quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A vida espiritual - 95


Ponta Negra, Brasil, Janeiro de 2001, Meditação guiada (I). 

Olhos suavemente fechados, Inajá e eu sentadas lado a lado com um pequeno intervalo para que as auras não interfiram uma na outra e Irene começa descrevendo no espaço imagens de tanta beleza que não esquecerei jamais. 

A concentração é grande. Presa por um fio de respiração à vida real, a única coisa que me interessa a partir deste momento, é a voz de Irene que fez a minha mente viajar no seu pensamento com a velocidade da luz. 

Irene manda inspirar e expirar três vezes, devagar, para afastar as tensões e as preocupações, liberando a mente e preparando-a para a meditação. Esse momento é para mim de grande expectativa e tem um encanto todo especial, como o de uma criança numa noite de Natal, cheia de mistério. Tudo depende da concentração da mente, do que ela é capaz de nos proporcionar e da capacidade de aderirmos ou não à viagem astral, onde a criatividade do espírito é soberana. 

Inspirando e expirando, vamos ficando cada vez mais leves, deixando o nosso eu mais superficial de fora e mergulhando no eu mais profundo, que passa pelo subconsciente até atingir o inconsciente. Agora entramos num estado de transe e a minha comunhão com Irene é perfeita.  

Primeiro, a luz verde que vem da terra, entrando pelos pés, percorrendo todo o corpo até atingir a cabeça, mais precisamente o chacra da coroa. Depois, a luz dourada que vem fazer o percurso contrário, vinda do céu, entra pelo chacra da coroa, sai pelos pés e entra na terra. Ambas se misturam no nosso corpo. É a energia reicky a fluir dentro de nós. De seguida, uma luz branca que vem do alto, entrando pelo chacra da coroa, percorre todos os chacras através do tronco, saindo pelo “sacro”, o primeiro chacra, limpando todo o nosso ser, indo para a terra mãe, a fim de ser purificada. Novamente uma luz dourada lá do alto, que se dirige ao prana, o terceiro chacra, começando a circular à minha volta, em ondas de mar e terra, formando um círculo cada vez maior. Eu sou o centro e as ondas continuam alargando-se por toda a terra, mais e mais, até atingirem o limite do horizonte. Já não é possível alargar mais o círculo. A energia preencheu completamente todo o globo terrestre atingindo a linha do horizonte e já não tem por onde crescer, porém, continua rodopiando à minha volta, alternando o verde com a terra. Aguardo directrizes de Irene, porque não sei para onde expandir toda a energia que transborda de mim. Parece que vou sair do planeta e projectar-me no espaço. E surge, algures no espaço, um lugar onde estou realmente, onde me vejo. É como se fosse um duplicado de mim mesma, porque continuo na terra, mas estou a ver-me num plasma, instalado no espaço. Nesse instante, Irene intervém, pedindo para tomarmos consciência do lugar onde estamos. 

O chacra da terceira visão abre-se e o filme surge nesse écran da minha alma. Só eu posso vê-lo. Inajá verá o dela, sendo, contudo, Irene quem nos fornecerá a chave deste ecran panorâmico, atingido pela nossa mente, mais precisamente pelo nosso espírito, predisposto para esta extraordinária sintonia telepática. 

Aí estou eu correndo graciosamente, em “slow motion”, sem idade, não sei onde nem quando, com tanta leveza, por entre árvores repletas de luz, num lugar fresco e arborizado, sem tocar o chão coberto de relva, onde passa como “laser”, entre o verde e os meus pés, uma energia muito definida, muito bonita, muito fina, numa mistura de água e vapor, absolutamente indescritível. Essa sou eu e quão maravilhosa foi essa descoberta. Aquela era o meu eu mais verdadeiro, a minha essência mais profunda. A que existia na terra era outra, disfarçada de tudo o que era negativo, carregada de preconceitos, completamente distorcida da verdade, assustada, encerrada em medos sem sentido, enfim… uma sombra nula e escura do que afinal eu era realmente. Então decidi que voltaria a vestir a minha pele original. Prometi a mim mesma trabalhar para recuperar a minha essência. Isso valia a pena. 

Com a sua voz de comando, Irene pede-nos para olharmos para trás, o que eu já havia feito, tendo avistado umas árvores que se deixavam atravessar por raios de sol, tal qual ela acabara de mencionar e que chegavam até mim trazendo-me uma luz impossível de descrever, de tão especial, que me deixava no rosto e na alma um sorriso delicioso, fazendo-me sentir feliz e abençoada, naquele cenário transcendente, sem tempo e sem lugar. 

