Pronta a dar tudo por tudo para
ser feliz a qualquer preço. As amigas portuguesas e não só, poderiam dar disso
testemunho pelos registos do Facebook e outras coisas mais. As fotos eram uma
postagem infindável e fidelíssima. O seu tempo tinha chegado. A sua hora estava
mais do que na hora. Nicole tinha toda uma vida pela frente com o seu amado
Eric, que até parecia ser uma boa pessoa.
O
amor está envolvido em estranhos sentimentos. Por vezes parece que animais
sentem como humanos e humanos como animais. Que coisa estranha!? Talvez eles
nos pudessem ensinar e dar lições de amor, se lhes déssemos essa oportunidade!?
Quando nos pomos a analisar os sentimentos, se é que isto é possível,
descobrimos um oceano desconhecido e indecifrável.
Mas o
tempo passou… e um belo dia, talvez um ano depois, talvez nem tanto, no meio de
tanta alegria, subitamente, apareceu quem não estava faltando, quem não fazia
absolutamente falta. Nicole não queria, não queria mesmo, de tanto que já amava
Eric. Mas ela foi mais forte e contra tudo e todos cumpriu a sua missão. O
destino por vezes é cruel, tanto para os animais como para o homem!
Pois é… a morte fez-se presente e levou Eric
para sempre.
Sem comentários:
Enviar um comentário