Já de saída, apressei-me
a ver a notificação acabada de chegar ainda antes de sair, pois nunca se sabe o
que pode ser importante ou não. Pego no telemóvel e vejo uma mensagem do meu
querido e amado filho, como anónima, isto é, num número que não era o dele,
dizendo apenas que aquele era o novo número dele. Sem pensar muito, mas já
pensando alguma coisa, não apaguei o anterior, limitando-me a acrescentar o
“novo”. E saí, porque ia almoçar com um colega da Universidade Sénior e não o
queria fazer esperar, uma vez que ele já estava com o carro à minha porta.
Fomos almoçar
num restaurante muito perto, mas como ele naquela altura estava com algumas
dificuldades de locomoção, não podia andar a pé, a não ser o absolutamente
necessário. Além de que, logo a seguir ao almoço tinha que ir à fisioterapia.
Entrei no carro e, pouco depois, estávamos a estacionar mesmo ao pé do
restaurante. Saímos do carro, vi se ele precisava de ajuda e dirigimo-nos à
esplanada, porque estava um belo dia de inverno e era bom apanhar um pouco de
sol, ainda que de baixo do toldo.
Depois de
estarmos sentados e já termos escolhido a ementa, enquanto aguardávamos pela
comida, o meu telemóvel tocou. Pedi-lhe licença para atender e quando desliguei
a chamada que tinha terminado, lembrei-me da mensagem que tinha recebido do meu
filho. Olhando e relendo novamente, a minha intuição começou a dar sinal de
alarme. Comecei a pensar naquilo que estava escrito, a pensar no meu filho e
ainda que, aparentemente, não fosse nada esquisito, havia alguma coisa que não
me parecia certo, porque era e não era.
Achando que eu
estava apreensiva, o Luís perguntou se estava tudo bem. Levei algum tempo para
lhe responder, mas acabei dizendo que tinha recebido uma mensagem do meu filho
e que me parecia estranha. Estranha porquê, perguntou ele. Eu já sabia que essa
seria a reacção dele. E o pior é que o conteúdo, para qualquer pessoa, não
diria nada. Mas eu era a mãe! Li em voz alta, ao que ele respondeu que era tudo
normal, não vendo nada de estranho e, portanto, eu estava numa atitude de
negação. Pois é. O problema era mesmo esse, ou seja, era demasiado normal. Eu
conheço o meu filho. Conheço-o como ninguém. E continuei dizendo-lhe que, para
mim, era quase certo que alguém se estava a fazer passar por ele. Claro que uma
vez mais ele reagiu com críticas à minha opinião, rindo de gozo e de escárnio,
descartando por completo o que tinha acabado de lhe dizer. A atitude dele era
como se me estivesse a chamar de tola, de idiota ou sei lá o quê.
Por aquela
altura eu andava um pouco perdida, é verdade, e de vez em quando trocávamos
ideias por telefone. Ele sabia do momento complicado por que eu estava a passar
e então justificou-se com esse motivo, que eu tinha que ter uma atitude ou uma
postura mais positiva perante a vida, como sempre tivera, como ele me tinha
conhecido. A fragilidade em que me encontrava não combinava comigo, ia
explicando ele e divagando, também. Mas eu sabia que uma coisa não tinha nada
que ver com a outra. Eram coisas perfeitamente distintas. O almoço foi correndo
e tirando isso, em todos os outros assuntos nos entendíamos. Só ali, a coisa
não tinha mesmo como funcionar. Provavelmente, se fosse com qualquer outra
pessoa, teria o mesmo resultado. Faltavam-me as bases para comprovar o que,
embora não tivesse como comprovar, comprovado estava para mim. Mas só para mim.
E isso chegava-me.
Acabado o
almoço, veio outra mensagem. Aí, ele já estava muito excitado, e à espera que
lhe dissesse, olha, afinal tens toda a razão. É o meu filho. Só que não. A
mensagem dizia que ele estava com o telemóvel avariado e só no dia seguinte o
teria novamente, pelo que aquele era um provisório. E o Luís, perfeitamente
convencido do que estava a dizer, dizia-me que era perfeitamente razoável e que
podia acontecer a qualquer pessoa. Sim, podia, mas não a ele, o meu filho. Além
disso, ali já havia uma contradição. Primeiro tinha dito que tinha um número
novo. Agora já dizia que era apenas provisório. Mas eu nem precisava de tanto.
