terça-feira, 7 de outubro de 2025

O pacto - 125

 

Meu filho amado acabava de chegar a este mundo. O médico arrancou-o de mim para o entregar a uma enfermeira que, após os devidos cuidados, o colocou no berço. Enquanto isso, eu penava por conta da placenta, que não queria sair de jeito nenhum. E o médio dizia: “não havia como perder esta criança”. É que a placenta se desfazia nas mãos dele e foi preciso muita perícia da parte dele, para não deixar nada, caso contrário, eu poderia ter uma infecção. Mas a experiência dele conseguiu levar tudo a bom termo. Por isso, só agora eu olhava o meu bebé, pela primeira vez, com olhos de ver.

Pensava em tudo o que tinha feito para chegar àquele momento, que não era pouco. Tudo fora planeado com todo o rigor. Desde muito nova que queria ser mãe. E aquele desejo foi crescendo comigo, com uma força muito grande. Tudo fora planeado ao mais pequeno detalhe. Não posso por isso dizer que “aconteceu”. Não, não foi nada disso. Ser mãe, para mim, era determinante.  Posso dizê-lo de outra forma e talvez se compreenda melhor. Eu sempre soube que um dia seria mãe. Eu sabia que isso estava no meu caminho. Mas também sabia que isso aconteceria na altura certa. Podia até ter mais do que um filho, mas um, pelo menos, eu sabia que ia ter.

Todos os rapazes que conhecia não me diziam nada. No primeiro olhar, ficava logo a saber que não era aquele. Às vezes chegava a duvidar da possibilidade de encontrar essa pessoa, porque também não tinha como descrevê-la. Mas eu olhava e era como se estivesse escrito no rosto, na testa, que não era aquele. Não foi fácil. Até que fui para os Açores, ilha de S. Miguel e pouco tempo depois de lá estar, conheci alguém, meu colega de trabalho, a quem, prestando um pouco de atenção, ao contrário de todos os outros, olhando para ele, percebi que era o tal, o que seria o pai do meu filho. Não me enganei.

Eu tinha essa enorme vontade, esse desejo muito forte, de ver como seria um filho meu. Um filho saído das minhas entranhas. Uma continuação de mim mesma, por assim dizer. Mas para isso eu teria que encontrar a pessoa que o quisesse comigo. E não seria uma pessoa qualquer, mas uma pessoa que fosse a pessoa certa, que eu também não sabia como seria. Mas uma coisa era certa, quando ele cruzasse o meu caminho eu identificá-lo-ia de imediato.

Foi então que fiquei a saber que tinha chegado a hora. Incrível, as coisas que a gente sabe, sem saber que sabe. A minha vida nunca mais seria a mesma, mas era o que eu tinha decidido, ou melhor, o que me estava destinado.

Eu sabia exatamente quando tinha sido concebido: o dia a hora, o local… tudo na perfeição. Quando fui ao médico foi só para confirmar, porque assim que a menstruação faltou, senti logo a transformação interior no meu corpo. Tudo em mim me dizia que estava grávida. Depois, foi tudo devidamente acautelado. Para isso deixámos os Açores, voltando para o Continente, a fim de poder ter uma gravidez devidamente assistida e ter o meu filho com toda a segurança possível. E assim foi.

Curiosamente, eu conectava-me com ele, com o seu espírito, e pedia-lhe para que viesse a este mundo, de manhã, quando eu estava cheia de força e energia, mas não muito cedo, para poder dormir o suficiente e ter um parto o mais natural possível. Pedia-lhe que não viesse à noite para não estar cansada e alguma coisa dar errado. O certo é que a nossa conexão foi tão perfeita, que ele nasceu às 09,50. E não foi por um acaso. Foi assim, porque foi o nosso acordo. Tudo foi calculado e programado com vista a ser muito bem sucedido.

E aí estava eu, com aquela criaturinha desconhecida, acabado de nascer, de dois quilos, novecentos e cinquenta, com cinquenta e três centímetros de comprimento, pensando para comigo mesmo: finalmente chegou.

Foi então que tive a noção de que a minha vida nunca mais seria a mesma. Isso era certo. Mas eu tinha conseguido ter o meu amado filho, amado e desejado, sim. E aí estava ele. Aquela criança passaria a ditar tudo, porque estaria sempre em primeiro lugar. Daí para a frente eu nunca mais seria só eu. Estaríamos sempre, sempre, juntos. A minha liberdade esvaía-se literalmente e totalmente, para ser preenchida por outro ser, o meu pequenino. Isso assustava-me um pouco, porque sempre prezei a minha liberdade, na qual só eu mandava e fazia apenas o que eu queria, sem ninguém a dar-me ordens, o que nunca permiti nem tolerei.

Aí estava ele, a comandar e a preencher a minha vida a cem por cento. Não deixava de ser um pouco estranho, um pouco constrangedor. Nunca mais iria ter um tempo só para mim. Tudo seria por conta dele. A minha cabeça debatia-se em silêncio com essa nova situação, que me dava um certo medo. Estaria eu preparada para isso, depois de tudo o que tinha planeado para chegar àquele momento? A dúvida pairava duma maneira avassaladora, porque percebia que não havia volta a dar, nem como recuar. E se eu não for capaz(!?) era o que martelava na minha cabeça.

Foi então que aconteceu uma coisa inusitada e de tal modo extraordinária que não há palavras que possam descrever fidedignamente tal coisa. Vou apenas fazer uma tentativa. Aquele ser minúsculo, enfiado nas suas roupinhas de recém-nascido, ali na minha cama, enquanto eu estava sentada a seu lado, não sei como, virou o rostinho na minha direção, como que me olhando nos olhos, ainda meio fechados, deixando passar esta mensagem:

“Mãe, eu preciso de ti. Eu preciso de ti para crescer e para ser um homem. Preciso do teu apoio, da tua ajuda em tudo, para chegar onde eu quero. Só posso contar contigo. Só te tenho a ti. Tu vais-me ajudar?” Eu preciso de ti!”

Que loucura, pensava eu?  Primeiro achei que estava a sonhar, a inventar, a fantasiar!?... Mas não, não era nada disso. A cabecinha dele tinha-se virado de frente para mim, ao encontro do meu rosto, o que me tinha deixado completamente sem chão. E logo, logo, aquela mensagem tocou no mais fundo da minha alma, bem dentro do meu coração, fazendo com que eu não tivesse a mais pequena possibilidade de duvidar que era a sua voz interior, do meu amado filho… e sem pensar em mais nada e sem me fazer esperar, ali, na presença dele e do Criador, como testemunha, imediatamente fui ao seu encontro:

“Sim, meu filho… sim, sim, sim. Eu vou fazer tudo o que me for humanamente possível, o possível e o impossível, para que nada te falta e dar-te-ei sempre o meu apoio e o meu amor incondicional, pois estou aqui para ti e só para ti.”

E ele continuava:

“A mãe vai fazer isso, vai estar sempre do meu lado, sempre pronta para mim, para as minhas necessidades? Posso mesmo contar com a mãe?”

E continuei, completamente arrebatada por aquela via espiritual que nos ligava com uma força indescritível:

“Sim. Sim, sem sombra de dúvida. Eu vou conseguir tudo o que precisares e eu estarei sempre contigo. Eu juro, eu prometo, acredita”. Enquanto precisares de mim eu cá estarei para tudo, absolutamente tudo”.

E ele ainda perguntava:

“E se um dia eu me quiser ir embora, à minha vida, eu posso?”

E eu respondia:

“Sem dúvida. Tu vais fazer tudo o que tu quiseres, tudo o que precisares e decidires. És livre para isso. Estarei sempre contigo e sempre respeitarei as tuas decisões. Quando fores grande, podes fazer o que quiseres, mas enquanto precisares de mim eu estarei sempre, sempre aqui.”

E a sua cabecinha minúscula retornava à posição inicial, como que confirmando que a mensagem estava feita.

Em êxtase profundo e absolutamente assoberbada com uma coisa daquelas, tinha plena noção do que acabara de acontecer. O pacto estava feito.