sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Mistérios - 126

 

A vida tem tanta coisa para a qual não temos resposta! Nestes casos, o mais sensato é ter uma atitude positiva e encarar os factos tal como são, sem demandas, sem questões, para que tudo se torne o mais normal possível. Foi o que fiz a partir de um certo ponto da minha vida, que já vai longa e, assim, as estranhezas deixaram de ser estranhas para passarem a ser simplesmente o que são.

Passei a vida toda praticamente sozinha, posto que o meu primeiro casamento durou apenas doze anos. E aos trinta e seis anos, eu estava novamente sozinha, como estava antes de me casar. Só que agora tinha um filho.

Por isso, posso dizer com toda a verdade, que fiz a vida sozinha. Aos sessenta anos encontrei uma pessoa excepcional, com quem vivi apenas sete meses, pura e simplesmente porque, repentinamente, ele se foi, para não mais voltar. Se existe algo que não têm volta é a morte.

Passaram-se doze anos desde esse acontecimento trágico que, na altura me deixou de rastos, e eu já estava com a vida organizada, sozinha, mas com um projecto pela frente, para ter uma rotina normal, por assim dizer, com a minha cabeça equilibrada e emocionalmente estável, enraizada na realidade do dia a dia, em que ninguém sabe o que vem a seguir e o mais correto é focar-se no presente, aqui e agora, e quando eu pensava em mim, na minha vida, eu tinha a certeza absoluta de que daí para a frente seria sempre sozinha. Não me imaginava nem queria mais ninguém comigo. Não, não era aceitável, não fazia sentido, não havia porque pensar numa coisa dessas, era isso que eu sentia. Era assim que eu queria estar e ficar.

Tinha amigas da minha idade que ainda sonhavam em encontrar o tal do príncipe encantado, mas eu, como nunca tive essa fantasia, nem a queria para mim, não era agora que ia pensar numa coisa dessa natureza. Sempre fui muito terra-a-terra, nunca vi o casamento ou uma relação a dois, nessa perspectiva, por isso não era aos setenta anos que isso ia acontecer, de certeza absoluta. Isso era mais do que certo. Só que, a dada altura começaram a acontecer umas coisas bem estranhas.

Uma noite, depois de ter estado a arrumar umas roupas no meu quarto, sentei-me na cama a arranjar as almofadas para me deitar. E na altura em que me vou deitar na cama apercebo-me de que há uma energia masculina de pé, do lado direito, junto à mesa de cabeceira e bem em frente à janela. Era a figura de um homem alto, magro, despido, que desapareceu imediatamente, após confirmação da minha visualização. Achei estranho, mas eu vi e sei o que vi. Não inventei, não imaginei, não sonhei… enfim. As tais coisas estranhas que não têm explicação. Mistério!

O mais estranho nisto é que eu sabia que não era a visão de uma alma, ou seja, de alguém que já não estivesse entre nós. Era a energia muito precisa, por sinal, de alguém que, definitivamente, eu não conhecia, não fazia a menor ideia de quem era, mas que estava vivo, bem vivo. Estava ali, despido, indo-se deitar comigo, com todo o à vontade. Estranho!? A que propósito? Não tinha mesmo resposta para uma coisa daquelas. Por isso, decidi descartar e deitar-me para dormir, sem pensar mais no assunto.

De facto, não pensei mais naquilo. Eu não pensei mais naquilo, mas “aquilo” pensou em mim. Uns dois ou três dias depois, de manhã, depois de ter vindo da casa de banho, com o banho tomado e o corpo enxuto, vou para o quarto para me vestir e novamente aquela visão me surpreende. Lembrei-me imediatamente de a ter visto no outro dia à noite, mas agora era manhã e ali estava novamente a mesma figura enigmática, exactamente igual, despido, e agora passava aos pés da cama. Fiquei parada, a olhar e a pensar comigo mesma, mas quem é esta criatura, este homem que passeia pela minha casa, mais precisamente pelo meu quarto, sem roupa, o que me dizia que era alguém com quem eu teria intimidade, alguém que estava na minha vida, instalado no meu caminho e partilhando a vida comigo!? Era deveras curioso, estranho… todas as perguntas apareciam sem que houvesse a mais pequena possibilidade de lhes dar respostas. Mas, mais uma vez eu decidi descartar, porque não sabia o que fazer com aquela informação vinda do além, do campo holístico, que não pára de me surpreender.

