Alberto era
um colega meu da RTP, que trabalhava no Centro de Produção do Porto. A certa
altura, por motivos de trabalho, começámos a ter uma ligação mais próxima. E
por causa da natureza do seu trabalho, vinha a Lisboa muitas vezes e falávamos
muito ao telefone, sendo que as conversas começaram a ser cada vez mais
extensas e pessoais. Até ao dia em que ele se abriu, dizendo que gostava muito
de falar comigo, de estar comigo, etc.
Eu
simpatizava com ele, mas o facto de ele residir no Porto não me atraía nada.
Mas o Alberto era muito insistente e costumava dizer que havia de me levar com
ele para onde quer que ele fosse, porque queria estar sempre na minha
companhia. E mais, queria ser feliz. Estava separado da mulher, queria
divorciar-se e começar uma vida nova e os planos para a nova vida incluíam a
minha pessoa, mesmo sem o meu acordo. E eu ia levando as coisas de modo muito
ligeiro, sem dar muito crédito, porque achava que o meu caminho não era por
ali.
O tempo foi
passando, até que um dia, por insistência dele, concordei em irmos passar um
fim-de-semana ao Algarve, para nos conhecermos melhor e ver como as coisas
corriam. Assim foi. Só havia uma colega nossa, que também estava metida nos
assuntos de trabalho e que sabia disto. De resto, mais ninguém.
Durante o
dia as coisas correram bem e na primeira noite as coisas também correram bem.
Ele era um homem simpático, calmo, normal e não havia do que reclamar. Na
segunda noite, porém, as coisas correram muito mal. Para começar não dormi nada
de jeito. Melhor dizendo, não preguei olho em toda a noite. Ele ressonava
muito, mas o problema não era esse. Não é por alguém ressonar ao pé de mim que
não vou dormir. A noite é para dormir e dormir é comigo mesma. Adormeço e nada
me faz acordar, a não ser alguma coisa de muito grave ou de anormal. Mas esse é
que foi o problema. Ele ressonava e a respiração dele era muito irregular.
Quando eu começava a adormecer a respiração dele parava. Parava por completo e
eu pensava que o homem estava morto. E ficava aflita. Tinha que lhe bater, dar
um encontrão, abaná-lo para ele continuar a respirar. Depois voltava-se para um
e outro lado continuamente, sem descanso. A todo o instante eu pensava que ele
se finava porque não o ouvia respirar.
Provavelmente a minha respiração também não se ouve, mas a dele ouvia-se, por
isso é que era fácil perceber que tinha parado. E agora, pensava eu, ainda lhe
dá para aqui uma coisa má e o que é que eu faço? Então levei a noite toda
naquele desassossego, sem conseguir dormir, com receio de que ele se ficasse.
Nunca tinha dormido com ninguém com um problema idêntico. Era uma coisa muito
complicada e assustou-me deveras. E o pior é que já de manhã, quando demos a
noite por terminada e começámos a falar, ao perguntar-lhe se estava bem, olhou
para mim com um ar de espanto, sem entender ou fingindo que não entendia.
Disse-lhe que ele tinha dormido mal e imediatamente me respondeu que não, que
tinha dormido muito bem. Não tendo gostado da resposta, continuei a falar sobre
o assunto, mas ele descartava qualquer observação da minha parte. Não assumia o
problema. Uma coisa era certa, ele tinha um problema grave de apneia e eu era
testemunha disso. Por causa dele não dormi a noite toda, sempre aflita com a
respiração ou falta de respiração. E dizia-me que eu estava enganada, com toda
a tranquilidade possível?! Que estranho! Mas a mim não me agradava nada aquela
situação.
