segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O oftalmologista - 68



Alguém me disse, depois de ter lido algumas das minhas histórias, que dou sentido à minha vida. Por acaso eu acho que é mais a vida que me dá o sentido, a orientação, sei lá… porque as coisas acontecem simplesmente, encaixando-se por si mesmas.

 

Eu tenho uma meia-irmã, filha do segundo casamento do meu falecido pai, com quem deixei de me comunicar, por conta das maluquices do meu cunhado, marido dela, que a obrigou a cortar relações com as irmãs. Foi terrível para para ambas, mas para não complicar ainda mais a vida dela, que ficou encurralada numa situação extremamente delicada, não tivemos outro remédio senão distanciarmo-nos. As escolhas são feitas e a responsabilidade cabe a quem as faz.

 

O tempo foi passando e as feridas sarando sem nunca serem definitivamente curadas, mas o facto é que a vida continua. Passaram-se anos e a páginas tantas comecei a sentir uma grande saudade dela e das crianças que, entretanto, já estariam bem crescidas. Como estariam, como seria a vida deles? Lembro-me de que uma das minhas grandes preocupações era que ele não queria que as crianças fossem à escola (?) porque - dizia ele - os pretos batiam-lhes(?). E coisas destas eram difíceis de digerir, além de que um grande problema para a minha irmã.

 

Bem, então, um dia comecei a pensar neles com saudade e as preocupações começaram a voltar. O que fazer? Como saber deles se já todos tinham falecido? O pai a mãe, os tios… restavam os primos dela, mas como encontrá-los? Por esta altura já eram homens… sabia-se lá por onde andavam?

 

Até que um dia, estando eu em casa de uma vizinha e amiga, onde vou com frequência passar um bocadinho de tempo, por acaso comentei que precisava de consultar um oftalmologista e logo ela me falou do dela, recomendando-o vivamente. É muito bom, muito bom mesmo. Nós todos gostamos muito dele, o Miguelito. Perguntei o nome: MR. Ao ouvi-la pronunciar o nome fui apanhada de surpresa e achei curioso, dizendo-lhe que sabia muito bem quem era, um primo/irmão da minha meia irmã.

 

Lembrava-me dele ainda garoto, brincando com o irmão e a minha irmã. Ela também achou engraçada a coincidência de ele ser primo da minha irmã, sobrinho do meu pai por parte da minha madrasta e voltou a frisar que ele era um bom especialista. Poderia lá ir mas, de repente, lembrei-me de como toda aquela gente era materialista, vivendo só em função do dinheiro. Ele mesmo, ainda garoto, com frequência salientava o facto de querer ser médico e fazer uma especialidade que desse bastante dinheiro e como o pai e a tia tinham ambos casas de óculos (oculistas), a oftalmologia vinha a calhar. E apesar da minha vizinha, que é psicóloga clínica, ter dado uma referência tão boa a seu respeito, ainda assim não me convencia. Por outro lado, talvez fosse o caminho para saber alguma coisa da minha meia irmã. Para ser bem franca, já me tinha passado pela cabeça tentar localizá-lo, porque era o único recurso viável. Eu sabia que ele era médico oftalmologista e isso seria uma pista. Com toda a certeza ele teria notícias dela. Mas essa possibilidade eu mesma me tinha encarregado de descartar. Aquela gente nunca tinha atraído a minha simpatia. E agora, sem mais nem menos, aí estava ela a dizer-me aquilo, com a agravante de que tinha aí um bom pretexto, porque iria à consulta e ficava a saber dela. O que fazer?

 

Fiquei com aquilo no pensamento mas deixei o tempo afastar aquela hipótese, porque era um caminho que, decididamente, não me apetecia percorrer. Havia de haver outra hipótese de me aproximar dela. Entretanto, era certo que precisava de ir a um oftalmologista, mas mais uma vez o tempo foi passando, até que um dia, o meu olho esquerdo não estava nada bem, via passar umas coisas esquisitas e aquilo estava a perturbar-me muito.

 

Voltando a pensar no assunto, mais uma vez veio a hipótese de ir ao Miguel e mais uma vez senti que não queria lá ir e ponto final. E como sou uma pessoa prática, decidi de uma vez por todas ir ao oftalmologista, independentemente de querer ou não conciliar as duas coisas. Paciência, o problema da minha irmã continuaria por resolver e portanto, peguei no telefone para ligar para a Cuf Infante Santo. Eles tinham muito bons especialistas, haveria de ser encaminhada para o médico que fosse, não importava qual, mas acreditava que ia ser a solução certa.

Fiz a chamada, o telefone começou a tocar e veio do outro lado uma voz feminina. Disse que precisava de uma consulta de oftalmologia, ela perguntou para quando queria e respondi que o mais depressa possível, pois era de carácter urgente. Para hoje, deseja? - Perguntou ela. Fiquei espantada com a brevidade e não podia deixar de aproveitar aquela óptima oportunidade. Estava tudo no caminho certo e eu não tinha precisado de ir ao Miguel. A empregada disse que a consulta seria às dezassete e trinta e como já passava das quatro da tarde, era só o tempo de me pôr a andar, pois teria que atravessar toda a cidade para lá chegar. Perguntei ainda qual era o médico, para me orientar e ela respondeu: consulta hoje às dezassete horas e trinta com o doutor MR. Hã?!...

 

Estava feito. Não havia como fugir.



2 comentários:

  1. e entao soubeste da tua irmã?

    ResponderEliminar
  2. Sim e não gostei do que soube, mas não fiquei nada surpreendida. É a vida.

    ResponderEliminar