Era a segunda vez que eu via aquela imagem. Era a segunda vez que aquela mensagem me era dirigida. E o que é que eu poderia fazer em relação àquilo? Nada. Estava bem definido na minha cabeça e não só, que eu não seria capaz de voltar a ter um relacionamento. Além disso, aquela visão, mostrava-me que era um relacionamento com bases muito sólidas, e não uma coisa passageira. Mas como? Donde viria aquela criatura e como iria parar à minha vida? Era mesmo estranho! A meu ver, não tinha a mais pequena possibilidade de isso acontecer. Até porque, para que tal acontecesse, era preciso que eu quisesse e eu não queria, de jeito nenhum. Enfim, não ia matar a minha cabeça com um mistério daqueles. Talvez fossem mesmo maluquices minhas e eu não estivesse a ver a coisa como devia.

Passaram-se mais uns dias. Não pensei no assunto. Fiz questão de pôr de parte e seguir o meu caminho. Talvez uma semana mais tarde, novamente à noite, na hora de me deitar, fui atraída pela figura que passava da casa de banho para o quarto, indo na minha frente. E foi então que tive a certeza absoluta de que, num espaço de tempo relativamente curto, a minha vida mudaria por completo. Num futuro muito próximo, eu iria conhecer o meu companheiro, o meu futuro marido. E senti-me obrigada a aceitar aquela notícia, porque ela fazia parte do meu destino, do percurso da minha vida. Não havia escolha. Eu estava simplesmente a ser notificada da reviravolta que a minha vida levaria.

Sentei-me na cama olhando para o lugar onde o tinha acabado de ver, a tentar assimilar e digerir aquilo. Como era possível? Eu sabia que não ia aparecer mais, porque estava tudo dito e não havia mais nada a revelar. Antes, eu compreendia o que tinha visto, mas parecia que não queria aceitar. Agora, porém, eu tinha acabado de perceber que era algo que estava acima do meu querer. Era algo que estava registado no Akasha e não tinha como ser eliminado ou ignorado. O universo fizera chegar até mim uma espécie de ordem comandada pelo cosmos. E ponto final.

A partir daí, sim, eu pensava naquilo, como aconteceria, que voltas eu daria para ir naquele sentido. Ou que voltas a vida daria para pôr aquela pessoa no meu caminho. Todavia, não valia a pena ficar mergulhada naquele assunto, porque não era nada que estivesse ao meu alcance. Era coisa do destino. Eu saberia quando chegasse o momento. A própria vida se encarregaria de fazer acontecer as coisas.

Os dias passaram, as semanas foram correndo, uma após outra e um mês e outro e um dia… sem mais nem menos… as coisas aconteceram e no dia vinte e cinco de Outubro de dois mil e vinte e quatro eu estava de aliança no dedo. Nunca pensei, sinceramente. O homem que mudou radicalmente a minha maneira de pensar em relação à vida. De repente, aquela “visão” de uma energia que aparecia no meu quarto, deixou de ser apenas uma energia, para ser um ser completo, de corpo e alma. Aos setenta e dois anos, perfeitamente consciente do que tinha feito, do passo que tinha dado, eu estava novamente casada, pela segunda vez. Mistérios!...



terça-feira, 7 de outubro de 2025

O pacto - 125

 

Meu filho amado acabava de chegar a este mundo. O médico arrancou-o de mim para o entregar a uma enfermeira que, após os devidos cuidados, o colocou no berço. Enquanto isso, eu penava por conta da placenta, que não queria sair de jeito nenhum. E o médio dizia: “não havia como perder esta criança”. É que a placenta se desfazia nas mãos dele e foi preciso muita perícia para não deixar nada, caso contrário, eu poderia ter uma infecção. Mas a experiência dele conseguiu levar tudo a bom termo. Por isso, só agora eu olhava o meu bebé, pela primeira vez, com olhos de ver.