Muito bem, o fim de semana estava terminado e regressámos a Lisboa, eu à minha
casa e ele ao Hotel. No dia seguinte, iria à RTP e depois voltaria para o
Porto. Claro que insistiu para eu ficar com ele mais uma noite no hotel, mas eu
recusei-me. E recusei-me com carácter definitivo. Estava decidido que não
voltaria a sair com ele e muito menos a ficar com ele. Se havia alguma possibilidade
de pensarmos em ficar juntos e iniciar-mos um relacionamento, para mim era
muito óbvio que tinha caído por terra, porque eu estava certa de que não me
agradava passar um mau bocado com ele. A questão é que ele não assumia o
problema que tinha. Se assumisse, ia ao médico, faria exames e alguma coisa
seria feita. Se há coisa de que nunca gostei é de gente inconsciente, que não
consegue ou não quer assumir os seus problemas, sejam eles de que natureza
forem. E era o caso. Fim de história.
A vida
continuou e o Alberto também continuava com os telefonemas dele, de trabalho,
sim, mas sempre dava um jeito de dizer que tinha saudades minhas, batendo
sempre no mesmo tema, que queria ser feliz comigo e que para onde ele fosse eu
iria com ele. A páginas tantas já nem me chateava, deixava-o falar, porque a
minha decisão estava tomada e nada nem ninguém me obriga a fazer o que não
quero.
Um dia
recebo um telefonema dele dizendo que vinha a Lisboa, que ia ficar no Hotel em
frente à RTP, como era costume e que esperava por mim para ficarmos juntos essa
noite. Disse-lhe que não, mas ele continuou a insistir com falinhas mansas,
muito cheio de meiguice e não aceitava de jeito nenhum o meu não. Era problema
dele, porque ninguém mandava em mim, muito menos ele. Contei à minha colega,
que se ria sempre muito com a história e fazia sempre questão de reforçar que
ele gostava mesmo de mim, etc… achando que eu lhe devia dar uma chance(!). Devo
dizer que ela era uma ingénua. Sempre foi e sempre será. E disse-lhe
exactamente o mesmo. Ele voltou a telefonar insistindo, e de acordo com a
conversa não se convencia que eu não iria. Para ele, nem que fosse à última
hora, eu acabaria por ir. Claro que não. Se eu quisesse ir dizia-lhe logo de
início. Não seria preciso tanta insistência. A questão era muito simples, por
mais que ele quisesse, eu não queria e ponto final.
Fui para
casa, fiz a minha rotina normal e deitei-me para no dia seguinte ir trabalhar
como de costume. E nunca mais pensei naquilo. No outro dia cheguei ao meu local
de trabalho, o meu chefe chegou logo depois e o dia estava iniciado. Tudo
dentro da normalidade, mas pensei que ele devia estar por lá e portanto devia
estar a aparecer para chatear a minha paciência, o que eu não iria permitir.
Mas tal não aconteceu. Perfeito.
Um pouco
antes da hora do almoço a porta abriu-se e a minha colega/amiga espreitou.
Pensei que estaria à procura dele, mas não. Fiz-lhe sinal para entrar e logo
percebi que estava com cara de caso. Ela queria falar mas ao mesmo tempo
percebi que estava inibida. Perguntei-lhe o que é que se estava a passar e ela
respondeu com outra resposta, querendo saber se eu tinha estado com ele na
noite anterior. Fiquei um bocado chateada por ela ainda me estar a fazer aquela
pergunta, quando eu lhe tida dito com todas as letras que não. E respondi-lhe
uma vez mais que lhe tinha dito que não. Ela então mostrou uma cara de espanto
que me deixou sem perceber nada. E voltou a perguntar se realmente não tinha estado
com ele, como se estivesse a duvidar de mim. Ela conhecia-me. Conhecia-me bem.
Não fazia o menor sentido aquela insistência?! E aquele assunto para mim tinha
morrido.
E de repente
começou a falar muito de depressa exteriorizando o quanto estava aliviada por
eu não ter ido(?), que ela estava muito aflita por mim(?) e deixando-me
completamente perplexa e sem voz, continuou “Ah… ainda bem que não foste, ainda
bem… ele está nos cuidados intensivos porque teve um enfarte!?... … …
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