Claro que aquela situação podia acontecer a qualquer um. A qualquer um, mas
nunca ao meu filho. A relação dele com as tecnologias informáticas, mais
precisamente na área da “segurança”, tinham-no elevado a um patamar
dificilmente compatível com fosse quem fosse. Mas isso os outros não tinham que
saber. Eu sabia. Logo, aquela pequena contradição do telemóvel avariado e do
número provisório, queria dizer exactamente o que eu já tinha suspeitado desde
o primeiro instante.
Acabado o
almoço, ele deixou-me em casa e cada um foi à sua vida. Já em casa, relembrava
a reacção do Luís, e mais, a estranheza dele em não haver resposta da minha
parte àquelas mensagens que ele acreditava piamente serem do meu filho.
Responder o quê, se eu tinha a certeza de que não era ele? Ah, e se não fosse,
isto é, se eu estivesse enganada e fosse realmente ele? Pois bem… nem aquelas
mensagens exigiam uma resposta, nem eu iria arriscar entrar em contacto com
“aquilo”, pelo menos por enquanto. Eu não sabia que raio de emboscada era
aquela. Porque, não sendo o meu filho, alguma coisa muito estranha estaria por
trás daquilo. Já vi muita gente meter-se em sarilhos com coisas do género.
Portanto, as coisas ficariam por aí mesmo.
Um pouco cansada
da cabeça, deitei-me preguiçosamente no sofá da sala, ouvindo o som da
televisão. Daí a uma hora teria uma consulta, portanto, não podia correr o
risco de adormecer e a páginas tantas o telemóvel dava sinal de mais uma
mensagem. O que seria agora? Mais uma mensagem do meu falso filho que, sem mais
nem menos me pergunta o que é que estou a fazer. Pensei, pensei e decidi dar
resposta, para ver se descortinava qualquer coisa daquela treta. Respondi então
se precisava de alguma coisa. A resposta não se fez esperar, respondendo
afirmativamente. Perguntei o que queria. Precisava de fazer uma transferência
bancária “avultada” até ao final do dia, sem falta, mas como estava sem o
telemóvel dele, não tinha a aplicação para isso. Ele dava-me os dados para eu a
fazer por ele e logo no dia seguinte ele faria o pagamento à minha pessoa.
Estava bem feito.
Isso eu tinha que reconhecer. Um filho em dificuldades! Qual é a mãe que não
ajuda? Só que aquela mãe não era eu, como aquele filho não era o meu. Jamais o
meu filho me pediria dinheiro. Jamais! Primeiro, porque ele tem muito dinheiro
e eu não. Segundo, porque, se eventualmente ele precisasse, era certo que
pediria ao pai. Esse sim, tem dinheiro. Jamais a mim. Mas isto também ninguém
tem que saber. Eu sabia. Além de que, de certeza absoluta, ele teria outros
recursos para resolver o problema, sem aquela lengalenga toda, o que era o mais
importante de tudo.
Não dei mais
resposta e encerrei o assunto, porque sim, e porque também estava na hora de ir
para a consulta que tinha. Entrei no carro e liguei para a minha norinha que me
atendeu logo o telefone. Perguntei-lhe se o Henrique tinha um número novo. Estranhando
a minha pergunta, respondeu que não fazia ideia do que eu estava a perguntar.
Logo, o Henrique não tinha nada um telemóvel com um número provisório e coisa e
tal. De seguida liguei para o meu filho, que não atendeu a minha chamada. Mais
ou menos a meio do caminho o telemóvel chama. Era o meu filhote, dizendo que
estava numa reunião e não tinha podido atender. Perguntei se ele estava com
problemas no telemóvel e se por acaso tinha um número provisório. Não.
Disse-lhe que estava a receber mensagens de alguém a passar-se por ele e tudo o
resto. Pediu-me o número e assim que pude parei o carro para lhe responder.
Passado um pouco voltou a ligar, dizendo que o número não estava atribuído e
que simplesmente apagasse tudo o que tinha recebido.
Quando, à noite,
decidi ligar ao Luís, ele não queria acreditar. O maior espanto dele era o
facto de, desde a primeira hora, desde o primeiro instante, eu ter percebido
isso, porque ele realmente achava que não tinha como. Estava perplexo e
embasbacado. Praticamente, sem palavras. Mas também não precisava mesmo porque,
aqui, a única palavra certa, que encaixava e que resumia e definia tudo,
tudinho, era uma só: intuição.
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