segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Estava escrito - 11


Quando a minha sobrinha Tathiana ficou grávida da primeira criança fiquei muito feliz, como não podia deixar de ser. Eu ia ser tia-avó. E mais feliz fiquei quando me apercebi de que seria para Fevereiro. Com sorte, poderia ser no dia um, dia em que a minha irmã Guida e avó estreante faria cinquenta anos de idade. Uma feliz coincidência, porque não?

Passaram algumas semanas e veio a notícia de que seria uma menina. A minha sobrinha querida ia ser mãe de uma menininha. Comecei imediatamente a tentar adivinhar o que viria por aí e desfilaram na minha imaginação roupinhas de menina, vestidinhos, laçarotes, etc… e dentro de mim, intuitivamente, achei que poderia nascer no dia um de Fevereiro. Eu queria muito que ela nascesse no dia dos anos da avó materna, a minha irmã querida.

Um dia, depois de ter tido notícias das duas, da minha sobrinha e da minha sobrinha neta em gestação, fiquei tão contente que me deixei levar pela fantasia e dei por mim em plena comunicação com aquela coisinha pequena que iria aparecer por aí e entrar nas nossas vidas. Dei comigo a falar mentalmente com ela, pedindo-lhe carinhosamente que nascesse para o mundo no dia do aniversário da avó, o que seria um belo presente e um acontecimento muito agradável, sem dúvida.

E ao longo da gestação, conversei com ela longos momentos. Com frequência, concentrava-me e telepaticamente ficávamos ligadas. Inicialmente, era um segredo nosso, um assunto só meu e dela, mas a força daquela sintonia dava-me cada vez mais a certeza de que, mais do que tudo, estava escrito. Ela daria esse presente de aniversário à sua querida avó. Fui tomando consciência disso, interiorizando, e o nosso pacto tornava-se cada vez mais forte, mais convisto.

A data prevista para a menina nascer era onze de Fevereiro, de modo que, para ser no dia um, era apenas uma diferença de menos dez dias, o que poderia perfeitamente ser viável. O meu filho nasceu dez dias antes do previsto. E assim eu continuava a falar com ela, o que me dava um prazer imenso, um bem estar muito louco.

Sentia a energia dela, o respirar daquela vida já tão próxima, tão eminente. Era como se ela estivesse todo o tempo junto de mim. Conectávamo-nos com uma facilidade extrema. Entrava no silêncio e ela estava lá, inteira, com toda a plenitude do seu ser. O mundo inteiro deixava de existir, porque aquela energia se sobrepunha a tudo.

E quebrei o meu silêncio tendo começado por falar abertamente para toda a família que ela nasceria no dia um de Fevereiro, sem medo de errar, porque eu sabia que isso aconteceria. Não era um palpite, era uma certeza. Estava escrito, registado, selado e lacrado. Não podia ser violado de maneira nenhuma.

O tempo foi passando, foi-se aproximando da data e eis que chegou o dia crucial. Acordei de manhã pensando “é hoje”. Durante a manhã falei com a minha irmã, a futura avó, para lhe dar os parabéns pelos seus cinquenta anos e mais uma vez, lembrei-lhe que a neta iria nascer naquele dia. Logo que ela tivesse notícias me dissesse, que eu estava ansiosa. Ela não ligou e fez-me notar, uma vez mais, que ainda não estava no tempo.

Mas o dia foi avançando. Passou-se a tarde e eu sempre atenta aos telefonemas e mails, à espera da notícia. Passou-se a hora de jantar, vi um pouco de televisão e sempre à espera. Devia estar a rebentar. Chegaram as onze horas da noite, a hora de me deitar e dormir, mas nada acontecia. Começava a ficar inquieta. Onze e meia e o sono começava a ser mais forte do que eu.

O dia estava a terminar. É claro que havia a diferença horária mas, ainda assim, as hipóteses começavam a diminuir. Eu não podia estar enganada, era praticamente impossível. Tinha a certeza absoluta de que ela nasceria naquele dia. Deitei-me para dormir e pela última vez conectei-me, pedindo-lhe com todo o carinho e o mais profundo amor, que não se esquecesse do nosso pacto. Estava na hora e seria um presente para a avó.

Seria também uma grande decepção a minha falha ou eu estaria a perder as faculdades, o que teria que aceitar, naturalmente(!). Mas não fazia sentido.

Por volta da uma hora da manhã o telefone tocou. Lembro-me de ter ouvido o toque lá muito no fundo, porque já estava embalada no sono. Quem é que ia ligar àquela hora para o telefone fixo? Eu queria dormir. Ouvi o meu filho a chamar-me baixinho: “mãe, mãe, é do Brasil, a Inajá”. Achei estranho a Inajá ligar-me àquela hora. Nem me lembrei que era a outra tia avó por parte do pai. Além disso, supunha que a primeira pessoa a saber fosse a minha irmã, pela própria filha ou pelo genro, por isso não liguei uma coisa à outra.

Contudo, com grande excitação, acabava de ser informada de que a minha sobrinha querida estava a caminho do hospital. O meu coração disparou. Afinal não me teria enganado! Aconteceu de repente. Estavam a jantar em família e subitamente, as dores de parto surgiram, as águas rebentaram e todo o processo acelerou.

Olhei para o relógio e ainda pus em dúvida se não passaria para o dia seguinte, o que não estava no meu programa, mas um pouco depois recebemos outro telefonema confirmando o nascimento da menina. Eu sabia. Eu sempre soube.

Agora era preciso contactar a avó, minha irmã, de alguma maneira, que estava a dormir com o telemóvel no silêncio. Pedi ao meu filho para tentar chamá-lo pelo skype porque sabia que ela o tinha sempre ligado. Com muito custo, conseguimos, mas ela não acreditava, achava que era brincadeira. Brincadeira de mau gosto, por ser àquela hora e porque queria ter recebido a notícia pelo genro, em primeira mão, o que não aconteceu.

Mas estava a terminar o dia e o nosso pacto tinha que se cumprir e assim, cerca das 22,00 horas, hora de S. Paulo, a nossa pequena dava o pontapé de saída, mudando o rumo dos planos das festas para aquele dia. A minha sobrinha neta nascia no dia 1 de Fevereiro de 2006, impreterivelmente. O nosso pacto secreto, que há muito deixara de ser secreto, porque eu sempre disse que ia nascer naquele dia, cumpria-se extrictamente e rigorosamente e a Tamy nascia, para grande alegria de todos nós.

Estava escrito.


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