O cão ladrava, ladrava, ladrava… o que
não era usual. Regra geral, os cães iam para ali bem tranquilos. Eu até ficava
espantada com o comportamento deles. Muitas vezes, os donos ficavam, outras
vezes, não. Iam-se embora para virem mais tarde buscá-los. E dum modo geram,
todos se comportavam espantosamente bem. Quietinhos! Alguns até parecia que se
deliciavam em estar ali.
A jovem tratadora era uma garota muito
dedicada ao seu trabalho e o spa estava sempre muito bem cuidado. Os cães
chegavam com os seus donos, levados pela trela, entravam, alguns com o rabo a
abanar, e ali ficavam. Às vezes até tinham que aguardar a sua vez, porque ainda
estava outro a acabar, mas nem por isso se chateavam. Eram pacientes. E os
donos ficavam sentados a apreciar ou iam à sua vida.
Algumas vezes me detive a apreciar,
espantada com o facto de eles ficarem quietos, sem se manifestarem, sem medo,
sem ladrarem e sem estranharem por serem entregues a outra pessoa, e nunca vi
nenhum cão reagir. Eles sempre obedeciam à garota que trata deles e o facto de
os donos se irem embora ou ficarem, não os perturba nada, independentemente do
que vão fazer.
A loja é toda envidraçada e vê-se tudo
o que lá se passa. Às vezes as crianças estão por ali a brincar e ficam
encantadas a ver o cão a ser tratado com todo o cuidado. Eles cortam o pelo,
tomam banho, vão à secadora, são muito bem escovados e sei lá o que mais. No meio de tudo isto, fico admirada com a submissão deles ao que lhes fazem.
Um dia destes, porém, a situação foi
diferente. Quando saí a porta do prédio, ouvi ladrar. Um ladrar forte e
insistente. Parecia que o cão dizia: “não quero estar aqui, não quero, não
quero, tirem-me daqui” … e fui atraída pela inquietação do animal, que reagia sob
forte tensão. Percebi que estava sozinho, sem dono ou dona. A jovem do spa falava
com ele enquanto o tosquiava e falava bem alto, ralhando e dando-lhe ordens
para que se aquietasse, mas não tinha sucesso e o cão continuava a
manifestar-se contrariado.
Não posso dizer que me incomodou muito,
mas fiquei curiosa. Se fosse uma criança a chorar ou a gritar, isso sim,
ter-me-ia incomodado bastante, mas um animal é diferente, até porque não sou
amante de cães, especialmente se não os conheço. Nesse caso até prefiro
distância. Incomodou-me mais, a garota estar a aguentar aquilo, porque o cão
estava mesmo desassossegado de todo, sem obedecer às ordens dela, que estava
com ar chateado.
Então, aproximei-me para apreciar ou
perceber melhor, a situação embaraçosa que estava a acontecer por dentro dos
vidros da loja e em vez de me ir embora, decidi tomar as rédeas da situação.
Dobrando a esquina, dei a volta à loja para ficar de frente para o cão. A
menina estava de costas, pelo que não se apercebeu de nada, o que foi bem
melhor para mim. E agora estávamos bem de frente um para o outro, separados
apenas pelo vidro.
Aí, olhei bem nos olhos dele, deixando-o
igualmente fixar-se nos meus olhos. Os animais reagem melhor que os humanos à
linguagem telepática, porque é assim que se comunicam entre si. Os humanos,
porém, há muito que perderam, ou simplesmente esqueceram essa essa faculdade.
Dessa maneira, ficámos os dois, somente os dois, olhos nos olhos. E
imediatamente a minha ordem foi enviada. Mentalmente, dizia-lhe: “calou, calou,
não ladra mais”. Ele fez um ar de surpresa, como quem diz “quem és tu(?) …, mas
sem ladrar. Todavia percebi que estava prestes a continuar a fazê-lo e como
isso não podia acontecer de jeito nenhum, ergui a minha mão direita, esticando
o dedo indicador que estava apontado para ele, enquanto os nossos olhos
continuavam completamente fitos um no outro. O cão, apercebendo-se de que
estava a receber uma energia diferente, abria o focinho na tentativa de
contrariar aquilo que o estava a travar e a impedir de ladrar, mas logo o
fechava. E assim ficou alguns segundos, abrindo e fechando, sustendo o ar,
reprimindo o fôlego, enquanto eu continuava olhando fixamente nos olhos dele, mantendo
tão firme quanto possível, o dedo apontado, enviando a ordem: “calou, não ladra
mais, não, não, não” …
Eu sabia que o cão tinha captado aquela
energia que era superior à vontade dele e que o deixou completamente
hipnotizado, sem conseguir fazer aquilo que lhe apetecia e que, até antes de eu
aparecer, tinha feito: ladrar, ladrar, ladrar. Mas ele também sabia que aquela
energia era mais forte do que ele. Não teve medo. Apenas não conseguiu rejeitar.
E eu segurava com todas as minhas forças, canalizando e segurando cada vez
mais, a cada respiração, a cada segundo, a cada milésima de segundo, aquela
energia vinda do campo holístico, que me permitia uma voz de comando superior à
dele e que só ele conseguia ouvir. Ao mesmo tempo, ouvia o meu inconsciente
dizendo: “tu consegues, tu consegues, não pares, continua e nem por um instante
duvides, caso contrário tudo vai falhar”.
Mas isso eu sabia. Tinha a certeza
absoluta de que, à menor possibilidade de dúvida, nunca mais iria dar certo, porque
esse é o segredo. A vontade é soberana, sim, mas apenas e somente, quando se
faz cem por cento presente, sendo que para isso não pode haver a menor dúvida.
O cão deixou de ladrar, manteve-se
calado, normalizou a respiração ofegante e entrecortada. E deixou de ladrar
assim que fixei os meus olhos nos dele. Parou imediatamente, sem conseguir
ladrar nem mais uma única vez. Ainda fiquei um pouco, observando, mas agora com
a certeza absoluta de que ele não iria ladrar mais, por aquele motivo.
Afastei-me em direcção ao carro, para
ir fazer o que me tinha tirado de casa e o silêncio reinou, com um cão muito
bem-comportado, deixando de importunar a pessoa que estava a cuidar dele.
O recado estava dado.
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