Meu filho amado
acabava de chegar a este mundo. O médico arrancou-o de mim para o entregar a
uma enfermeira que, após os devidos cuidados, o colocou no berço. Enquanto
isso, eu penava por conta da placenta, que não queria sair de jeito nenhum. E o
médio dizia: “não havia como perder esta criança”. É que a placenta se desfazia
nas mãos dele e foi preciso muita perícia da parte dele, para não deixar nada,
caso contrário, eu poderia ter uma infecção. Mas a experiência dele conseguiu
levar tudo a bom termo. Por isso, só agora eu olhava o meu bebé, pela primeira
vez, com olhos de ver.
Pensava em tudo
o que tinha feito para chegar àquele momento, que não era pouco. Tudo fora
planeado com todo o rigor. Desde muito nova que queria ser mãe. E aquele desejo
foi crescendo comigo, com uma força muito grande. Tudo fora planeado ao mais
pequeno detalhe. Não posso por isso dizer que “aconteceu”. Não, não foi nada
disso. Ser mãe, para mim, era determinante.
Posso dizê-lo de outra forma e talvez se compreenda melhor. Eu sempre
soube que um dia seria mãe. Eu sabia que isso estava no meu caminho. Mas também
sabia que isso aconteceria na altura certa. Podia até ter mais do que um filho,
mas um, pelo menos, eu sabia que ia ter.
Todos os rapazes
que conhecia não me diziam nada. No primeiro olhar, ficava logo a saber que não
era aquele. Às vezes chegava a duvidar da possibilidade de encontrar essa
pessoa, porque também não tinha como descrevê-la. Mas eu olhava e era como se
estivesse escrito no rosto, na testa, que não era aquele. Não foi fácil. Até
que fui para os Açores, ilha de S. Miguel e pouco tempo depois de lá estar,
conheci alguém, meu colega de trabalho, a quem, prestando um pouco de atenção,
ao contrário de todos os outros, olhando para ele, percebi que era o tal, o que
seria o pai do meu filho. Não me enganei.
Eu tinha essa
enorme vontade, esse desejo muito forte, de ver como seria um filho meu. Um
filho saído das minhas entranhas. Uma continuação de mim mesma, por assim
dizer. Mas para isso eu teria que encontrar a pessoa que o quisesse comigo. E
não seria uma pessoa qualquer, mas uma pessoa que fosse a pessoa certa, que eu
também não sabia como seria. Mas uma coisa era certa, quando ele cruzasse o meu
caminho eu identificá-lo-ia de imediato.
Foi então que
fiquei a saber que tinha chegado a hora. Incrível, as coisas que a gente sabe,
sem saber que sabe. A minha vida nunca mais seria a mesma, mas era o que eu tinha
decidido, ou melhor, o que me estava destinado.
Eu sabia exatamente
quando tinha sido concebido: o dia a hora, o local… tudo na perfeição. Quando
fui ao médico foi só para confirmar, porque assim que a menstruação faltou,
senti logo a transformação interior no meu corpo. Tudo em mim me dizia que
estava grávida. Depois, foi tudo devidamente acautelado. Para isso deixámos os
Açores, voltando para o Continente, a fim de poder ter uma gravidez devidamente
assistida e ter o meu filho com toda a segurança possível. E assim foi.
Curiosamente, eu
conectava-me com ele, com o seu espírito, e pedia-lhe para que viesse a este
mundo, de manhã, quando eu estava cheia de força e energia, mas não muito cedo,
para poder dormir o suficiente e ter um parto o mais natural possível.
Pedia-lhe que não viesse à noite para não estar cansada e alguma coisa dar
errado. O certo é que a nossa conexão foi tão perfeita, que ele nasceu às 09,50.
E não foi por um acaso. Foi assim, porque foi o nosso acordo. Tudo foi
calculado e programado com vista a ser muito bem sucedido.
E aí estava eu,
com aquela criaturinha desconhecida, acabado de nascer, de dois quilos,
novecentos e cinquenta, com cinquenta e três centímetros de comprimento,
pensando para comigo mesmo: finalmente chegou.