Irene diz-nos que vamos chegar a um sítio que tem um lago. De facto, antes mesmo de ela o dizer, eu já o avistara, por isso paro, até porque ele não me deixa passar. Talvez haja um caminho em volta, mas algo me diz que é por ali que tenho que seguir, sendo que o lago constitui uma barreira. Que faço então? Irene pede para pararmos junto ao lago onde eu já me encontrava. De repente, começo a sentir uma energia do meu lado direito. Irene pede-nos para olharmos para o nosso lado direito e nos esforçarmos por ver quem lá está. De facto, eu o reconheci. Era o Dr. X. Lá estava ele, de óculos e com livros debaixo do braço, com um fato escuro. Era ele. Não tinha dúvidas. Logo em seguida apercebo-me de uma segunda energia, muito mais forte, quando Irene nos pede para olharmos para o nosso lado esquerdo. Fiquei ligeiramente confusa, tive que olhar bem para cima, abrir mais o chacra e prestar muito mais atenção, porquanto aquela energia era demasiado portentosa para ser reconhecida imediatamente. Agora, porém, ela já preenchia todo o meu ser, banhando-me com a sua luz e deixando-me ver o seu rosto, para que não restassem dúvidas... era Jesus. Senti-me tão pequena e ao mesmo tempo tão importante. Como podia Ele estar ali ao pé de mim, sem mais nem menos... era uma sensação que tinha tanto estranhamento bom como fascínio… e de repente senti-me protegida. Nada, absolutamente nada de mal me podia acontecer naquele momento que parecia eterno. A minha alma planava, leve como uma pluma, ao sabor destes acontecimentos tão deliciosos e inesperados. 

O lago continuava lá e fui arrancada a este delírio pela voz de Irene, que nos chamava a atenção para a chegada de um anjo, quando eu já tinha sido orientada pela energia de Jesus para lhe ser entregue. Ele vai ajudar-me a atravessar o lago e a partir desse momento ele é o meu anjo da guarda. Não sei quem é, mas ele estava lá e reconhecendo-o ou não, ele tinha chegado até ali para minha guarda, que eu julgava futura, mas que, na verdade, era muito mais do que isso, sendo o nosso ponto de encontro no passado, presente e futuro. Todos temos uma protecção divina que nos acompanha por todo o sempre. Essa protecção aqui é entendida como um anjo que nos protege desde o nosso nascimento. Todos sabemos mais ou menos isso, mas tê-lo presente, ainda que noutra dimensão, torna tudo cada vez mais estranho. Mas, enfim, é realmente outra dimensão. Ao vê-lo e não sabendo quem ele era, fiquei confusa. Um anjo para mim! Desde o falecimento da minha mãe, apenas com 32 anos de idade, eu sempre contara com a sua protecção para mim e mais tarde, muito especialmente, para o meu filho. Eu tinha dez anos quando ela fez a sua passagem. Nesta cena, com os meus quarenta e nove anos, há uma relutância quase infantil da minha parte em aceitar o anjo, uma entidade que não me era familiar e, no entanto, tão próxima de mim, o meu anjo da guarda. Por outro lado, eu não podia aceitar tal reacção da minha parte. Seria como negar a minha ligação ao divino. Que fazer? Eis se não quando do meu lado esquerdo surge, com grande evidência, uma outra energia que logo identifico, não sem espanto, como sendo a minha mãe, como sempre, um ser de luz, descrevendo uma meia lua de cima para baixo e elevando a minha mão, sem a tocar, entregando-me ao anjo. E vai-se toda a minha relutância. Sou entregue ao anjo pela minha própria mãe. Percebo então que, provavelmente, ela vai deixar aquele estado, o estado de luz e entrar numa outra dimensão, ou seja, parece chegada a hora de uma vez mais, reencarnar (?!) … Por isso tem de me deixar à guarda do anjo. É espantoso o decorrer do tempo noutra dimensão. Não tem nada que ver com o tempo que nós conhecemos, o tempo de que nos servimos como padrão que nos rege. E conforme veio, foi, descrevendo uma meia lua no caminho inverso. Dou então um passo em direcção ao anjo e sou-lhe entregue com alegria, respirando fundo. Sei agora das razões porque tal aconteceu. Tudo isto aconteceu à margem das directrizes de Irene, num breve piscar de olhos. Irene prossegue, depois de ter dito que o anjo ficaria então sempre connosco, por toda a nossa caminhada na terra, auxiliando-nos em tudo, não nos deixando nunca sós. 

