quinta-feira, 16 de julho de 2009

O acidente de moto - 4


Num fim de tarde de Verão, passeava eu na baixa, descendo a rua do Ouro pelo lado esquerdo, olhando as montras, solta e descontraída, vendo tudo e não vendo nada em especial. As ruas estavam completamente cheias naquela altura e muito especialmente àquela hora em que as pessoas saíam dos empregos. Ainda não havia os Centros Comerciais onde hoje em dia todo o mundo aflui, seja para fazer compras, seja por outras razões. E tudo o que aí se faz hoje, fazia-se naquela altura na baixa Lisboeta. Àquela hora a vida acontecia ali. E lá estava eu, depois de sair do Ministério onde trabalhava então. 

Em estilo de passeio eu tinha o costume de andar na berma do lancil. Naquela tarde dei-me conta do ruído de fundo, da poluição sonora, dos carros e autocarros, eléctricos, etc… que faziam um barulho ensurdecedor e cansativo, pensando quão melhor seria se não houvesse aquele ruído desagradável, que não tinha nada que ver com a paisagem de fundo com o rio tão azul, tão relaxante.

De repente, lembrei-me de que a minha mãe costumava dizer-nos que não devíamos andar do lado de fora dos passeios por causa do trânsito. Devíamos andar mais por dentro, não fosse algum carro perder a direcção, entrar pelo passeio e apanhar-nos. Vieram-me também à memória as palavras de uma freira que tinha sido minha catequista e que nos chamava a atenção para sermos humildes, discretos e não dar nas vistas(!). Devíamos ter uma atitude de “recolhimento” e andar junto às paredes, do lado de dentro dos passeios. O contrário era atrair as atenções, era vaidade e a vaidade era "pecado"(!).

Não que eu concordasse com isso, mas tendo juntado essas duas advertências que subitamente tinham regressado à minha memória, sem saber porquê - porque todos os dias eu fazia o percurso idêntico e nunca tinha pensado naquilo -, senti um arrepio e tive um impulso de me desviar. Ao mesmo tempo que o fiz, em fracções de segundo, um flash de arrepiar passou na minha mente. Um barulho estrondoso, assustador, que se foi aproximando com uma rapidez colossal. De seguida, aquele barulho horrível transformava-se num pesadelo: dois indivíduos numa moto que perdeu a direcção, embateu no lancil, saltou a calçada e estatelou-se em grande estilo, exactamente no sítio onde eu estava, tendo sido apanhada por eles. Via três pessoas no chão, ensanguentadas, sendo que uma delas era eu e as pessoas a gritar e uma confusão danada.

Abanei a cabeça com força e disse "não" àquela imagem. Não, não e rapidamente desviei-me ainda mais para dentro. Nesse preciso momento começo a ouvir o mesmo ruído da aceleração duma moto, igualzinho ao que eu tinha ouvido no flash, mas agora era real. E num instante, dois indivíduos jovens estavam ali estatelados à minha frente, exactamente como eu tinha visto em pensamento. A cena repetiu-se, com uma diferença fundamental: eu não estava lá. E começou a confusão das pessoas a gritar e eu parada, encostada à parede, a pensar, meu Deus, que horror, eu era para estar ali!? Chamaram o 115 e eu fui-me embora, tremendo por todos os lados. Não queria ver nem assistir a mais nada.

Foi por pouco. Muito pouco mesmo. Porquê?

Talvez tudo não tenha passado de uma simples coincidência(?!)… Afinal, acidentes de moto acontecem todos os dias!...


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