Foi então que
tive a noção de que a minha vida nunca mais seria a mesma. Isso era certo. Mas
eu tinha conseguido ter o meu amado filho, amado e desejado, sim. E aí estava
ele. Aquela criança passaria a ditar tudo, porque estaria sempre em primeiro
lugar. Daí para a frente eu nunca mais seria só eu. Estaríamos sempre, sempre,
juntos. A minha liberdade esvaía-se literalmente e totalmente, para ser
preenchida por outro ser, o meu pequenino. Isso assustava-me um pouco, porque
sempre prezei a minha liberdade, na qual só eu mandava e fazia apenas o que eu
queria, sem ninguém a dar-me ordens, o que nunca permiti nem tolerei.
Aí estava ele, a
comandar e a preencher a minha vida a cem por cento. Não deixava de ser um
pouco estranho, um pouco constrangedor. Nunca mais iria ter um tempo só para
mim. Tudo seria por conta dele. A minha cabeça debatia-se em silêncio com essa
nova situação, que me dava um certo medo. Estaria eu preparada para isso,
depois de tudo o que tinha planeado para chegar àquele momento? A dúvida
pairava duma maneira avassaladora, porque percebia que não havia volta a dar,
nem como recuar. E se eu não for capaz(!?) era o que martelava na minha cabeça.
Foi então que
aconteceu uma coisa inusitada e de tal modo extraordinária que não há palavras
que possam descrever fidedignamente tal coisa. Vou apenas fazer uma tentativa.
Aquele ser minúsculo, enfiado nas suas roupinhas de recém-nascido, ali na minha
cama, enquanto eu estava sentada a seu lado, não sei como, virou o rostinho na
minha direção, como que me olhando nos olhos, ainda meio fechados, deixando
passar esta mensagem:
“Mãe, eu preciso
de ti. Eu preciso de ti para crescer e para ser um homem. Preciso do teu apoio,
da tua ajuda em tudo, para chegar onde eu quero. Só posso contar contigo. Só te
tenho a ti. Tu vais-me ajudar?” Eu preciso de ti!”
Que loucura,
pensava eu? Primeiro achei que estava a
sonhar, a inventar, a fantasiar!?... Mas não, não era nada disso. A cabecinha
dele tinha-se virado de frente para mim, ao encontro do meu rosto, o que me
tinha deixado completamente sem chão. E logo, logo, aquela mensagem tocou no mais
fundo da minha alma, bem dentro do meu coração, fazendo com que eu não tivesse
a mais pequena possibilidade de duvidar que era a sua voz interior, do meu
amado filho… e sem pensar em mais nada e sem me fazer esperar, ali, na presença
dele e do Criador, como testemunha, imediatamente fui ao seu encontro:
“Sim, meu filho…
sim, sim, sim. Eu vou fazer tudo o que me for humanamente possível, o possível
e o impossível, para que nada te falta e dar-te-ei sempre o meu apoio e o meu
amor incondicional, pois estou aqui para ti e só para ti.”
E ele
continuava:
“A mãe vai fazer
isso, vai estar sempre do meu lado, sempre pronta para mim, para as minhas
necessidades? Posso mesmo contar com a mãe?”
E continuei,
completamente arrebatada por aquela via espiritual que nos ligava com uma força
indescritível:
“Sim. Sim, sem
sombra de dúvida. Eu vou conseguir tudo o que precisares e eu estarei sempre
contigo. Eu juro, eu prometo, acredita”. Enquanto precisares de mim eu cá
estarei para tudo, absolutamente tudo”.
E ele ainda
perguntava:
“E se um dia eu
me quiser ir embora, à minha vida, eu posso?”
E eu respondia:
“Sem dúvida. Tu
vais fazer tudo o que tu quiseres, tudo o que precisares e decidires. És livre
para isso. Estarei sempre contigo e sempre respeitarei as tuas decisões. Quando
fores grande, podes fazer o que quiseres, mas enquanto precisares de mim eu
estarei sempre, sempre aqui.”
E a sua
cabecinha minúscula retornava à posição inicial, como que confirmando que a mensagem
estava feita.
Em êxtase profundo e absolutamente assoberbada com uma coisa daquelas, tinha plena noção do que acabara de acontecer. O pacto estava feito.
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