E estou do outro lado do lago. 

Está escuro. A princípio não consigo ver nada. Talvez uma montanha. Maior concentração, maior abertura do chacra. É uma montanha muito escura. Não consigo ver mais nada. Porquê uma montanha? Irene pergunta-nos se conseguimos ver o que está na nossa frente. Respondo para mim própria que na minha frente tenho uma montanha e está tudo escuro. Irene adianta que devemos encontrar um Templo. Não vejo templo nenhum. Estou esforçadíssima, numa concentração a cem por cento, mas onde está esse templo? Ela deve ter observado a minha expressão de perplexidade, porque continuou insistindo para observarmos bem, que nalgum sítio da montanha avistaríamos um templo. Afinal sempre havia uma montanha, portanto, eu estava certa. Talvez isso me tivesse deixado confusa. Então, se havia uma montanha e eu a vi, se ela diz que há um templo, porque é que eu não o vejo?! Gera-se a impaciência. Será que vou ficar por aqui? Será que terminha aqui a minha caminhada? Será que as minhas capacidades não me permitem ir mais longe? Fico muito impaciente. Tempo demais no escuro. Nada acontece. Eu não o vejo e Irene não fala, provavelmente dando-nos tempo. Onde será que anda a Inajá? Provavalmente já o avistou. Dentro de mim há um sentimento de desânimo, mas volto a concentrar-me tentando reunir uma maior concentração e faço um esforço grande, grande mesmo, como se estivesse a parir um filho mentalmente, provocando uma ainda maior abertura do chacra. A montanha está lá. O templo não. Fico à espera dos efeitos da abertura do chacra. Ouço um barulho estrondoso que parece um enorme terramoto. Simultaneamente, o chacra funciona como um “zoom” e a montanha vai-se aproximando de mim e vai chegando perto, mais perto, sacudindo-se toda de cima a baixo e de todos os lados e eis que se abrem dois gigantes portões de madeira, com ferrolhos fortes em ferro, assombrosamente grandes, saindo de dentro da montanha, abrindo-se de par em par. O templo está soterrado, completamente coberto pela montanha. Como é grande! As portas abrem-se sacudindo terra e pó por todos os lados e eu ali, de frente para aquela coisa tamanha, pasma, enfeitiçada, sem saber o que fazer. De repente, aquela escuridão no interior do templo começa a tomar forma de gente e não é pouca. Irene diz para olharmos para o seu interior. É o que já estou fazendo. Irene pede para vermos se encontramos lá alguém conhecido. Continua uma escuridão de arrepiar, mas cheia de gente que nunca mais acaba. Pergunto-me, o que faz toda aquela gente ali. Olho atentamente para aquela amálgama de gente sufocante, é uma verdadeira massa, não sei se gritam, não entendo o que querem, parece que apelam não sei a quê, parece que imploram e de repente alguém se eleva, deixando-se reconhecer. Surpresa das surpresas, não estou enganada, é Seu António, pai da Inajá, ali na minha frente. É ele, que parece levitar para que eu o veja. Será que ela também o vê? Porque será que ele me aparece? Muito curioso, muito estranho, mas é ele, não tenho dúvidas. Irene diz para tentarmos comunicar, caso encontremos alguém conhecido. Espero na retaguarda, imóvel, que ele me contacte, mas ele não o faz. Apenas se apresenta. Tem um ar meio apático, meio desiludido e uma expressão séria, que me constrange. Faz-me sentir culpada, mas não sei de quê. Porque não reage? Tenho a certeza de que quer ver a filha. Porque apareceu para mim? Sinto-me como peixe fora de água. Que situação embaraçosa e delicada!? 

E conforme veio, foi, engolido pela multidão e pela escuridão, também. Então, Irene, pede-nos para entrarmos no templo. E da escuridão faz-se luz. Todo aquele cenário lúgubre e deprimente desapareceu, dando lugar a um estadium muito mais agradável e compensatório. Quanta luz! Um clarão branco invadindo o átrio do templo é um convite para entrar. Eu estava ansiosa por saber o rumo de Inajá. Quem dera que ela andasse por um caminho bonito como o meu! Mas só no fim poderíamos saber. Era preciso esperar. Por outro lado, tudo aquilo era tão fascinante que não me apetecia que tivesse fim. Mas a nossa dimensão é a dimensão dos limites, das fronteiras e bermas e de tudo o que começa e termina, portanto, a única coisa que me interessava era insistir na concentração a qualquer custo, para não me dispersar. 