Pensava em tudo o que tinha feito para chegar àquele momento, que não tinha sido pouco. Tudo fora planeado com todo o rigor. Desde muito nova que queria ser mãe. E esse desejo foi crescendo comigo, com uma força muito grande. Tudo fora planeado ao mais pequeno detalhe. Não posso por isso dizer que “aconteceu”. Não, não foi nada disso. Ser mãe, para mim, era determinante. Posso dizê-lo de outra forma e talvez se compreenda melhor: eu sempre soube que um dia seria mãe. Eu sabia que isso estava no meu caminho. Mas também sabia que só aconteceria na altura certa. Podia até ter mais do que um filho, mas um, pelo menos, eu sabia que ia ter.

Todos os rapazes que conhecia não me diziam nada. No primeiro olhar, ficava logo a saber que não era aquele. Às vezes chegava a duvidar da possibilidade de encontrar essa pessoa, porque também não tinha como descrevê-la. Mas eu olhava e era como se estivesse escrito no rosto, na testa, que não era aquele. Não foi fácil. Até que fui para os Açores, ilha de S. Miguel e pouco tempo depois de lá estar, conheci alguém, meu colega de trabalho, a quem, prestando um pouco de atenção, ao contrário de todos os outros, olhando para ele, percebi que era o tal, o pai do meu filho. Não me enganei.

Eu tinha essa enorme vontade, esse desejo muito forte, de ver como seria um filho meu. Um filho saído das minhas entranhas. Uma continuação de mim mesma, por assim dizer. Mas para isso eu teria que encontrar a tal pessoa, que eu também não sabia como seria. Mas uma coisa era certa, quando ele cruzasse o meu caminho eu identificá-lo-ia de imediato.

Foi então que fiquei a saber que tinha chegado a hora. Incrível! As coisas que a gente sabe, sem saber que sabe. A minha vida nunca mais seria a mesma, mas era o que eu tinha decidido, ou melhor, o que me estava destinado.

Eu sabia exatamente quando tinha sido concebido: o dia a hora, o local… tudo na perfeição. Quando fui ao médico foi só para confirmar, porque assim que a menstruação faltou, senti logo a transformação interior no meu corpo. Tudo em mim me dizia que estava grávida. Depois, foi tudo devidamente acautelado. Para isso deixámos os Açores, voltando para o Continente, a fim de poder ter uma gravidez devidamente assistida e ter o meu filho com toda a segurança possível. E assim foi.

Curiosamente, eu conectava-me com ele, com o seu espírito, e pedia-lhe para que viesse a este mundo, de manhã, quando eu estava cheia de força e energia, mas não muito cedo, para poder dormir o suficiente e ter um parto o mais natural possível. Pedia-lhe que não viesse à noite para não estar cansada e alguma coisa dar errado. O certo é que a nossa conexão foi tão perfeita, que ele nasceu às 09,50. E não foi por um acaso. Foi assim, porque foi o nosso acordo. Tudo foi calculado e programado com vista a ser muito bem sucedido.

E aí estava eu, com aquela criaturinha desconhecida, acabado de nascer, de dois quilos, novecentos e cinquenta, com cinquenta e três centímetros de comprimento, pensando para comigo mesmo: finalmente chegou.

