quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Falei com as estrelas - 9


Todos nós temos desejos ou sonhos, como lhe quiserem chamar. Muitos são legítimos, outros, nem por isso. E se alguns não se podem realizar, outros há que são possíveis.

 

Alguns realizam-se sem esforço da nossa parte - são presentes da vida - outros, porém, obrigam a um grande empenhamento pessoal e a uma força de vontade muito forte e nem por isso deixam de ser presentes da vida.

 

Quando um sonho se torna realidade não tem que ser um milagre, embora por vezes possa parecer. Não sendo uma coisa do outro mundo, algo pode acontecer que nos deixe maravilhados. Mesmo dentro da normalidade pode ter algo incomum, de tão extraordinário, que valha a pena recordar. Foi isso que aconteceu.

 

A Lurdes era uma colega de trabalho e uma amiga muito especial. Daquelas pessoas raras neste mundo, constantemente capazes de pequenas grandes coisas. Assim era a Lurdes, sempre igual, sempre fiel a si mesma. De natureza humilde, jamais se deixou corromper pelo materialismo. Uma vida sempre na "corda bamba", com problemas de toda a ordem, como só ela tinha e como só ela conseguia superar. Mas ela não era só o suporte de uma família, era também o suporte de todos à sua volta. A capacidade psicológica e física que tinha de aguentar, lidar e superar as coisas dela e ainda ajudar os outros, era absolutamente inesgotável.

 

Um humor à prova de fogo, como ninguém. Das tragédias fazia uma comédia. Da vida fazia o palco onde ela própria se fosse preciso, morria, aplaudia e ressuscitava. Ela reinventava a vida. Era uma criatura única. Onde ela estava, tudo estava bem. Ajudava, sem olhar a quem, mesmo que não gostasse desta ou daquela pessoa. Na hora da aflição, do problema, isso não tinha a menor importância. Automaticamente os laços se estabeleciam e o mal era transmutado. Ela dava a cara, se necessário, e mais facilmente salvava a pele dos outros do que a dela própria. Onde houvesse alguém num momento mau, aí estava ela a consolar, a levantar o astral. Essa criatura ensinou-nos a viver e proporcionou-nos horas de ouro. Só quem a conheceu é que pode compreender isto, porque ela era a prova viva de que o amor incondicional existe.

 

Um dia a Lurdes teve um sonho que se tornou um desejo que foi crescendo, crescendo, até se tornar realidade. Quis ter outro filho e desta vez queria que fosse uma menina. O Sérgio já estava bem grandinho, já era maior de idade e nunca lhe tinha passado pela cabeça ter outra criança. Ela e o marido não tinham muitos recursos e a coisa passava por aí. Mas agora ela queria. Depois de reunida a família decidiram que, apesar das circunstâncias, todos queriam essa criança. Estava decidido, portanto, o sonho realizado pela metade, o que já não era pouco. E todas começámos a sonhar e a torcer para que a coisa se concretizasse e já agora, que fosse uma menina como ela tanto queria.

 

Havia uma outra colega nessas condições, que tinha tido um rapaz com uma diferença de 18 anos da primeira filha, mas essa outra, era uma pessoa problemática. O oposto da Lurdes. Gostava de pregar rasteiras e as intenções dela nem sempre eram as mais desejáveis. Um carácter um pouco duvidoso. E enquanto que todas nós torcíamos pela Lurdes, ela distorcia. Dizia que ela não ia ser capaz daquela proeza(!?). Uma data de disparates, como se só ela no mundo tivesse dado à luz duas crianças de sexos diferentes. Só ela tinha sido capaz de fazer as coisas bem feitas(!) e não queria de maneira nenhuma que a outra tivesse outro filho, muito menos uma menina. A mim incomodava-me e como aquela atitude. Era demasiado provocatória e mesquinha. E tivemos todas que levar com aquela coisa ruim, que não cedia de maneira nenhuma.

 

O tempo foi passando e um dia a Lurdes veio da médica com a confirmação da gravidez. Foi uma festa, uma alegria só. A emoção foi tão grande que as lágrimas bailavam nos olhos dela e nos nossos também. Ficámos todas excitadas com a notícia. Começámos a fazer as contas para quando seria e a planear tudo em conjunto com ela. Ela queria uma menina, porque já tinha um rapaz, mas no momento em que soube que estava grávida, a felicidade era tão grande, que isso deixou de ser relevante. Tudo o que importava agora era que essa criança fosse saudável. Se era menino ou menina já não tinha a menor importância. Estava demasiado agradecida à vida para exigir fosse o que fosse.

 

Sinceramente, eu ficava pasmada com a capacidade de aceitação que ela tinha. Era uma fonte de ensinamento para mim. A outra, em nada receptiva, continuava dizendo que nunca seria uma menina. Ia sair outro rapaz. Mas ela já não se incomodava nada com isso. E fez a primeira ecografia e todo o mundo a postos para saber o que seria. Quando ela chegou, foi com alguma decepção que ouvimos a notícia de que a médica dissera que não dava para confirmar, mas achava que era um rapaz e ponto final.

 

Toda a gente de volta dela felicitando-a e dizendo-lhe que não fazia mal, era igualmente bom e ela também, feliz por estar tudo bem e voltava a salientar que estava muito feliz por ser um menino. E estava mesmo, era visível. A outra toda emproada dizia, viram, eu tinha razão, se a médica disse que devia ser um rapaz é porque é de certeza, porque não ia arriscar a dizer sem ter a certeza. Nunca faria isso e chateava a cabeça dela e a cabeça das outras. A mim, mais do que isso, apunhaláva-me. Apetecia-me jogá-la pela janela fora.

