segunda-feira, 9 de março de 2020

Um salto "quântico" - 83



Muita gente sofre de crises de pânico. Mas quem não tem esse problema não valoriza o sofrimento que isso é, o que eu compreendo. E quem nunca teve deve pensar que não tem importância, que é uma coisa estúpida, que pode ser evitado, que se tem porque se quer, etc…, etc…, etc…

As crises de pânico são uma coisa muito séria. Deixam as pessoas completamente arrasadas e muito mais. Tem gente que não sai à rua com medo. Tem gente que se inibe de tudo o que se possa imaginar por causa do medo do pânico, que pode ser generalizado ou por uma razão específica.

Falando assim, até parece que sou especialista no assunto. E de certa forma sou, mas não pelas melhores razões, ou seja, não por ser médica, mas porque bem cedo comecei a padecer desse mal horroroso. E sei o que é ficar “inválida” por causa do pânico. E sei o que é não querer ou não conseguir sair à rua, falar com as pessoas, fazer o que se tem que fazer por causa das crises de pânico.

E não foi à falta de lutar contra isso. Quanto mais crises eu tinha mais dominada por elas eu ficava. Andei em médicos e mais médicos, medicamentos, mas o pânico persistia. Foram muitos anos a lutar contra o pânico. Foram sessões com psicólogos e de tudo eu tentei, mas o pânico dava cabo de mim.

E tinha muitos colegas, mulheres na sua maioria, mas também homens, que tinham o mesmo problema. E o que isso interferia na vida profissional, para não falar do desgaste na vida pessoal!? Era muito complicado. Era terrível. E depois eram as consequências irreversíveis que se projectavam em todas as áreas das nossas vidas. Até hoje eu penso, felizes daqueles que não compreendem. É porque nunca passaram por isso.

Uma crise de pânico derruba-nos. Deita-nos completamente por terra, às vezes no sentido literal da palavra. Depois, seguem-se uma série de sentimentos nada dignificantes como a humilhação, por exemplo, porque se fica sempre com a consciência de que se deveria ter sido capaz de ultrapassar. Mas como? O sentimento de inferioridade e de impotência, como “não valho nada, sou um zero à esquerda, não mereço o respeito nem a admiração de ninguém, só atraio a pena, pena de mim própria e do desprezo dos outros” e por aí fora. É um nunca mais acabar de intolerância e desaprovação do próprio e dos outros. E depois voltar a encarar tudo, voltar à “normalidade”… até à próxima crise, que nunca se sabe quando vem. De repente, no momento menos oportuno, na situação mais indesejável, na altura menos própria, para uma vez mais nos derrubar.

Mas eu não queria. Eu não queria aquilo. Estava farta, cansada. Eu não precisava daquilo para nada. Era isso que eu pensava e achava que era impossível livrar-me daquele problema. Mas aí é que eu estava enganada porque um dia, com efeito, livrei-me do pânico de uma vez por todas. Sem mais nem menos, porque assim o quis.

E um dia, estando eu a trabalhar, levantei-me para ir à fotocopiadora que ficava numa pequena sala dentro do espaço em que trabalhávamos. E como só havia uma, às vezes estava ocupada e tínhamos que esperar. E foi isso que aconteceu. Cheguei lá e estava uma colega a utilizar a máquina, pelo que me aproximei com os papéis que tinha na mão, aguardando que ela terminasse o que estava a fazer. De repente, sem mais nem menos, começo a sentir o corpo todo a estremecer. Mas ainda não era exactamente o meu corpo, ainda era fora do meu corpo. Porém, já estava a começar a afectar a minha cabeça, que deu imediatamente o alarme. Daí, a instalar-se a crise, eram fracções de segundo. Portanto, ao primeiro sinal de tomada de consciência, resolvi agir. E pensei, mais uma crise de pânico que está pronta para tomar conta de mim. Voltei a pensar para comigo mesma o quanto eu estava fartíssima daquilo e porquê aquilo? Era preciso pôr um fim, se é que era possível. Era urgente. E tive plena consciência de que era chegado o momento de fazê-lo. Mas como? Se as outras pessoas não conseguiam como é que eu iria conseguir?

Mas eu não era os outros. Eu era eu. Em fracções de segundo percebi que estava pronta para mudar essa situação. Era chegada a hora. Ou era naquele momento ou nunca mais seria. Senti a energia negativa subir, preencher todo o meu ser, mas ao contrário das outras vezes em que me deixava contaminar por ela e assumia que estava mal, muito mal, prestes a morrer, desta vez fiquei quieta, parada, como se nada estivesse a acontecer. Ninguém se apercebeu de nada e eu própria fiquei como que de fora, como simples espectadora do medo avassalador que inundava todo o meu ser. A única coisa que tinha em mente era “não faz mal, deixa estar, vai passar, não é nada” e coisas assim do género, enquanto permanecia imóvel e aparentemente serena e calma.

E a onda de energia fez o seu trabalho habitual, rondando a minha paciência, testando as minhas capacidades e os meus limites, enquanto eu resistia heroicamente. Eu sabia que era tudo ou nada. Eu tinha plena consciência de que tinha feito uma auto análise e tinha tomado  consciência de que seria mais forte do que o pânico. Mas não foi por magia! A chave para este confronto foi o facto de acreditar que seria capaz de não me deixar vencer pelo medo e o medo era morrer. Por isso trabalhei secretamente para não ter mais medo de morrer e aceitar o que quer que fosse.

Finalmente, não encontrando o terreno fértil como sempre encontrava, a onde de energia negativa deu-se por vencida e desistiu, partindo subitamente. Assim, tive consciência de que estava liberta. Tive consciência de que tinha controlado o meu emocional. E imediatamente a seguir à saída dessa energia negativa, uma onde de energia muito positiva dava entrada no meu ser, invadindo-me sem permissão, de um bem estar inaudito. Era uma sensação maravilhosa e de uma leveza incrível. Era o melhor presente que eu acabava de receber da vida e bem que o merecia. Agora tinha consciência de que algo muito importante e muito especial tinha acontecido e eu tinha conseguido, ou melhor, tinha conquistado.

De facto, não era pouca coisa. Aquele momento tinha sido decisivo para alterar o padrão de registo do medo. Eu estava a salvo mas não era só em relação àquele momento específico, não. Eu tinha acabado de vencer de uma vez por todas as minhas crises de pânico. Claro que o medo voltaria. Voltaria sempre, muitas vezes, porque o medo faz parte de nós. Quem não sente "medo"? Mas daí até se transformar em pânico, isso não. Isso não voltaria mais porque eu já não estava em situação de lhe dar entrada. Algo muito importante tinha mudado. Algo fundamental e decisivo.

E o que antes me parecia impossível foi resolvido num breve instante em que me permiti apenas fazer um simples salto "quântico”.


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