sábado, 3 de fevereiro de 2024

Vazio - 116

 

O vazio é uma sensação estranha e perturbadora, por vezes. O próprio nome já por si diz tudo. Nada. Nada mesmo. E será apenas uma sensação ou uma condição? Mas o vazio acontece, assim como o contrário, a plenitude ou a realização.

Era o mês de Julho e eu estava na Grécia, numas férias de verão, com um calor arrasador. Hermíoni é linda e atrai muitos turistas de variadíssimas nacionalidades. O Riaz, com quem tive uma relação durante sete anos, foi para lá trabalhar. Estávamos sempre em contacto, mas as saudades eram muitas e, aproveitando o facto, fui ter com ele.

Não tinha a menor ideia do que me esperava, mas adorei e como! A Grécia tem a água de mar quente, maravilhosa para ir ao banho. A Grécia tem o céu azul com um sol maravilhoso e uma terra óptima, que dá frutos e legumes soberbos. A minha estadia foi muito para além do que eu poderia imaginar. Pela primeira vez na vida tive uma praia à beira de casa, com que sempre tinha sonhado. Era só abrir a porta, atravessar o jardim, sentindo no ar o perfume das flores e em especial das imensas roseiras de várias cores e tonalidades, passar para o outro lado da estrada e entrar naquela água deliciosa. Foram umas férias abençoadas. Mas, é claro que, o facto do Riaz ser Paquistanês e, portanto, muçulmano, deu uma nota diferente a todo o contexto da situação.

Se eu fosse uma turista qualquer, sem esta ligação “especial”, teria passado completamente despercebida, como todos os outros. O facto de ser a mulher europeia e portuguesa, de um indivíduo muçulmano, de nacionalidade paquistanesa, deixou as pessoas deveras intrigadas. O que não é muito de estranhar, porque até as minhas colegas da televisão achavam estranho e curioso. Isto foi há mais de trinta anos. Se fosse agora, ainda assim seria intrigante, quanto mais naquela altura! Era uma grande admiração por causa das coisas que tínhamos que mudar em nós, para que a nossa relação pudesse funcionar. Contrariamente ao que os outros pensavam, não tínhamos certas atitudes por obrigação, muito pelo contrário, o que mudávamos em nós era porque queríamos, era pela nossa vontade e jamais obrigados a isso. Compreendo que não era fácil os outros entenderem, porque para nós também nem sempre era fácil. O relacionamento entre duas pessoas é sempre complicado. Uns mais, outros menos, mas nunca é fácil. Nestes casos é muito mais difícil. Por isso eu entendia a estranheza dos outros. Mas é uma escolha.

Um dia aconteceu uma coisa inusitada, que até hoje não esqueci. Acordei, numa manhã de sol, tão linda como as outras. Estava na cama, num quarto que não era muito grande. Na parede em frente, tinha um guarda roupa e de ambos os lados havia as mesas de cabeceira com candeeiros pequenos. Do lado do Riaz havia uma cómoda e do meu lado não havia nada, além da mesinha de cabeceira. Abri os olhos, tive consciência de ter acordado e estava virada para a parede branca. Imediatamente ao abrir dos olhos tive a sensação de que estava sozinha. Claro que o Riaz dormia comigo, mas naquele dia acordei e soube de imediato que ele não estava. Não é que isso representasse algum problema, mas se eu estava virada para a parede, portanto, de costas para ele, como poderia saber que ele não estava na cama? Essa é que foi a grande questão.

Porque razão me teria ocorrido tal coisa? Acordar, simplesmente, pensar que estava na Grécia, que iria fazer isto ou aquilo, e quando me virasse, logo perceberia, que ele já se tinha levantado, isso é que era o normal. Abrir os olhos e na primeira sensação do acordar, sentir o vazio da falta dele, não fazia muito sentido, dado que eu até estava virada para o outro lado. Ele até poderia estar quieto, a dormir tranquilamente. Mas não, não foi nada disso. Acordei e, em menos de um piscar de olhos, antes mesmo de ter consciência fosse do que fosse, soube que ele não estava lá. Em vez dele, havia um completo vazio que me deixou muito intrigada, pela sensação desse reconhecimento, sem base alguma. Apenas o meu “sexto” sentido, ou será que há aí alguma coisa mais? O quê, então? E porquê?

As perguntas que não têm resposta e vice-versa, porque há respostas para as quais não há perguntas. E tudo começa por aí. Primeiro a pergunta, depois a resposta. Neste caso, rapidamente, pensei que podia estar enganada e isso tranquilizava-me. O Riaz podia perfeitamente estar lá, como nos outros dias. Porque não estaria? Apenas porque eu tive a sensação de que ele não estava? O problema é que não foi a sensação de que… mas sim a consciência e, portanto, a certeza, a certeza de que ele não estava. E tudo por causa do vazio que senti. Uma sensação desconfortável, como se me faltasse alguma coisa, não sabendo bem o quê, porque eu estava inteira.

No meio desta aflição, tentei resolver o problema, revertendo o pensamento, determinando de imediato que estava simplesmente enganada e que tudo aquilo não tinha razão de ser. Claro que ele estava. Era eu que, para começar o dia, tinha tido um devaneio. Portanto, nada daquilo era válido. Tonteiras da minha cabeça, a que eu já devia estar habituada. Contudo, sempre me surpreendia.

Fingindo-me tão calma quanto tranquila, porque estava de férias na Grécia e não havia razão para não estar, porque estava tudo mais que bem, tudo era lindo, maravilhoso… virei-me para encontrar o Riaz, acordado ou a dormir e acabar logo com aquela charada filosófica ou existencial.

Vazio. O mais completo vazio.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário