Ofélia!...
Ofélia… tão doce, tão suave… uma querida. A Universidade Sénior é um mundo e
uma segunda família para cada um de nós, porque depois da reforma, é o lugar
onde voltamos a conhecer pessoas, fazer novas amizades e outro ritmo,
absolutamente necessário nas nossas vidas, para além de ficar sentado no sofá a
ver televisão.
Na Universidade
Sénior descobrimos muitas facetas que até então desconhecíamos, porque até aí a
vida era só trabalho e casa. Somente e apenas isso. O tempo não chegava para
mais e o cansaço também não ajudava.
Com a
Universidade Sénior um novo caminho se abre, para quem está disposto a
continuar com uma certa qualidade de vida. E a descoberta de coisas que não
sabíamos que tínhamos, é fascinante! Podemos descobrir o caminho das artes:
desenho, pintura, artes manuais (as mais diversas), a escrita, enfim. Com toda
a certeza tudo isso sempre esteve dentro de nós. Pois é, mas tempo para acender
essa chama e a poder aplicar concretamente? Esse é o problema.
E as amizades, o
convívio que tanta falta faz, em qualquer idade!? As afinidades que descobrimos
ao enfrentarmo-nos com os outros? Os novos laços que se formam, são mais
caminhos para descobrir, aproveitar e tirar o melhor partido disso tudo.
Ofélia, como
tantas outras pessoas era uma querida, muito simpática e muito comunicativa.
Uma mulher linda e ainda nova, apesar dos seus sessenta e tal anos. Branca,
loura, de olhos azuis, com umas feições muito perfeitas e um sorriso delicioso.
Ofélia era casada, tinha filhos e netos, como a maioria de nós, porque nem
todos se casam, nem todos têm filhos, nem todos têm netos. Alguns nem família
têm.
Aparentemente,
era uma mulher feliz e realizada. Mas tudo isso já era, porque à data, tinha
problemas no casamento. Mas quem os não tem? O marido tinha mudado de repente,
nos últimos tempos, e segundo ela, só piorava de dia para dia, o que tornava
difícil o convívio e a comunicação de ambos.
Nas minhas aulas
de meditação eu dava oportunidade às pessoas de exporem os seus problemas
pessoais, a fim de serem avaliados e confrontados por todos e, muitas vezes,
ouvimos Ofélia falar do que a atormentava. Era uma maneira de desabafarem, sem
julgamentos, podendo até ter ajuda psicológica uns dos outros. Todos sabemos
que, só o facto de se poder falar abertamente sobre os assuntos que nos
incomodam, pode ajudar no campo emocional. Receber a compreensão e o apoio dos
outros é, no mínimo, consolador.
Mas, então, veio
o Covid e tudo se acabou. As aulas da Universidade Sénior, como em todo o lado,
deixaram de ser presenciais para serem online e nem todas. Foi o isolamento e o
silêncio total. As pessoas foram obrigadas ao recolher obrigatório e esperar,
esperar que a crise passasse. Para falarmos uns com os outros só mesmo por
telefone. O desejo e a saudade de tudo e de todos, foi a única coisa que
sobrou, durante um longo período de tempo. Mas como tudo passa… um dia, as
coisas, lentamente, começaram a voltar ao normal. E assim, a universidade
começou também as suas aulas presenciais. Só que a frequência baixou
consideravelmente. Muita gente ainda tinha medo. Outros, acomodaram-se. Mas a
universidade retomou a sua actividade dentro do possível e como pôde. Com
poucos, é verdade, mas foi o que foi. E no ano seguinte percebemos o aumento, e
a pouco e pouco as pessoas foram perdendo o medo e percebendo que a vida era
para continuar e não podíamos de maneira nenhuma parar. Parar é morrer.
Mas nunca mais
foi o mesmo, isso não. Por essa razão, dávamos por falta de pessoas. Pessoas a
que éramos mais agarrados, com quem tínhamos mais afinidade, com que nos
relacionávamos melhor, etc. De alguns conseguíamos ter notícias através de
outros, mas de muitos, nem isso. Parecia que tinham desaparecido completamente
do mapa.
Ofélia, por
exemplo, foi uma dessas pessoas que desapareceu completamente. Nem adiantava
perguntar, porque ninguém sabia do seu paradeiro. Às vezes eu pensava numa ou
outra pessoa e mais tarde essa mesma pessoa acabava por aparecer. Outras não
apareciam, mas sabíamos através de outras, onde estavam, o que faziam. Muitas
vezes os números de telefone “desaparecem” ou as pessoas não atendem.
Mas Ofélia, e
praticamente todas as pessoas com quem ela mais se dava, também não voltaram
depois da pandemia. Quando as pessoas desaparecem de circulação eu costumo
apagar os números, porque é uma lista interminável e se não são usados, não
fazem falta. É assim.
Ofélia, porém,
eu gostaria muito de saber dela, de ter notícias, perceber o que se estaria a
passar. Paciência. Talvez um dia ela ainda voltasse. Ou talvez não. Ela nem
sequer morava para as minhas bandas. Era uma zona completamente oposta à minha.
Por isso, encontrá-la, era muito pouco provável. Mas a cada dia que passava eu
ficava mais fixada na ideia de chegar e ela de alguma maneira. Porém, o tempo é
curto para tanta coisa que há a fazer e as coisas sucedem-se uma após outra e a
pergunta vai ficando sem resposta, embora sem se apagar da nossa cabeça.
O dia a dia é
uma solicitação constante de afazeres inadiáveis que vão tirando a oportunidade
a outras coisas aparentemente secundárias. Foi o caso. Todos os dias eu pensava
na minha amiguinha, mas acabava sempre ficando por aí. Eu só queria vê-la.
Saber se estava bem. Como estava a vida dela, com todos os problemas que tinha
com o casamento e a família.
Mas pronto. Já me
estava a conformar em não conseguir uma aproximação com ela. A vida é como é e
o almoço e o jantar estão primeiro, portanto, nada a fazer. Ou continuar à
espera de uma oportunidade, quem sabe?! Mesmo tendo que aceitar isso,
continuava a pensar nela, o que também já me parecia uma obsessão, sem razão
para isso. Porque haveria de estar sempre a pensar nela?
Era hora de almoçar e não tinha preparado comida, por isso decidi ir ao take away, ali mesmo, do outro lado da rua, depois de sair a Praceta. Entrei, escolhi a ementa e fiquei à espera de ser atendida. Olho para a minha esquerda, na direcção da caixa de pagamento, para ver se havia muita gente… impressionante!
No lugar mais
inusitado possível, completamente fora da sua zona! Já eu, vou ali de vez em
quando e aquela era mesmo uma dessas vezes, de vez em quando. Sem mais nem
menos, onde jamais pensaria, mas como que respondendo ao meu chamado, isso sim,
espantosamente e sem qualquer outra
explicação, lá estava ela, igual a si mesma, igual ao de sempre… tão doce, tão
suave… Ofélia!
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