sábado, 21 de maio de 2022

Era uma vez... um gato siamês... - 101

 

Nicole era uma inglesa, professora, dava aulas de inglês e vivia sozinha. Solteira, sem filhos, os pais viviam em Inglaterra. Apesar de ser discreta, tinha amigos e gostava de sair e divertir-se, como era normal. Tinha carro, mas raramente conduzia, porque preferia andar nos transportes públicos. E também tinha um gato. Um gato siamês que ela tratava com todo o amor, cuidando de todos os pormenores e dando-lhe tudo do bom e do melhor.

Era o seu gato, o seu bichano, que estava sempre em casa à sua espera. Nicole não tinha do que se queixar da vida. Uma mulher jovem com cerca de quarenta anos e uma vida bem confortável. De vez em quando ia a Inglaterra para matar saudades do seu país e estar com os pais e restante família.

Um dia, numa viagem, conheceu Eric. Eric era australiano e tinha uma quinta onde vivia permanentemente. Divorciado, com duas filhas adolescentes, mantinha um relacionamento civilizado com a ex-mulher. Nessa viagem, Nicole e Eric trocaram impressões, conheceram-se um pouco e ficaram amigos, tendo mantido a comunicação um com o outro por aí fora. Aos poucos foram-se aproximando emocionalmente e tornaram-se íntimos. Foi então que começou o namoro, ou seja, os dois assumiram um relacionamento. Porque não? Se se encantaram um pelo outro, se ambos eram desimpedidos e livres, porque não dar uma oportunidade a si mesmos de serem felizes e aproveitar da vida o que há de melhor?!

Tudo corria às mil maravilhas, porém, com um pequeno pormenor: a distância. A distância era realmente um grande problema, porque para nós, a Austrália é mesmo no fim do mundo, quer dizer, do outro lado do mundo. Nicole foi lá, esteve lá, não muito tempo por causa do trabalho, mas o bastante para ficar encantada e deliciada com o mundo de Eric, um mundo novo que abria um caminho sorrindo, mas com esta tremenda dificuldade, muito difícil de ser ultrapassada.

Eric também veio a Portugal por diversas vezes. Uma vez até esteve algumas semanas com as duas filhas. E dava gosto vê-los, porque todos tinham um ar radiante e feliz. Uma nova família surgia, com uma excelente perspetiva de harmonização. Enfim, o amor estava no ar, de vários lados e com várias facetas porque, ao que parece, Nicole e a ex-mulher de Eric conheceram-se e entenderam-se bem, sem problemas nem ressentimentos, o que foi muito bom para todos. Tudo parecia em ordem para poder caminhar. Somente o problema da distância se entrepunha no caminho de ambos e não era pouco.

Então, um dia, para poderem desfrutar do amor que sentiam e queriam ver crescer, foi tomada uma grande decisão. Nicole iria viver para a Austrália. Para ela era indiferente. De qualquer modo, já estava fora do seu país de origem, por isso, estar aqui ou estar ali, tanto fazia. Não tinha nada que a ligasse especialmente a Portugal. Já para Eric era muito complicado mudar-se. Porque viria, se a própria Nicole nem portuguesa era? Ele não se apaixonara por uma portuguesa, mas por uma inglesa. E para Eric vir para Portugal, quem tomaria conta da quinta? E as filhas como ficariam? Perto do pai e longe da mãe ou vice-versa?

Nicole tomou a decisão considerada por eles como certa: mudar-se de armas e bagagens para a Austrália. Estava tudo certo na sua cabeça. Alugaria o seu apartamento, até ver, para não ficar desabitado e mais adiante se veria. Mas, para já, estava resolvido. Apenas um pormenor a inquietava. Um pormenor que não era pequeno, ou seja, era e não era. O seu gato siamês. Aquele fofo que parecia uma bola de lã, lindíssimo e bem tratado, que ela tanto amava. Mas Nicole não queria levá-lo. O amor que nutria pelo seu bichano, impedia-a de o levar, pelo facto de ser um percurso demasiado longo, achando que o animal não iria aguentar tantas horas de viagem!?...

E agora, o que fazer? Decidiu então procurar alguém a quem doar, para ficar com ele e cuidar muito bem dele. Fez várias tentativas, mas ninguém respondia. As coisas começaram todas a tomar o rumo certo para a sua partida e o problema do gato não se resolvia. E apesar de ser o gato que sempre tinha estado com ela e que preenchia as suas horas de solidão, Nicole não queria levá-lo, sempre insistindo que gostava demasiado dele para o sujeitar a uma viagem daquelas!?...

O tempo estava a esgotar-se e Nicole não tinha solução, simplesmente porque ninguém se candidatava ao seu tão querido, tão “precioso” gato siamês. Mas Nicole não ia desistir do seu plano. Isso nunca, jamais… e para grandes males, grandes remédios. E assim viu-se obrigada a tomar outra dura decisão. Uma decisão de peso, mas tudo por “amor”: mandar abater o bichano. Sem dúvida, tudo por amor(!?), porque amava demais o seu bicho para o deixar a sofrer. E com ele morto, o seu (dela) problema estava resolvido e finalmente poderia partir, livre de tudo o que ficava para trás, simplesmente porque nada daquilo lhe fazia mais falta…

Agora sim, Nicole estava livre. Podia respirar aliviada, porque não havia pedra nem entrave no seu caminho. Na Austrália seria feliz, finalmente, na sua nova família, onde tudo seria perfeito. O seu gato não ficara em sofrimento, simplesmente porque tomara a decisão certa, segundo a sua ótica. Nicole desapareceu, pois, da face da terra portuguesa, para aparecer no outro lado do mundo e sem o seu tão querido gato, que muito provavelmente não aguentaria a viagem (!)…

Mas ela aguentou e como! Chegou feliz como nunca antes. Instalou-se na sua nova casa, na sua nova vida e na sua nova família. Pronta a dar tudo por tudo para ser feliz a qualquer preço. As amigas portuguesas e não só, poderiam dar disso testemunho pelos registos do Facebook e outras coisas mais. As fotos eram uma postagem infindável e fidelíssima. O seu tempo tinha chegado. A sua hora estava mais do que na hora. Nicole tinha toda uma vida pela frente com o seu amado Eric, que até parecia ser uma boa pessoa.

O amor está envolvido em estranhos sentimentos. Por vezes parece que animais sentem como humanos e humanos como animais. Que coisa estranha!? Talvez eles nos pudessem ensinar e dar lições de amor, se lhes déssemos essa oportunidade!? Quando nos pomos a analisar os sentimentos, se é que isto é possível, descobrimos um oceano desconhecido e indecifrável.

Mas o tempo passou… e um belo dia, talvez um ano depois, talvez nem tanto, no meio de tanta alegria, subitamente, apareceu quem não estava faltando, quem não fazia absolutamente falta. Nicole não queria, não queria mesmo, de tanto que já amava Eric. Mas ela foi mais forte e contra tudo e todos cumpriu a sua missão. O destino por vezes é cruel, tanto para os animais como para o homem!

 Pois é… a morte fez-se presente e levou Eric para sempre.


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