quinta-feira, 10 de julho de 2025

A mãe do Carlos - 124


Naquele final de tarde o Carlos tinha chegado com vontade de falar. Ao fim de um bocado percebi que não era só vontade, era um pouco mais do que isso: necessidade de falar. Ele não é muito falador e quando fala, normalmente, é sobre o trabalho e pouco mais. Coisas que não me dizem muito, porque não sei, não conheço, pelo que fico só a ouvir, sem muito para falar.

As pessoas precisam de trocar energia e uma maneira de o fazerem é através do que expressam e comunicam pela linguagem. Há outras maneiras de trocar energia, mas esta é a mais básica, digamos. Todos nós precisamos de falar e ouvir os outros, também. Às vezes fala-se de assuntos mais sérios, outras vezes é só conversa, sem nada de especial. Mas tudo faz falta.

Uns são mais calados do que outros. Há pessoas que falam, falam, estão sempre a falar e às vezes até falam sozinhas. Outras, quase não falam e até têm dificuldade em exprimir-se. Mas o Carlos é das pessoas que realmente não falam muito. Ou guarda tudo para si ou realmente não lhe vem o assunto.

Já eu, preciso de falar e ouvir. O problema é que têm que ser assuntos que me digam alguma coisa, caso contrário não sei fazer conversa e prefiro ficar em silêncio. Mas naquele dia, em vez de ficar agarrado ao telemóvel, vendo as coisas dele, que não sei exactamente o que são, mas é muito conteúdo, porque fica tempo indeterminado agarrado ao telemóvel, sentou-se no sofá em frente ao meu e começou a relatar questões familiares que o marcaram, porque todos temos, com toda a certeza.

Começou a falar, esmiuçando o assunto, o que não é muito seu hábito, coisa que chamou e muito a minha atenção. As questões levantadas por ele prendiam-se com a família, mais exactamente com a mãe, falecida há muitos anos, de quem já tem falado assim muito por alto, sem aprofundar demasiado.

A sua relação com a mãe não foi o que se pode dizer uma relação amorosa. Havia muitos atritos e ele guarda muita mágoa da infância e depois pela vida fora. Ao contrário do pai, do qual fala muito e sempre muito bem, fazendo questão de dar exemplos da vida dele, que o salientam como uma pessoa extraordinária, um verdadeiro exemplo para todos.

E aquela conversa sobre a mãe, poderia ter passado despercebida, independentemente de ter prendido a minha atenção, porque ele precisava dessa atenção e eu jamais negaria tal coisa, tanto mais que percebi perfeitamente que naquele dia estava com uma necessidade especial de falar, mas poderia sim, ter passado despercebida, se nesse mesmo dia não tivesse acontecido algo inusitado, que me deixou com muitas perguntas na cabeça.

Pouco depois de me ter levantado da cama, senti no quarto uma energia que de imediato se materializou de cima a baixo e que muito estranhei. Nunca tinha visto uma materialização assim. Era um corpo de mulher nua, muito bem definido, extremamente bem feita, meio de costas, meio de lado, pelo que a parte da frente não se via. Da cabeça aos pés, viam-se as costas, as nádegas e a anca, tudo do lado esquerdo.

Quem seria, o que queria, o que faria ali? A resposta que não havia, porque caía num vazio completo. Não fazia a menor ideia de quem poderia ser. Até pensei que eram coisas da minha cabeça e que estava com “visões”. Ela estava junto à porta, como quem vai a sair do quarto. Contudo, apesar de parecer sem contexto, ficou registado no meu subconsciente.

Mais tarde, já não me lembro em que lugar da casa, voltei a ver o mesmo espectro, exactamente com a mesma forma, e foi então que registei imediatamente como segunda visão, porque já tinha visto anteriormente, embora continuando a não ter resposta. Ao todo foram três vezes que aquela visão me apareceu, pelo que concluí que não era nenhuma impressão minha, só que realmente não fazia ideia de quem era e o que queria, porque aquilo que via não me dizia absolutamente nada.

Já vi espíritos desencarnados que se me apresentaram completamente vestidos e apesar de nunca ter conhecido, a informação veio em simultâneo com a imagem apresentada. Não sei como, mas veio. Uma visão completamente nua nunca tinha visto. Devo dizer que era uma forma muito bonita. Parecia um desenho a carvão, muito bem feito. Não me transmitiu nenhum sentimento negativo, embora eu saiba que se isso acontece é porque há algo por detrás. Mas, com toda a verdade, não me vinha informação alguma.

E o Carlos lá, sentado, falando da mãe, enquanto eu o ouvia e uma ou outra pergunta lhe fazia. Ele falava da mãe e eu ia visualizando no meu íntimo e silenciosamente a personalidade dela, compondo com toda a informação que ele me fornecia, acrescentando pormenores aqui e ali.

Estava curiosa por ele estar com aquela conversa e ao mesmo tempo estava completamente tranquila, num fim de tarde de verão, em que o calor nos obrigava a relaxar um pouco, apreciando a conversa e bem mais do que isso, a companhia um do outro.

E como não era costume ele falar assim detalhadamente de coisas mais íntimas, perguntava a mim própria, porquê fazê-lo naquele dia!? Achei que era um pouco estranho. Porque o estaria a fazer? E a pergunta foi tão forte que, então, se fez luz e a mensagem veio, sem dúvida nenhuma, o que me deu uma certa tranquilidade, porque aquilo que antes não tinha resposta, agora fazia todo o sentido.

A visão que eu tinha tido três vezes naquele dia, era nem mais nem menos a presença da mãe lá por casa, antecipando a conversa do filho. Porque razão ela apareceu completamente nua? Primeiro, porque eu já tinha visto uma ou outra foto dela e achei que era uma senhora muito bonita e muito elegante. Segundo, porque a descrição que o Carlos fazia da mãe invocava predicados de personalidade muitíssimo profundos, de coisas que eram analisadas de modo muito negativo, “descascando”, por assim dizer, todo o espírito dela, ou seja, a sua alma, pelo que a nudez encaixava perfeitamente no conteúdo menos digno, digamos, sem pudor, pelos erros que lhe eram apontados, ao invés de ter sido uma mãe carinhosa como ele tanto desejaria.

 

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