 

A barriga foi crescendo, foram-se tomando as providências, colaborando em tudo o que era possível, só a outra desdenhava, com grande tristeza minha. Tristeza que se foi transformando numa espécie de raiva, porque era de um mau gosto que chegava a doer. Chegava a ser injusto, já que a Lurdes toda a vida tinha sido amiga dela. Como era possível tamanha ingratidão?!

 

Os dias decorriam assim numa harmonia interceptada por um mau agoiro, um só, que estragava tudo. A barriga crescendo e o dia do nascimento a aproximar-se. E aquela raiva a apoderar-se de mim, dia após dia, que me sufocava. Se fosse comigo não me incomodava tanto, mas com a Lurdes não, não podia ser. Ela queria tanto uma menina! Ela tinha conseguido conquistar tudo o que queria, dentro do possível, só faltava aquela criança ser uma menina e eu não me conformava. Primeiro, porque a outra tinha ganho aquilo que não tinha que ser uma disputa, mas assim parecia. Segundo, porque a Lurdes tinha começado aquele projecto com o objectivo de ter uma menina. Eu sabia que não era tão importante assim. Nós sabíamos. Mas não custava nada. Que pena! E que raiva!

 

A poucos dias da criança nascer... fui para casa, fiz o que tinha a fazer e quando me sentei no sofá para descansar um pouco antes de me deitar, comecei a pensar no assunto. Pensei naquela situação caricata da outra ter conseguido levar a teimosia venenosa dela avante que eu não aceitava, não conseguia engolir. Imaginava a Lurdes a ter uma menina e a outra sem palavras, morta de inveja. Pensei tanto naquilo que não conseguia parar.

 

Fui para a minha varanda. Estava calor. Sentei-me a olhar o céu limpo, duma noite de Verão. Valia sempre a pena observar as estrelas. Elas repunham um pouco a tranquilidade. Mas não conseguia deixar de pensar na Lurdes. Era tão bom se ela tivesse uma menina! Ela ia ficar tão feliz! Ela, o Sérgio, o "Jaquim" e nós. Ah, era tão bom se fosse possível! Mas àquela altura, o que estava feito, feito estava. Não era possível alterar. A menos que… a menos que… a médica estivesse enganada. Afinal ela não tinha dado a certeza. Está certo que eles não adiantam nada de ânimo leve. Mas, naquele caso, também não era grave(?). E podia ser, não podia? Ela podia ter-se enganado!?

 

Senti uma corrente de energia tão forte, mas tão forte, que dentro de mim uma força estranha gritava: pede, fala com as estrelas, elas podem tudo. Pede para que a situação seja revertida. Ainda é tempo. Não quero saber do que a médica disse. Céu... estrelas..., porque é que a felicidade nunca há-de ser por inteiro, tem que ser sempre pela metade? Não estou a pedir nada para mim, mas é mais importante do que se fosse para mim. Ela só queria uma menina, mais nada. Ela não quer o céu e a terra, este mundo e o outro. É só uma menina e as estrelas podem, podem tudo. Porque é que a outra há-de ganhar e há-de rir-se à nossa custa, não é justo!? Eu sei que o mundo não é justo, mas a Lurdes não merece. Ou melhor, a Lurdes merece tudo de bom. Tudo. Estrelas, façam o milagre. Eu imploro! Eu quero! Era tão bom, tão bom mesmo. Se for um menino não faz mal, mas tragam uma menina. Estrelas, por favor, tragam uma menina para a Lurdes!

 

Eu estava de rastos de eufórica, com a energia que corria dentro de mim. O facto é que, a partir dali deixei de sentir raiva. Sentia-me mais leve e pronta para aceitar o que viesse. As vozes da outra já não tinham eco em mim, já não me atingiam.

 

Às 23,45 do dia dez de Setembro de 1991 eu completava 39 anos de idade. Poucas horas depois, na manhã do dia seguinte, mais propriamente a 11 de Setembro de 1991, as estrelas respondiam ao meu chamado, traziam o meu "presente" e a Lurdes realizava o seu sonho por inteiro - a Beatriz nascia.

 

A Beatriz é hoje uma jovem linda, inteligente e saudável. A Beatriz é a prova viva de que as energias negativas se diluem quando confrontadas com as energias positivas. A Beatriz nunca me fará esquecer que um dia, em nome da amizade incondicional, da luz, do amor e da alegria eu consegui falar com as estrelas.

 

A Beatriz esteve lá desde o início. Todo o tempo ela foi testemunha de que quando queremos alguma coisa com muito amor, mais do que tudo, é preciso acreditar.

(A história que acabei de descrever, verídica como tudo o que estará contido neste blogue, além da importância que teve no plano físico, teve um reflexo extremamente relevante no plano espiritual. Da mesma maneira que a Beatriz esteve lá todo o tempo, porque a médica se enganou, fazendo da questão uma verdade intemporal, uma verdade absoluta, completamente alheia à vontade e aos desejos humanos, também as estrelas estavam lá todo o tempo. Depois disto, pode dizer-se que aprendi a falar com as estrelas. Aprendi a reparar na sua existência plena, com todo o poder que elas encerram. Aprendi que elas são a luz que nos ilumina, que nos fornece a energia que nos alimenta física e espiritualmente e que nos guia pela eternidade. Elas não estão lá apenas em noites especiais quando, casualmente olhamos para o céu, numa daquelas noites que as achamos únicas. Elas estão e são o nosso tecto, a nossa casa e o nosso encontro com elas pertence ao passado, presente e futuro. Elas passaram a abrilhantar a minha vida e o meu caminho, porque eu me tornei perfeitamente consciente, não só da sua existência como da sua presença. A partir daí fiquei mais rica espiritualmente. O meu elo com o Divino estava selado e a minha gratidão e respeito pela vida são eternos.)


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