Naquele final de
tarde o Carlos tinha chegado com vontade de falar. Ao fim de um bocado percebi
que não era só vontade, era um pouco mais do que isso: necessidade de falar.
Ele não é muito falador e quando fala, normalmente, é sobre o trabalho e pouco
mais. Coisas que não me dizem muito, porque não sei, não conheço, pelo que fico
só a ouvir, sem muito para falar.
As pessoas
precisam de trocar energia e uma maneira de o fazerem é através do que
expressam e comunicam pela linguagem. Há outras maneiras de trocar energia, mas
esta é a mais básica, digamos. Todos nós precisamos de falar e ouvir os outros,
também. Às vezes fala-se de assuntos mais sérios, outras vezes é só conversa,
sem nada de especial. Mas tudo faz falta.
Uns são mais
calados do que outros. Há pessoas que falam, falam, estão sempre a falar e às
vezes até falam sozinhas. Outras, quase não falam e até têm dificuldade em
exprimir-se. Mas o Carlos é das pessoas que realmente não falam muito. Ou
guarda tudo para si ou realmente não lhe vem o assunto.
Já eu, preciso
de falar e ouvir. O problema é que têm que ser assuntos que me digam alguma
coisa, caso contrário não sei fazer conversa e prefiro ficar em silêncio. Mas
naquele dia, em vez de ficar agarrado ao telemóvel, vendo as coisas dele, que
não sei exactamente o que são, mas é muito conteúdo, porque fica tempo
indeterminado agarrado ao telemóvel, sentou-se no sofá em frente ao meu e
começou a relatar questões familiares que o marcaram, porque todos temos, com
toda a certeza.
Começou a falar,
esmiuçando o assunto, o que não é muito seu hábito, coisa que chamou e muito a
minha atenção. As questões levantadas por ele prendiam-se com a família, mais
exactamente com a mãe, falecida há muitos anos, de quem já tem falado assim
muito por alto, sem aprofundar demasiado.
A sua relação
com a mãe não foi o que se pode dizer uma relação amorosa. Havia muitos atritos
e ele guarda muita mágoa da infância e depois pela vida fora. Ao contrário do
pai, do qual fala muito e sempre muito bem, fazendo questão de dar exemplos da
vida dele, que o salientam como uma pessoa extraordinária, um verdadeiro
exemplo para todos.
E aquela
conversa sobre a mãe, poderia ter passado despercebida, independentemente de
ter prendido a minha atenção, porque ele precisava dessa atenção e eu jamais
negaria tal coisa, tanto mais que percebi perfeitamente que naquele dia estava
com uma necessidade especial de falar, mas poderia sim, ter passado
despercebida, se nesse mesmo dia não tivesse acontecido algo inusitado, que me deixou
com muitas perguntas na cabeça.
Pouco depois de
me ter levantado da cama, senti no quarto uma energia que de imediato se
materializou de cima a baixo e que muito estranhei. Nunca tinha visto uma
materialização assim. Era um corpo de mulher nua, muito bem definido,
extremamente bem feita, meio de costas, meio de lado, pelo que a parte da
frente não se via. Da cabeça aos pés, viam-se as costas, as nádegas e a anca,
tudo do lado esquerdo.
Quem seria, o
que queria, o que faria ali? A resposta que não havia, porque caía num vazio
completo. Não fazia a menor ideia de quem poderia ser. Até pensei que eram
coisas da minha cabeça e que estava com “visões”. Ela estava junto à porta,
como quem vai a sair do quarto. Contudo, apesar de parecer sem contexto, ficou
registado no meu subconsciente.
Mais tarde, já
não me lembro em que lugar da casa, voltei a ver o mesmo espectro, exactamente
com a mesma forma, e foi então que registei imediatamente como segunda visão,
porque já tinha visto anteriormente, embora continuando a não ter resposta. Ao
todo foram três vezes que aquela visão me apareceu, pelo que concluí que não
era nenhuma impressão minha, só que realmente não fazia ideia de quem era e o
que queria, porque aquilo que via não me dizia absolutamente nada.
Já vi espíritos
desencarnados que se me apresentaram completamente vestidos e apesar de nunca
ter conhecido, a informação veio em simultâneo com a imagem apresentada. Não
sei como, mas veio. Uma visão completamente nua nunca tinha visto. Devo dizer
que era uma forma muito bonita. Parecia um desenho a carvão, muito bem feito.
Não me transmitiu nenhum sentimento negativo, embora eu saiba que se isso
acontece é porque há algo por detrás. Mas, com toda a verdade, não me vinha
informação alguma.
E o Carlos lá,
sentado, falando da mãe, enquanto eu o ouvia e uma ou outra pergunta lhe fazia.
Ele falava da mãe e eu ia visualizando no meu íntimo e silenciosamente a
personalidade dela, compondo com toda a informação que ele me fornecia,
acrescentando pormenores aqui e ali.
Estava curiosa
por ele estar com aquela conversa e ao mesmo tempo estava completamente
tranquila, num fim de tarde de verão, em que o calor nos obrigava a relaxar um pouco,
apreciando a conversa e bem mais do que isso, a companhia um do outro.
E como não era
costume ele falar assim detalhadamente de coisas mais íntimas, perguntava a mim
própria, porquê fazê-lo naquele dia!? Achei que era um pouco estranho. Porque o
estaria a fazer? E a pergunta foi tão forte que, então, se fez luz e a mensagem
veio, sem dúvida nenhuma, o que me deu uma certa tranquilidade, porque aquilo
que antes não tinha resposta, agora fazia todo o sentido.
A visão que eu
tinha tido três vezes naquele dia, era nem mais nem menos a presença da mãe lá
por casa, antecipando a conversa do filho. Porque razão ela apareceu
completamente nua? Primeiro, porque eu já tinha visto uma ou outra foto dela e
achei que era uma senhora muito bonita e muito elegante. Segundo, porque a
descrição que o Carlos fazia da mãe invocava predicados de personalidade
muitíssimo profundos, de coisas que eram analisadas de modo muito negativo,
“descascando”, por assim dizer, todo o espírito dela, ou seja, a sua alma, pelo
que a nudez encaixava perfeitamente no conteúdo menos digno, digamos, sem
pudor, pelos erros que lhe eram apontados, ao invés de ter sido uma mãe
carinhosa como ele tanto desejaria.
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