Foi então que tive a noção de que a minha vida nunca mais seria a mesma. Isso era certo. Mas eu tinha conseguido ter o meu amado filho. Amado e desejado, sim. E aí estava ele. Aquela criança passaria a ditar tudo, porque estaria sempre em primeiro lugar. Daí para a frente eu nunca mais seria só eu. Estaríamos sempre, sempre, juntos. A minha liberdade esvaía-se literalmente e totalmente, para ser preenchida por outro ser, o meu pequenino. Isso assustava-me um pouco, porque sempre prezei a minha liberdade, na qual só eu mandava e fazia apenas o que eu queria, sem ninguém a dar-me ordens, o que nunca permiti nem tolerei.

Aí estava ele, a comandar e a preencher a minha vida a cem por cento. Não deixava de ser um pouco estranho, um pouco constrangedor. Nunca mais iria ter um tempo só para mim. Tudo seria por conta dele. A minha cabeça debatia-se em silêncio com essa nova situação, que me dava um certo medo. Estaria eu preparada para isso, depois de tudo o que tinha planeado para chegar àquele momento? A dúvida pairava duma maneira avassaladora, porque percebia que não havia volta a dar, nem como recuar. E se eu não for capaz(!?) era o que martelava na minha cabeça.

Foi então que aconteceu uma coisa inusitada e de tal modo extraordinária, que não há palavras que possam descrever fidedignamente tal coisa. Vou apenas fazer uma tentativa. Aquele ser minúsculo, enfiado nas suas roupinhas de recém-nascido, ali na minha cama, enquanto eu estava sentada a seu lado, não sei como, virou o rostinho na minha direção, como que me olhando nos olhos, ainda meio fechados, deixando passar esta mensagem:

“Mãe, eu preciso de ti. Eu preciso de ti para crescer e para ser um homem. Preciso do teu apoio, da tua ajuda em tudo, para chegar onde quero. Só posso contar contigo. Só te tenho a ti. Tu vais-me ajudar?” Eu preciso de ti!”

Que loucura, pensava eu?  Primeiro achei que estava a sonhar, a inventar ou a fantasiar!?... Mas não, não era nada disso. A cabecinha dele tinha-se virado de frente para mim, ao encontro do meu rosto, o que me tinha deixado completamente sem chão. E logo, logo, aquela mensagem tocou no mais fundo da minha alma, bem dentro do meu coração, fazendo com que eu não tivesse a mais pequena possibilidade de duvidar que era a sua voz interior, do meu amado filho… e sem pensar em mais nada e sem me fazer esperar, ali, na presença dele e do Criador, como testemunha, imediatamente fui ao seu encontro:

“Sim, meu filho… sim, sim, sim. Eu vou fazer tudo o que me for humanamente possível, o possível e o impossível, para que nada te falta e dar-te-ei sempre o meu apoio e o meu amor incondicional, pois estou aqui para ti e só para ti.”

E ele continuava:

“A mãe vai fazer isso, vai estar sempre do meu lado, sempre pronta para mim, para as minhas necessidades? Posso mesmo contar com a mãe?”

E continuei, completamente arrebatada por aquela via espiritual que nos ligava com uma força indescritível:

“Sim. Sim, sem sombra de dúvida. Eu vou conseguir tudo o que precisares e eu estarei sempre contigo. Eu juro, eu prometo, acredita”. Enquanto precisares de mim eu cá estarei para tudo, absolutamente tudo”.

E ele ainda perguntava:

“E se um dia eu me quiser ir embora, à minha vida, eu posso?”

E eu respondia:

“Sem dúvida. Tu vais fazer tudo o que tu quiseres, tudo o que precisares e decidires. És livre para isso. Estarei sempre contigo e sempre respeitarei as tuas decisões. Quando fores grande, podes fazer o que quiseres, mas enquanto precisares de mim eu estarei sempre, sempre, aqui.”

E a sua cabecinha minúscula retornava à posição inicial, como que confirmando que a mensagem estava feita.

Em êxtase profundo e absolutamente assoberbada com uma coisa daquelas, tinha plena noção do que acabara de acontecer. A nossa ligação vinha de uma dimensão muito para além deste nosso mundo, onde tudo é possível e o pacto estava feito.