sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O cão branco - 23


Era o final de uma tarde de Verão. Fui dar um passei com o Riaz nos arredores da minha casa, numa zona que, nessa altura, ainda não era urbanizada. Era campo e mato. Ao cabo de apenas alguns metros em que passeávamos descontraidamente para apanhar um pouco de sol e de ar, avistámos ao longe, entre quatrocentos a quinhentos metros, saído da mata dos eucaliptos, aquilo que me pareceu ser um pastor alemão, porque não conheço especialmente bem as raças dos cães. 

Quando olho e vejo aquele cão todo branco, imponente, saindo por entre as árvores, aparentemente na nossa direcção, fiquei imediatamente à procura do rasto de um possível dono, o que me daria bastante mais tranquilidade. E bem observado, um cão daqueles, com tão bom aspecto, bem tratado, bem alimentado, tinha que ter dono, mas onde andaria ele? Como é que salta da mata um cão daqueles sozinho?! 

Eu tenho um certo receio que consigo controlar e não demonstrar, e a coisa vai. Mas o Riaz... eu sabia que para ele era o diabo. Os muçulmanos têm uma estranha superstição com certos animais que não podem tocar porque, dizem eles, tira a potência sexual aos homens. E a verdade é que por causa dessa superstição ele e os amigos sempre se desviavam de cães e outros animais como cabras, por exemplo, e outros.  

De modo que, quando vi o cão lançado a toda a velocidade, galopando como se fosse um cavalo sem parar, sempre na nossa direcção, fiquei perplexa, não tanto por mim, mas por ele que, tal como eu já esperava, logo deu sinal. Ficou numa grande aflição, lembrando que não podia encarar o cão. Depois ele vinha perto de nós e ele nem queria pensar em tocar ou ser tocado por ele. Era a sua ruína(?!). Que maluquice!...

Fiquei encurralada. Não adiantava fazê-lo raciocinar. Já tínhamos falado nisso várias vezes e aquilo estava enraizado demais para ser alterado assim. Tinha que ser muito mais fundo e aquele não era o momento, de certeza absoluta, e nem havia tempo de pensar nisso. Portanto, a única coisa a fazer era tentar controlá-lo para eu também não ir atrás da onda dele, não no aspecto da superstição, mas na questão de ficarmos os dois tolhidos de medo e descontrolarmos o animal com o nosso próprio medo. 

O facto é que tinha que pensar rapidamente, porquanto tudo isto se estava a passar em segundos e o Riaz já estava todo baralhado e aflito, a esconder-se por trás de mim e a agarrar-me como se fosse uma criança. Era um absurdo um homem daquele tamanho, agarrado a mim por todos os lados por causa de um cão!? Ao mesmo tempo, eu olhava em volta, com medo do ridículo. Não havia ninguém o que, por um lado era mau, podia chamar a atenção do cão e desistir de nós, mas por outro lado, não havia testemunhas oculares para nos sentirmos envergonhados pelo caricato da situação. 

E o cão não parava de correr para nós e nem sombra de dono. A situação começou a ficar caótica e era absolutamente necessário interferir, fazer alguma coisa, pôr um ponto final naquilo, tomar o comando da situação, no que tinha que contar exclusivamente comigo. Não havia alternativa. Mas, quando não nos resta mais nada, ainda há um último recurso, provavelmente o mais poderoso de todos: a telepatia. 

Afastei o Riaz e virei-me na direcção do cão. Dei dois passos em frente e rapidamente ordenei-lhe que parasse imediatamente: "Pára"! E não é que ele parou!? Com o mesmo vigor com que vinha, apontei a minha arma secreta, a telepatia, e formulei a ordem de "stop". A mais ou menos cem metros de nós, o animal meteu travões a fundo, de tal modo, que até derrapou na terra. Abanou o rabo e depois manteve-se quieto, parado, completamente imóvel, que parecia uma estátua. Foi impressionante!

O Riaz respirou fundo e ficou a olhar para mim, como que apercebendo-se de uma pressuposta comunicação entre mim e o cão, mas sem compreender racionalmente o que tinha acontecido. Ele sentiu que o cão parou quando eu me virei para ele e fiquei em silêncio, de olhar fixo nele, depois de o ter afastado de mim. Percebeu que houve uma estranha interferência entre mim e o cão, que lhe escapou por completo. Contudo, o que quer que fosse, não era relevante, porque tudo o que ele queria era ver o animal afastado dele. O resto não lhe interessava. E de uma forma "mágica" - porque ele não tinha entendido - eu tinha conseguido isso. 

Como já disse, tudo isto se passou em segundos. E logo depois de o cão ter parado e ficado imóvel, apareceu também, por entre a mata dos eucaliptos, um homem de aspecto possante, tal qual o cão, que caminhava a passos largos, com um chicote na mão, pelo que pensei e estava certa, finalmente o dono do cão que aparece.  

Mas o homem não gostou muito de ver o cão parado, sem se mexer. Todavia, à distância a que nós estávamos dele, era impossível termos-lhe tocado. Percebi que o homem ficou intrigado com a reacção do seu cão, do qual ele devia ter muito orgulho pela raça em si e pelo porte que, naturalmente, intimidaria qualquer um, ainda que, acredito, fosse inofensivo ou agressivo sem motivo. Mas percebi que, na qualidade de dono, estranhou a atitude do seu cão, que chamou de imediato, fazendo voltar a si.  

O Riaz estava branco do susto e do desfecho inesperado, que lhe foi muito favorável, querendo ir embora dali o mais depressa possível. 

Eu acredito que a telepatia funciona e sirvo-me dela sempre que se faz necessário. Para mim é uma coisa extraordinária que a nossa condição humana nos oferece e que aceito como uma bênção enorme. E só serei privilegiada se os outros a não usarem também porque, conforme já disse outras vezes, ela é acessível a todos. 

Os nossos limites como humanos ainda não estão definidos, nem nunca estarão. Não somos um produto acabado, de forma alguma. Estamos sempre a caminho do progresso e da evolução/transformação. Temos fronteiras bem marcadas que sabemos bem demais que não podemos ultrapassar, pois elas contribuem para a destruição: as drogas que viciam e nos roubam a liberdade. Mas as fronteiras que temos que ultrapassar para crescermos em todos os sentidos e em todas as direcções, essas não podemos permitir que continuem a limitar as nossas vidas, porque são a nossa derradeira oportunidade de salvarmos a humanidade, de nos salvarmos a nós próprios. Essas esperam por nós a toda a hora, a qualquer momento, em qualquer circunstância, porque essas são infinitas.

 

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