segunda-feira, 20 de julho de 2009

O globo - 5


Eu trabalhava no Ministério das Finanças e era o meu primeiro emprego. Uma sala enorme a perder de vista, com muito espaço de uma pessoa para a outra. As secretárias estavam ao lado uma das outras mas espaçadas em toda a volta da sala, de modo que havia sempre alguém à frente, nunca atrás. Atrás, ficava sempre a parede, mas com bastante espaço. A iluminação geral eram uns globos brancos e redondos, no tecto e cada pessoa tinha um candeeiro de secretária. 

Um dia de manhã cheguei e fiz o ritual do costume. Cumprimentei quem já estava, tirei o casaco e vesti a bata. A maioria das pessoas usava uma bata azul escura para preservar a roupa e eu também usava, embora por outra razão. Era muito jovem e usava mini-saias muito curtas, "hot-pants", tudo o que na altura se usava e para não dar muito nas vistas nem me sujeitar a ser chamada à atenção, defendia-me, vestindo a bata. Posto isto, sentei-me. Comecei a ver os papéis, a organizar o trabalho, enfim, a preparar-me para mais uma manhã, mais um dia. 

Entretanto, chegou a senhora que se sentava na secretária que ficava em frente à minha, do outro lado da sala. Disse olá, bom dia, e todas as outras pessoas puxavam as cadeiras sentando-se, enquanto eu fiquei um pouco a observar o movimento rotineiro a que não se dá atenção todos os dias. Mas naquele dia eu estava predisposta a observar. Olhei a sala em redor, planei um pouco e depois olhei para cima e vi os globos da luz. Pus-me a observar e pela primeira vez reparei no tamanho deles, que eram enormes. Um horror! Também, para salas daquele tamanho, tinha que ser assim e haviam vários, claro. Pus-me a observar bem o tamanho daquelas bisarmas e constatei que havia um mesmo por cima da minha cabeça. Não havia memória de acontecer, mas se aquela coisa caísse, matava-me, sem sombra de dúvida e no espaço de um piscar de olho, imaginei aquilo a cair, a partir-se em mil bocados, todos na minha direcção. Era o fim... 

Assustei-me com aquela visão e num impulso empurrei a cadeira para trás com toda a força, encostei-me à parede, sempre a olhar para cima e zás, pus as mãos na cabeça. Não é que, no mesmo instante, o globo se despenca lá de cima, caindo sobre a minha secretária e desfazendo-se em mil bocados que saltaram pela sala?... Uma coisa de doidos! Toda a gente a gritar, ui, oi, ah... A senhora que ficava sentada na secretária em frente à minha gritava "ela pressentiu porque se afastou antes do globo cair, ela pressentiu"!... 

Aquilo para ela era uma coisa extraordinária, nunca antes vista. Eu estava branca, surda e muda, sem perceber nada. Não sabia o que pensar. Estava em choque, mas estava a salvo. 

Porquê? 

Nunca havia resposta para essa pergunta.


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