Era véspera de S. João e estávamos a festejar os santos populares como era
habitual. Além disso e enquanto vivi nos Açores, tudo era motivo para festejar.
Éramos novos, os caminhos estavam em aberto em todos os sentidos. Tanto no campo
pessoal como no profissional. Tudo estava no início.
Naquele dia, excepcionalmente, a festa era numa quinta do Zé Eduardo Moniz.
Costumávamos fazer as festas na quinta da Ribeira Grande, mas o Zé Eduardo quis
ser o anfitrião daquela noite, talvez porque o filho mais velho era
recém-nascido e não lhe desse jeito deslocar a mulher e o bebé. Em consideração
a isso e para variar, acedi ao seu desejo.
A sardinhada ao ar livre, como convinha, era acompanhada de vinho de
cheiro, pão de mistura, bolo lêvedo e outras coisas mais. Reinava sempre a boa
disposição. Alegria era coisa que não faltava.
Naquele tempo ainda não havia rivalidades profissionais e dávamo-nos todos
muito bem. Quem tinha família, estava sempre convidada e todos se conheciam e
se respeitavam. O pessoal da Rádio muitas vezes partilhava das nossas festas,
de modo que, nos Açores, já nessa altura, Rádio e Televisão estavam juntas. Era
muito divertido, muito animado.
Também havia sempre um voluntário para assar as sardinhas, por se achar
especialista no assunto e tudo era cuidadosamente encomendado para a RTP, o
vinho especial, as sardinhas maravilhosas, enfim, era tudo óptimo, nunca
ninguém teve do que reclamar e as nossas festas até se tornaram famosas no
melhor dos sentidos.
Neste clima de festividade e descontracção, dum fim de dia espectacular que
prometia entrar pela noite dentro, aconteceu então uma coisa fantástica.
De repente, comecei a sentir uma sensação estranha. O ambiente à minha
volta pareceu ficar irreal, com uma luz diferente. As vozes soavam como um eco
e uma impressão de que os meus pés não tocavam o chão. Parecia que flutuava no
espaço. Era estranho mas era uma sensação muito agradável e uma alegria, mais
do que isso, uma felicidade imensa inundava o meu coração.
Deixei-me levar porque era bom demais e não podia perder aquela energia que
eu não sabia de onde vinha mas que era muito bem vinda. Perguntei ao meu marido
se ele se apercebia de alguma coisa estranha. Ele não percebeu o que eu queria
dizer e eu não tinha como explicar. Mas insisti e disse-lhe que estava a
acontecer alguma coisa que não sabia o que era. Uma coisa que vinha de longe e
chamava por mim... mas ele continuou a não perceber e disse que aquilo não era
nada. Uma reacção normal.
Retirei-me um pouco da confusão, isolei-me por uns instantes para melhor
saborear aquela sensação e ter a percepção do que estaria a acontecer. E de
repente percebi o que era. O meu sobrinho tinha nascido. É verdade. Recebi essa
notícia assim, vinda do nada, ou melhor, vinda de desejo da minha irmã, de
tanto querer comunicar-se comigo para dar-me a boa nova, lá, do outro lado das
águas.
No dia 30 de Setembro de 1974 eu ia levar a minha irmã ao aeroporto com
destino a S. Paulo, Brasil, onde a esperava o António, com quem ia casar. No
dia 30 de Setembro de 1974, estava traçado o destino dela.
No dia seguinte, 1 de Outubro do mesmo ano, eu apanhava um táxi para o
aeroporto com rumo aos Açores. Estava traçado o meu destino. Conheci o A.L. com
quem me casei.
O Thiago era o segundo filho da minha irmã. Isto aconteceu por volta das 22
horas dos Açores. Foi assim que recebi a notícia de que ele tinha nascido. Ele
parecia querer nascer prematuro. Então, desde os seis meses ela
precisou de fazer muito repouso. O meu cunhado, que tinha sido aluno de
medicina em Portugal, onde se conheceram, teve que tomar todas as providências
para ela conseguir levar a bom termo aquela gravidez. Talvez por isso, não sei,
fiquei sempre muito ligada nela. Estava sempre à espera de notícias.
Não havia telemóveis naquela época. Mas a notícia chegou na hora certa, bem
em cima do acontecimento. Só não sabia o nome dele, mas sabia que era um
menino. Fiquei doida de felicidade e mais ainda, por se ter estabelecido aquela
conexão tão forte.
Lembro-me que corri novamente para o meio do pessoal, chamei o António e
disse-lhe que a minha irmã tinha tido o bebé. E ele ingenuamente perguntou como
é que eu sabia. E eu, ingenuamente respondi-lhe que aquela sensação estranha
que estava a sentir, me tinha trazido a notícia. Ele olhou-me de lado, sorriu e
abanou a cabeça, simplesmente, porque não entendia nada. É normal. Saímos dali
de madrugada e no outro dia íamos trabalhar, mas isso não tinha a menor
importância. Éramos jovens!...
No outro dia a meio da tarde veio um telefonema da minha tia a dar a notícia, que para mim era apenas uma confirmação. O Thiago nasceu.
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