domingo, 4 de agosto de 2019

Alberto - 78



Alberto era um colega meu da RTP, que trabalhava no Centro de Produção do Porto. A certa altura, por motivos de trabalho, começámos a ter uma ligação mais próxima. E por causa da natureza do seu trabalho, vinha a Lisboa muitas vezes e falávamos muito ao telefone, sendo que as conversas começaram a ser cada vez mais extensas e pessoais. Até ao dia em que ele se abriu, dizendo que gostava muito de falar comigo, de estar comigo, etc.

 

Eu simpatizava com ele, mas o facto de ele residir no Porto não me atraía nada. Mas o Alberto era muito insistente e costumava dizer que havia de me levar com ele para onde quer que ele fosse, porque queria estar sempre na minha companhia. E mais, queria ser feliz. Estava separado da mulher, queria divorciar-se e começar uma vida nova e os planos para a nova vida incluíam a minha pessoa, mesmo sem o meu acordo. E eu ia levando as coisas de modo muito ligeiro, sem dar muito crédito, porque achava que o meu caminho não era por ali.

 

O tempo foi passando, até que um dia, por insistência dele, concordei em irmos passar um fim-de-semana ao Algarve, para nos conhecermos melhor e ver como as coisas corriam. Assim foi. Só havia uma colega nossa, que também estava metida nos assuntos de trabalho e que sabia disto. De resto, mais ninguém.

 

Durante o dia as coisas correram bem e na primeira noite as coisas também correram bem. Ele era um homem simpático, calmo, normal e não havia do que reclamar. Na segunda noite, porém, as coisas correram muito mal. Para começar não dormi nada de jeito. Melhor dizendo, não preguei olho em toda a noite. Ele ressonava muito, mas o problema não era esse. Não é por alguém ressonar ao pé de mim que não vou dormir. A noite é para dormir e dormir é comigo mesma. Adormeço e nada me faz acordar, a não ser alguma coisa de muito grave ou de anormal. Mas esse é que foi o problema. Ele ressonava e a respiração dele era muito irregular. Quando eu começava a adormecer a respiração dele parava. Parava por completo e eu pensava que o homem estava morto. E ficava aflita. Tinha que lhe bater, dar um encontrão, abaná-lo para ele continuar a respirar. Depois voltava-se para um e outro lado continuamente, sem descanso. A todo o instante eu pensava que ele se finava porque não o ouvia respirar. 


Provavelmente a minha respiração também não se ouve, mas a dele ouvia-se, por isso é que era fácil perceber que tinha parado. E agora, pensava eu, ainda lhe dá para aqui uma coisa má e o que é que eu faço? Então levei a noite toda naquele desassossego, sem conseguir dormir, com receio de que ele se ficasse. Nunca tinha dormido com ninguém com um problema idêntico. Era uma coisa muito complicada e assustou-me deveras. E o pior é que já de manhã, quando demos a noite por terminada e começámos a falar, ao perguntar-lhe se estava bem, olhou para mim com um ar de espanto, sem entender ou fingindo que não entendia. Disse-lhe que ele tinha dormido mal e imediatamente me respondeu que não, que tinha dormido muito bem. Não tendo gostado da resposta, continuei a falar sobre o assunto, mas ele descartava qualquer observação da minha parte. Não assumia o problema. Uma coisa era certa, ele tinha um problema grave de apneia e eu era testemunha disso. Por causa dele não dormi a noite toda, sempre aflita com a respiração ou falta de respiração. E dizia-me que eu estava enganada, com toda a tranquilidade possível?! Que estranho! Mas a mim não me agradava nada aquela situação. 


Muito bem, o fim de semana estava terminado e regressámos a Lisboa, eu à minha casa e ele ao Hotel. No dia seguinte, iria à RTP e depois voltaria para o Porto. Claro que insistiu para eu ficar com ele mais uma noite no hotel, mas eu recusei-me. E recusei-me com carácter definitivo. Estava decidido que não voltaria a sair com ele e muito menos a ficar com ele. Se havia alguma possibilidade de pensarmos em ficar juntos e iniciar-mos um relacionamento, para mim era muito óbvio que tinha caído por terra, porque eu estava certa de que não me agradava passar um mau bocado com ele. A questão é que ele não assumia o problema que tinha. Se assumisse, ia ao médico, faria exames e alguma coisa seria feita. Se há coisa de que nunca gostei é de gente inconsciente, que não consegue ou não quer assumir os seus problemas, sejam eles de que natureza forem. E era o caso. Fim de história.

 

A vida continuou e o Alberto também continuava com os telefonemas dele, de trabalho, sim, mas sempre dava um jeito de dizer que tinha saudades minhas, batendo sempre no mesmo tema, que queria ser feliz comigo e que para onde ele fosse eu iria com ele. A páginas tantas já nem me chateava, deixava-o falar, porque a minha decisão estava tomada e nada nem ninguém me obriga a fazer o que não quero.

 

Um dia recebo um telefonema dele dizendo que vinha a Lisboa, que ia ficar no Hotel em frente à RTP, como era costume e que esperava por mim para ficarmos juntos essa noite. Disse-lhe que não, mas ele continuou a insistir com falinhas mansas, muito cheio de meiguice e não aceitava de jeito nenhum o meu não. Era problema dele, porque ninguém mandava em mim, muito menos ele. Contei à minha colega, que se ria sempre muito com a história e fazia sempre questão de reforçar que ele gostava mesmo de mim, etc… achando que eu lhe devia dar uma chance(!). Devo dizer que ela era uma ingénua. Sempre foi e sempre será. E disse-lhe exactamente o mesmo. Ele voltou a telefonar insistindo, e de acordo com a conversa não se convencia que eu não iria. Para ele, nem que fosse à última hora, eu acabaria por ir. Claro que não. Se eu quisesse ir dizia-lhe logo de início. Não seria preciso tanta insistência. A questão era muito simples, por mais que ele quisesse, eu não queria e ponto final.

 

Fui para casa, fiz a minha rotina normal e deitei-me para no dia seguinte ir trabalhar como de costume. E nunca mais pensei naquilo. No outro dia cheguei ao meu local de trabalho, o meu chefe chegou logo depois e o dia estava iniciado. Tudo dentro da normalidade, mas pensei que ele devia estar por lá e portanto devia estar a aparecer para chatear a minha paciência, o que eu não iria permitir. Mas tal não aconteceu. Perfeito.

 

Um pouco antes da hora do almoço a porta abriu-se e a minha colega/amiga espreitou. Pensei que estaria à procura dele, mas não. Fiz-lhe sinal para entrar e logo percebi que estava com cara de caso. Ela queria falar mas ao mesmo tempo percebi que estava inibida. Perguntei-lhe o que é que se estava a passar e ela respondeu com outra resposta, querendo saber se eu tinha estado com ele na noite anterior. Fiquei um bocado chateada por ela ainda me estar a fazer aquela pergunta, quando eu lhe tida dito com todas as letras que não. E respondi-lhe uma vez mais que lhe tinha dito que não. Ela então mostrou uma cara de espanto que me deixou sem perceber nada. E voltou a perguntar se realmente não tinha estado com ele, como se estivesse a duvidar de mim. Ela conhecia-me. Conhecia-me bem. Não fazia o menor sentido aquela insistência?! E aquele assunto para mim tinha morrido.

 

E de repente começou a falar muito de depressa exteriorizando o quanto estava aliviada por eu não ter ido(?), que ela estava muito aflita por mim(?) e deixando-me completamente perplexa e sem voz, continuou “Ah… ainda bem que não foste, ainda bem… ele está nos cuidados intensivos porque teve um enfarte!?... … …



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