Um lindo dia de
Primavera, que se fazia necessário aproveitar da melhor forma possível. À mesa
da esplanada, sentada a saborear as vistas e a companhia das duas vizinhas e
amigas, logo a seguir ao almoço, limitava-me ao convívio, já que não bebo café
como elas, nem outras coisas. Mas é bom estar em grupo, jogando conversa fora.
Faz parte da vida.
Ali e naquele
momento, o meu eu mais profundo ou o meu eu interior, disparou em direcção à
senhora que acabava de sair, invadindo o meu espírito, com uma série
interminável de perguntas, que eu não sabia porquê nem para quê, apenas porque
uma curiosidade mais forte, sentia essa inconsciente necessidade.
Olhei a senhora
saindo, ao mesmo tempo que as perguntas todas e mais algumas dispararam. Por
exemplo, quem será esta pobre criatura, com tanta idade, como é ou terá sido a
sua vida, como viverá ela, sozinha ou acompanhada, etc… etc… etc…
Perguntei a mim
própria se tinha alguma necessidade daquilo e a resposta foi redondamente não.
Mas é uma curiosidade que está para além das minhas fronteiras e ultrapassa o
meu entendimento. Quantas vezes passo por um sítio qualquer, olho para um
prédio, uma casa e começo a inquirir o meu eu sobre como será o interior
daquele pequeno mundo? Sobre como serão as pessoas que lá vivem, felizes ou
infelizes, novos ou velhos, sempre sem que eu conscientemente precise daquelas
respostas. Mas o inconsciente acaba por se sobrepor. E não é por uma questão de
bisbilhotice. É outra coisa muito diferente. É como que uma intuição que começa
a trabalhar desordenadamente, acabando por ter que me controlar, porque são
pensamentos de que, sinceramente, não preciso.
Naquele momento,
aproveitando gostosamente a companhia e o sol que nos aquecia os pés, ao ver a
senhora sair, o meu inconsciente projectou-se na figura que acabava de ver,
indo ao encontro do meu olhar, para, num instante sem tamanho possível,
desenrolar todo um incontrolável questionário que não tinha o menor interesse,
mas que foi maior do que eu, até ao momento em que disse a mim mesma para parar
com aquela “febre”.
A senhora deu
meias dúzia de passadas e estranhamente, estranhamente… ao passar pela nossa
mesa, olhou-nos sorrindo, parou e começou a falar. Então, pensei que talvez ela
morasse por ali, embora nunca antes a tivesse visto, e talvez fosse conhecida
de alguma delas. Porque não? Continuou sorrindo, um sorriso estranho porque
estava completamente desdentada, sem um único dente, a boca encovada com o
queixe saliente e aí começou uma conversa que nunca mais acabava.
Demos a atenção
possível à senhora velhota, que desfilava toda a sua vida com pormenores minuciosos, falando descontroladamente, sem
lhe termos feito uma única pergunta. Nenhuma de nós abriu a boca para se
dirigir a ela com o que quer que fosse, apenas a preocupação de não a
interrompermos e deixarmos falar, pois parecia uma necessidade premente.
Ali permaneceu
durante vinte minutos em que não parou de falar. O mais interessante é que eu
pensei que elas a conheciam e cada uma delas pensou o mesmo, que as outras a
conheciam. Portanto, nenhuma de nós a conhecia, pelo que ficámos as três um
pouco baralhadas, olhando umas para as outras sem resposta plausível.
Ao fim de todo
aquele tempo em que ficámos impedidas da conversar entre nós, pela atenção
dispensada à senhora, percebemos pelos olhares que estávamos cansadas de a
ouvir, pelo que a Rute se levantou, interrompendo por alguns segundos o
discurso da senhora velhota, para dizer que estava na hora de ir trabalhar,
sendo que nós aproveitámos muito bem a deixa e também nos justificámos dizendo
que também tínhamos que ir às nossas vidas.
A senhora
velhota terminou a conversa e para grande alívio das três, retomou o seu
caminho. A minha cabeça estava cheia e assoberbada de tanta história que não
interessava. Todas fomos inesperadamente bombardeadas sem grande justificação e
posso dizer que estávamos exaustas de a ouvir.
Perguntávamos
umas às outras, mas quem é a senhora e surpreendentemente ninguém tinha
resposta, o que nos deixou sem palavras. Mas eu sabia que a origem daquele
mistério estava na minha cabeça. Quando ela saiu do restaurante as perguntas
assolaram a minha mente e dona velhota não fez se não responder, ainda que
inconscientemente, ao meu estranho interrogatório, proveniente da comunicação
das mentes.
O nosso poder
telepático é muito mais forte e conecta-se muito mais do que se pode imaginar.
Nem consigo entender como é que há pessoas que sistematicamente negam tudo
isto. A realidade é muito mais concreta do que abstrata. O problema é que
vivemos meio adormecidos e embrenhados em coisas que nos desviam da vida na sua
plenitude.
Sem comentários:
Enviar um comentário