segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O Thiago nasceu - 8


Era véspera de S. João e estávamos a festejar os santos populares como era habitual. Além disso e enquanto vivi nos Açores, tudo era motivo para festejar. Éramos novos, os caminhos estavam em aberto em todos os sentidos. Tanto no campo pessoal como no profissional. Tudo estava no início.

Naquele dia, excepcionalmente, a festa era numa quinta do Zé Eduardo Moniz. Costumávamos fazer as festas na quinta da Ribeira Grande, mas o Zé Eduardo quis ser o anfitrião daquela noite, talvez porque o filho mais velho era recém-nascido e não lhe desse jeito deslocar a mulher e o bebé. Em consideração a isso e para variar, acedi ao seu desejo.

A sardinhada ao ar livre, como convinha, era acompanhada de vinho de cheiro, pão de mistura, bolo lêvedo e outras coisas mais. Reinava sempre a boa disposição. Alegria era coisa que não faltava. 

Naquele tempo ainda não havia rivalidades profissionais e dávamo-nos todos muito bem. Quem tinha família, estava sempre convidada e todos se conheciam e se respeitavam. O pessoal da Rádio muitas vezes partilhava das nossas festas, de modo que, nos Açores, já nessa altura, Rádio e Televisão estavam juntas. Era muito divertido, muito animado.

Também havia sempre um voluntário para assar as sardinhas, por se achar especialista no assunto e tudo era cuidadosamente encomendado para a RTP, o vinho especial, as sardinhas maravilhosas, enfim, era tudo óptimo, nunca ninguém teve do que reclamar e as nossas festas até se tornaram famosas no melhor dos sentidos.

Neste clima de festividade e descontracção, dum fim de dia espectacular que prometia entrar pela noite dentro, aconteceu então uma coisa fantástica.

De repente, comecei a sentir uma sensação estranha. O ambiente à minha volta pareceu ficar irreal, com uma luz diferente. As vozes soavam como um eco e uma impressão de que os meus pés não tocavam o chão. Parecia que flutuava no espaço. Era estranho mas era uma sensação muito agradável e uma alegria, mais do que isso, uma felicidade imensa inundava o meu coração. 

Deixei-me levar porque era bom demais e não podia perder aquela energia que eu não sabia de onde vinha mas que era muito bem vinda. Perguntei ao meu marido se ele se apercebia de alguma coisa estranha. Ele não percebeu o que eu queria dizer e eu não tinha como explicar. Mas insisti e disse-lhe que estava a acontecer alguma coisa que não sabia o que era. Uma coisa que vinha de longe e chamava por mim... mas ele continuou a não perceber e disse que aquilo não era nada. Uma reacção normal. 

Retirei-me um pouco da confusão, isolei-me por uns instantes para melhor saborear aquela sensação e ter a percepção do que estaria a acontecer. E de repente percebi o que era. O meu sobrinho tinha nascido. É verdade. Recebi essa notícia assim, vinda do nada, ou melhor, vinda de desejo da minha irmã, de tanto querer comunicar-se comigo para dar-me a boa nova, lá, do outro lado das águas. 

No dia 30 de Setembro de 1974 eu ia levar a minha irmã ao aeroporto com destino a S. Paulo, Brasil, onde a esperava o António, com quem ia casar. No dia 30 de Setembro de 1974, estava traçado o destino dela. 

No dia seguinte, 1 de Outubro do mesmo ano, eu apanhava um táxi para o aeroporto com rumo aos Açores. Estava traçado o meu destino. Conheci o A.L. com quem me casei. 

O Thiago era o segundo filho da minha irmã. Isto aconteceu por volta das 22 horas dos Açores. Foi assim que recebi a notícia de que ele tinha nascido. Ele parecia querer nascer prematuro. Então, desde os seis meses ela precisou de fazer muito repouso. O meu cunhado, que tinha sido aluno de medicina em Portugal, onde se conheceram, teve que tomar todas as providências para ela conseguir levar a bom termo aquela gravidez. Talvez por isso, não sei, fiquei sempre muito ligada nela. Estava sempre à espera de notícias. 

Não havia telemóveis naquela época. Mas a notícia chegou na hora certa, bem em cima do acontecimento. Só não sabia o nome dele, mas sabia que era um menino. Fiquei doida de felicidade e mais ainda, por se ter estabelecido aquela conexão tão forte.  

Lembro-me que corri novamente para o meio do pessoal, chamei o António e disse-lhe que a minha irmã tinha tido o bebé. E ele ingenuamente perguntou como é que eu sabia. E eu, ingenuamente respondi-lhe que aquela sensação estranha que estava a sentir, me tinha trazido a notícia. Ele olhou-me de lado, sorriu e abanou a cabeça, simplesmente, porque não entendia nada. É normal. Saímos dali de madrugada e no outro dia íamos trabalhar, mas isso não tinha a menor importância. Éramos jovens!... 

No outro dia a meio da tarde veio um telefonema da minha tia a dar a notícia, que para mim era apenas uma confirmação. O Thiago nasceu.


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