Luz, muita luz e eu já estou no seu interior. À medida que vou entrando no templo, vai-se abrindo o caminho numa amplitude cada vez maior. São alas e alas. Já não me lembro muito bem, mas naquela altura, sei que era tudo muito nítido: o chão, as paredes, o fundo, o tecto. Mas já não me lembro exactamente dos deliciosos pormenores por que passei na altura. Lembro-me de que havia uns pilares cilíndricos, colunas que sustentavam a arquitectura fabulosa dos tectos trabalhados em forma de abóbada. Era tudo inundado por uma imensa luz muito clara que, conforme eu ía passando me seguia, focando-me sempre, iluminando-me ainda mais, assim como tudo à minha volta. E enquanto vou penetrando por aquela imensidão, vejo que há uma passadeira vermelha estendida pelo chão, por onde eu passo e como se isso não bastasse, de cada lado há uma fileira de anjos suspensos no ar, corpos de luz, tocando pequenas harpas, cítaras, violinos e entoando cânticos belíssimos que me tocaram na alma e me encheram de tanta felicidade e tanta paz. Alados e em fileira, vão-me conduzindo para a parede central do fundo, onde avisto um buda que se vai ampliando à medida que me vou aproximando. Um buda de verdade, sentado em posição de lótus. E Irene? Já quase me esquecera que fora a voz dela a responsável por eu estar naquele lugar. E recomeça, dizendo-nos precisamente que lá dentro está um buda à nossa espera, o que quer dizer que eu continuo no caminho certo. Olho melhor o buda que, por sua vez, segura um embrulho muito bonito e atraente. Irene convida-nos a aproximarmo-nos dele e vermos o que tem para nos dar. Olho novamente para o embrulho nas suas mãos e apercebo-me de que aquilo, o que quer que seja, é para mim. Irene diz-nos que o buda tem um presente para nos dar. É isso mesmo, ele tem realmente uma oferta para mim. Estupefacta, sem fazer a menor ideia do que possa conter aquela caixa espectacular, cujo aspecto em si já é um presente, não faço a menor ideia do que possa conter. Uma caixa quadrangular, com cerca de 20 cm de lado, em papel vermelho acetinado e com um fiozinho dourado passado em toda a volta, que termina com um pequeno laço de pontas caídas na parte superior; vermelho e dourado era o que eu via nas mãos do buda que as estendia para me fazer entender que era meu. Que estaria lá dentro? Irene incita-nos a abrir o presente. Enquanto eu faço um gesto de receber, esticando os braços ao seu encontro, ele faz o gesto de dar, estendendo os braços e mostrando a dádiva nas suas mãos. Sem nos tocarmos, eis que o fio dourado insinua desatar-se sozinho e sem que o papel de embrulho fosse retirado, num acto mágico, que fez o meu delírio completo, começou a saltar de todos os lados do embrulho um pó dourado em estrelinhas, brilhando e rebrilhando, era uma coisa verdadeiramente mágica, magnífica, uma coisa inexplicável. Parecia ouro que não acabava nunca. Era um espectáculo fabuloso. Era ouro, confirmava-o a expressão do buda. E era para mim?!... Era ouro puro que caía continuamente sobre as minhas mãos e se espalhava pelo chão à minha volta. Ouro, o metal mais precioso do planeta. Jamais me ocorreu receber das mãos do buda, semelhante oferta. Era simplesmente espectacular! 

E com esta visão fabulosa, revestida de tão grande riqueza espiritual, Irene chama-nos a atenção que é terminada a nossa meditação, trazendo-nos para a realidade da nossa dimensão, ao nosso tão conhecido mundo tridimensional. Abrimos os olhos ao chamado de Irene e respiramos fundo. Estamos novamente de volta à casa materna: a terra mãe. Abro os olhos, respiro com tranquilidade. Onde foi que eu estive, que foi que me aconteceu? Estou em estado de graça, isso sim, feliz e leve como uma pluma. 


Quando nos interrogámos em conjunto sobre o acontecido e comentando entre nós, descobri que o pai de Inajá, que tinha feito a sua passagem há um tempo atrás numa cama de hospital, tinha sido conduzido por um budista que estava presente, depois de ter obtido a concordância da família para aquela cerimónia, uma vez que eram católicos. Eu, porém, desconhecia tal facto. Mas foi por essa razão que ele me apareceu no templo, o que eu tanto estranhei. A Inajá não viajou. O chacra da terceira visão não funcionou com ela. E foi também por isso que ele me apareceu, porque não conseguiu ser visível à filha, pretendendo que eu lhe passasse esta informação.

  


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